A possível indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Celso de Mello representa uma vitória dos integrantes dos partidos do Centrão e uma derrota da ala ideológica do governo do presidente Jair Bolsonaro.
Antes do surgimento do nome de Kassio Nunes Marques, imaginava-se nos bastidores que o substituto de Celso de Mello seria um juiz mais alinhado à ala ideológica do governo. Entretanto, ocorreu justamente o contrário. O nome do novo favorito de Bolsonaro foi sugerido pelo senador Ciro Nogueira (PI), presidente nacional do PP, que é do Piauí – assim como Nunes.
Até então, Kassio Nunes Marques, que hoje é desembargador do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), estava cotado para uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no lugar do ministro Napoleão Nunes Maia, cuja aposentadoria ocorrerá até dezembro.
Nos últimos meses, Bolsonaro tem feito acenos públicos a Ciro Nogueira e a políticos do Centrão, grupo de parlamentares que tem dado sustentação política ao presidente da República desde abril. Em julho, por exemplo, o presidente da República fez uma viagem ao lado do senador para São Raimundo Nonato, cidade do interior do Piauí. No Congresso, políticos de partidos como o PP, PSC e Republicanos tentam vincular sua imagem à do presidente na campanha eleitoral de 2020, para tentar catapultar a eleição de aliados e parceiros políticos em suas bases eleitorais.
Assessores palacianos admitem à Gazeta do Povo, em caráter reservado, que a indicação de Kassio Nunes Marques é uma nova sinalização de Bolsonaro em favor dos políticos do Centrão.
A estratégia do Palácio do Planalto é, nessa primeira indicação ao Supremo, viabilizar um nome mais fácil de ser aprovado pelo Senado. E, na substituição do ministro do STF Marco Aurélio Mello, no ano que vem, optar por um nome considerado mais “ideológico”. Partindo para a máxima, nas palavras de um integrante militar do governo: “dar um passo para trás para dar dois para frente”.
O substituto de Celso de Mello será responsável por processos no Supremo Tribunal Federal (STF) que são de interesse direto tanto de Bolsonaro quanto de parlamentares do Centrão.
Caso seja de fato indicado, o desembargador Kassio Nunes Marques tem chance de comandar, por exemplo, o inquérito que apura a suposta interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal. Ele também seria um dos ministros envolvidos na análise do recurso impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para anular sentenças proferidas pelo ex-juiz Sergio Moro no âmbito da Operação Lava Jato.
Ala ideológica quer que Bolsonaro desista de indicar Kassio Nunes Marques
Apesar de admitirem em caráter reservado a possível derrota na indicação ao STF, a ala do governo ligada ao escritor Olavo de Carvalho tenta demover o presidente da escolha de Kassio Nunes Marques. Nos bastidores, eles afirmam: “perdemos a batalha, não a guerra”.
Na quarta-feira (30), o site de Olavo de Carvalho, o Brasil Sem Medo, divulgou uma carta aberta contra a indicação do desembargador Kassio Nunes Ribeiro, alegando que ele não atende ao perfil pleiteado pela direita brasileira. “O desembargador Kassio representa muito daquilo que nós lutamos – que o Sr. [Bolsonaro] lutou! para remover do cenário político e judicial brasileiro. Advogado militante, ele só chegou ao cargo que hoje ocupa por indicação de sua famigerada antecessora Dilma Rousseff”, descreve o manifesto.
Além disso, apoiadores do presidente da República iniciaram na noite da quarta-feira uma campanha virtual com a hashtag #ConservadornoSupremoJá para tentar demover o presidente da ideia de indicar Kassio Nunes Marques para o cargo.
O deputado federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR) pretende ir além e já articula uma reunião com o presidente para tentar dissuadi-lo da indicação. “O desembargador não tem o perfil que se espera de um presidente eleito sob a bandeira conservadora. Ele tornou-se desembargador por aproximação com o PT. Não há credencial pública que o coloque para ser ministro do Supremo. O STF é o epicentro de uma crise política e é preciso mudar o padrão de indicação. É preciso gente de carreira sólida. Espero que o presidente reveja isso”, disse o parlamentar.
Nos bastidores, integrantes da ala ideológica do governo admitiram que a indicação do desembargador Kassio Nunes Marques está “sedimentada”. “Apesar disso, tudo pode acontecer. Há um padrão. O presidente normalmente testa o nome nas redes. E, dependendo da reação, ele pode mudar de ideia. Essa é a nossa esperança”, admitiu um importante assessor palaciano com acesso direto ao presidente da República à Gazeta do Povo.
Do outro lado, aliados de Ciro Nogueira afirmam que o senador "não ficaria feliz" com o presidente caso essa tática seja replicada com um de seus aliados.
Análise: Bolsonaro opta por nome de aprovação mais fácil
Professor universitário e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Renato Ribeiro de Almeida afirma que, apesar da vontade do presidente Jair Bolsonaro em implementar um STF conservador, é importante para o Poder Executivo demonstrar força em sua primeira indicação para o STF.
“Nesse momento, o governo parece optar por um nome mais técnico para evitar maiores polêmicas e dificuldades. Afinal de contas, é um nome que precisa passar pelo Senado. É difícil para o governo indicar um nome mais polêmico que demande uma força política maior neste primeiro momento”, analisa o professor Renato Ribeiro de Almeida.
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