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Seis Anos

Por que a Lava Jato saiu dos holofotes? Procurador da força-tarefa responde

Julio Noronha, procurador da Lava Jato
Julio Noronha, procurador da Lava Jato, faz balanço dos seis anos de operação (Foto: MPF/PR)

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Prestes a completar seis anos na próxima terça-feira (17), a Lava Jato está cada vez mais longe dos holofotes. A operação anticorrupção da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, que já ocupou por meses a fio as manchetes dos principais jornais do país, chama menos a atenção do que em anos anteriores, apesar de ainda apresentar resultados impressionantes.

Segundo a força-tarefa no MPF, a Lava Jato chega ao sexto aniversário com números recordes para exibir. A quantidade de denúncias apresentadas em 2019 é um deles: foram 29, envolvendo 150 pessoas, sendo 99 denunciados pela primeira vez na operação e 51 que já eram réus em outros processos.

Desde 2014 foram 70 fases ostensivas deflagradas pela Polícia Federal, 1,3 mil buscas e apreensões, 130 prisões preventivas, 163 prisões temporárias, 118 denúncias, 500 pessoas acusadas, 52 sentenças e 253 condenações. Além disso, foram propostas um total de 38 ações civis públicas, incluindo ações de improbidade administrativa contra 3 partidos (PSB, MDB e PP). Mais de R$ 4 bilhões foram recuperados e devolvidos aos cofres públicos.

Segundo o procurador Júlio Noronha, membro da força-tarefa, a operação continua a mesma. O que mudou, na opinião dele, foi a percepção da sociedade em relação as denúncias. “Talvez o fato de que já são seis anos revelando grandes esquemas de corrupção, com valores milionários de propina, valores milionários lavados, isto talvez já não desperte tanta atenção”, disse, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.

Procurador minimiza críticas ao governo, Congresso e Supremo

No balanço que fez sobre os seis anos da operação, Noronha baixou o tom nas críticas feitas ao governo, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a outras declarações de colegas da força-tarefa. Em agosto do ano passado, em uma entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, disse que o Congresso, o STF e o presidente Jair Bolsonaro ameaçavam a operação.

Noronha preferiu uma crítica mais branda. “Não gosto muito dessa terminologia de ataque, porque fica parecendo que há uma intenção de ataque. O que eu vejo são efeitos concretos no nosso dia a dia, no nosso trabalho”, disse o procurador, ao se referir à decisão do STF que barrou a prisão em segunda instância.

“Não concordo e não acho a melhor linguagem essa de ataques a uma instituição ou outra. O que eu posso falar, como agente público, é dos efeitos concretos no nosso trabalho. Nosso trabalho com a Receita Federal continua funcionando, em relação ao Coaf, nós continuamos recebendo os relatórios de inteligência financeira”, disse Noronha, em relação às mudanças promovidas pelo presidente Bolsonaro nos dois órgãos, antes criticadas pela força-tarefa.

Lava Jato ainda tem espaço para surpresas

Segundo Noronha, apesar de as investigações terem começado há seis anos, ainda há espaço para surpresas na operação Lava Jato nos próximos meses.

“Agora a gente tem informação reunida ao longo de 70 fases, ao longo de seis anos de operação, com vários dos principais operadores financeiros que atuavam no país, com movimentações feitas dentro e fora do país. A gente tem diversas colaborações, com algumas das maiores empreiteiras do país, que forneceram não só depoimentos, mas provas documentais. Todo esse material analisado, que conjugado com provas que podemos obter por outras fontes, como cooperação internacional, abrem um leque de possibilidades muito grande”, explica Noronha. “Tem espaço ainda para muita coisa e o trabalho continua sendo feito”, completa.

Leia a entrevista exclusiva com Júlio Noronha:

A Lava Jato completa seis anos na semana que vem cada vez mais longe dos holofotes. Por que a operação não chama mais tanto a atenção?

Júlio Noronha: E acho que o balanço serve exatamente para ajudar a entender um pouco esse sentimento e essa percepção. Algumas pessoas podem atribuir essa ausência de interesse ao fato, sem nenhuma comprovação na realidade, de que talvez a Lava Jato não tivesse alcançando os mesmos resultados ou alcançando pessoas com alto poder político, com alto poder econômico, mas não é isso que a gente verifica. E é exatamente isso que o balanço trouxe. Em 2019, foi um ano com bastante resultados. Se a gente falar só dos números a gente teve um recorde de denúncias oferecidas, que é a responsabilização no âmbito criminal; a gente teve um recorde de ações de improbidade, que é a responsabilização o âmbito cível; e um recorde de recuperação de valores efetiva. A gente está falando de R$ 1,6 bilhão efetivamente devolvidos para os cofres públicos, que é um recorde na operação.

O que está por trás desses números. Vamos lembrar como começou o ano: com uma operação que tinha por alvo condutas do ex-governador do estado do Paraná, filiado ao PSDB. Na sequência a gente teve responsabilização também de um agente apontado como operador de propinas do PSDB, responsabilização de agentes ligados a uma instituição financeira, operação mirando condutas de agentes políticos do MDB, caciques políticos do MDB, Romero Jucá, Edison Lobão e por aí vai.

Ou seja, a Lava Jato continua a mesma. Talvez o fato de que já são seis anos revelando grandes esquemas de corrupção, com valores milionários de propina, valores milionários lavados, isto talvez já não desperte tanta atenção. Mas o fato é que o diagnóstico de um grande caso de corrupção, ou o fato de que infelizmente no Brasil a gente tem vários nichos na administração pública em que a corrupção reinou durante anos, este diagnóstico continua sendo feito. Talvez ele não chame tanto a atenção.

O Brasil elegeu um governo na esteira do combate à corrupção, pelo menos com esse discurso. O senhor acha que com a posse do novo presidente as pessoas relaxaram e deixaram de prestar atenção?

Júlio Noronha: Eu acho que as pessoas se acostumaram com a constante divulgação, ou seja, com o diagnóstico daquilo que está acontecendo e aquela vontade de mudar esse quadro talvez tenha ficado um pouco adormecida neste momento, uma vez que as eleições aconteceram em 2018, não só no Poder Executivo, mas no Poder Legislativo novas pessoas foram eleitas, a gente tem um novo cenário político. E se está aguardando um pouco para se ver o que vai acontecer. Mas de novo, esse ano de 2020 é um ano de eleições e uma nova oportunidade para a sociedade, diante deste diagnóstico, buscar uma mudança. Se há um desejo de mudança, o momento é agora.

Isso é algo que é muito forte aqui na Lava Jato, nós acreditamos que o caminho da mudança é um caminho que passa pela cidadania, e passa pelas instituições. A gente, embora expresse eventualmente discordância de uma decisão ou de um ato de qualquer um dos poderes, a gente tem pleno respeito por todas as instituições: Poder Judiciário, Poder Legislativo, Poder Executivo. A gente acredita que a mudança passa pela expressão da cidadania e pelo funcionamento dessas instituições. Nós acreditamos na institucionalidade, no funcionamento das instituições para mudar a nossa realidade.

O senhor mencionou atos dos demais poderes dos quais a Lava Jato discorda. Qual foi o pior revés que a Lava Jato sofreu nestes seis anos na opinião do senhor, tanto em relações a ataques da classe política quanto em relação a decisões do STF?

Júlio Noronha: Eu não gosto muito dessa terminologia de ataque, porque fica parecendo que há uma intenção de ataque. O que eu vejo são efeitos concretos no nosso dia a dia, no nosso trabalho. O que eu acho que tem efeito concreto, que a gente pode perceber no nosso trabalho, foi a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação à prisão em segunda instância. Pessoas que antes estavam cumprindo pena por conta da decisão de segunda instância de casos aqui da Lava Jato foram colocadas em liberdade diante da mudança desse entendimento.

O que a gente observa é que a perspectiva de punição e efetivo encarceramento, de cumprir pena na prisão, é algo que leva as pessoas a acreditarem que a Justiça funciona. E a gente acha que esse é um sentimento muito importante no país para que as pessoas tenham consciência e consigam ver na realidade que a lei pode se aplicar a todos. Eu acho que esse foi um resultado muito importante da Lava Jato. Uma vez que muitas pessoas com alto poder econômico e alto poder político tiveram suas condutas criminosas reveladas pela operação Lava Jato e suas condutas foram avaliadas pela Justiça e foram efetivamente, quando se encontrou provas, condenadas, isso leva a crer que a Justiça funciona ou pode funcionar para elas também.

Mesmo com algumas derrotas no Congresso e no STF, a Lava Jato conta com o apoio do ministro Sergio Moro. O senhor acha que o fato de ele estar no Ministério da Justiça tem sido positivo para a Lava Jato?

Júlio Noronha: Eu não vejo uma contribuição específica para a operação em si, mas para aquela pauta que também é importante para a Lava Jato, que é o combate ao crime organizado, o combate à corrupção. Uma demonstração concreta dessa pauta comum foi o pacote anticrime, que foi enviado pelo ministro, por meio do presidente da República, para o Congresso Nacional para que fosse avaliado aquilo que poderia eventualmente mudar nossa realidade no combate à corrupção.

Durante esse processo, o Legislativo, exercendo sua função natural, realizou mudanças que levaram àquele pacote, uma parte que já se encontra em vigor e outra parte que ainda, por conta da decisão do ministro Toffoli e do ministro Fux, está submetida ao processo de análise, suspensa até que haja análise do mérito [ele se refere à figura do juiz de garantias].

O presidente Jair Bolsonaro tomou decisões que impactam não apenas na Lava Jato, mas em outras investigações sobre corrupção, como a interferência no Coaf, tentativas de promover mudanças na PF, na Receita Federal. O que o senhor acha desse ataque aos órgãos de controle?

Júlio Noronha: De novo, não concordo e não acho a melhor linguagem essa de ataques a uma instituição ou outra. O que eu posso falar, como agente público, é dos efeitos concretos no nosso trabalho. Nosso trabalho com a Receita Federal continua funcionando, em relação ao Coaf, nós continuamos recebendo os relatórios de inteligência financeira. No momento em que houve a suspensão, por determinação do ministro Toffoli, houve a suspensão dessas comunicações para a operação Lava Jato. No entanto, depois que o pleno do Supremo decidiu a questão e pacificou a possibilidade de remessa dos relatórios para o Ministério Público, isso voltou a fluir e a gente continua com um fluxo normal, recebendo essas informações. De forma que esses atos que você mencionou não trouxeram impacto concreto, pelo menos até o momento, na nossa atuação.

Uma análise da conjuntura política ou o que isso pode indicar foge do escopo daquilo que eu posso fazer enquanto agente público. O que eu posso fazer é verificar o que acontece de efeito concreto no nosso trabalho. Especificamente sobre essas questões, sobre o trabalho da Receita e do Coaf, o que a gente observa é a continuidade daquilo que a gente observava antes.

A pergunta que é feita em todo aniversário da Lava Jato: vamos ter 7 anos de Lava Jato no ano que vem? Ainda há mais para ser investigado?

Júlio Noronha: Essa é uma ótima pergunta. A gente apresentou na coletiva alguns dados que mesmo para a gente que está aqui no dia a dia, quando a gente parou para levantar, chamaram bastante a atenção. Os resultados de 2019 são fruto de muito trabalho e são resultados que já apareceram. Mas muito trabalho também foi feito ao longo de 2019 buscando resultados que ainda não apareceram. A gente continuou realizando muitas investigações e chama atenção que em 2019 a gente tomou 203 depoimentos voltados a investigações em curso.

Além disso, a gente adotou uma série de medidas cautelares, nossos pedidos de afastamento de sigilo bancário, de afastamento de sigilo fiscal, de sigilo de registro telefônico. Todas essas medidas, somadas aos depoimentos, estão reunindo mais provas, que estão instruindo novas investigações que num futuro próximo vão trazer mais resultados para a operação, mais resultados para a sociedade. A gente está falando da possibilidade de novas fases ostensivas, de novas operações, de novas denúncias, de novas ações de improbidade e de novos acordos com recuperação de valores para os cofres públicos.

Ainda tem espaço para mais surpresas na Lava Jato?

Júlio Noronha: Acho que sim. Há espaço para bastante surpresas e eu te explico o por quê. Vamos pensar que o caso começou em 2014 com uma investigação sobre lavagem de dinheiro, quatro núcleos que se conectavam. A primeira fase, em março, buscou uma série de informações e ficou como uma locomotiva que colocou atrás um vagão cheio de informações. Essas informações que estavam no primeiro vagão que foi juntado foi analisado e permitiu que a gente chegasse na segunda fase. E assim sucessivamente até agora, na fase de número 70.

Então vamos pensar que agora a gente tem informação reunida ao longo de 70 fases, ao longo de seis anos de operação, com vários dos principais operadores financeiros que atuavam no país, com movimentações feitas dentro e fora do país. A gente tem diversas colaborações, com algumas das maiores empreiteiras do país, que forneceram não só depoimentos, mas provas documentais. Todo esse material analisado que, conjugado com provas que podemos obter por outras fontes, como cooperação internacional, abre um leque de possibilidades muito grande. A gente está falando de operadores financeiros que confessaram realizar a lavagem de mais de R$ 1 bilhão. Imagine quantas dessas transações já foram efetivamente rastreadas, não só a própria transação em si, mas o benefício ou a eventual ilicitude por trás dela. Então tem espaço ainda para muita coisa e o trabalho continua sendo feito.

E a gente continua buscando também a melhor forma de desenvolver esse trabalho. Tanto é que nos últimos anos, uma das nossas maiores preocupações e um dos nossos maiores investimentos de tempo e de recurso foi no desenvolvimento de ferramentas de tecnologia da informação para conseguir analisar esse conjunto de provas e encontrar as evidências que são relevantes para que a gente possa iniciar, instruir e terminar as investigações em curso. Então tem muita coisa para fazer e muito material a partir do qual a Lava Jato pode prosseguir e se ramificar.

O senhor poderia detalhar um pouco mais o uso da tecnologia da informação na Lava Jato? É uma tentativa de acelerar essa análise de provas?

Júlio Noronha: A gente observou ao longo da Lava Jato uma sofisticação dos meios de lavagem de dinheiro. Os mecanismos de análise das provas dessa lavagem de dinheiro sofisticadas não existiam. Parte desses mecanismos foram desenvolvidos aqui dentro da força-tarefa e vou te dar alguns exemplos para tornar isso mais concreto.

Nós recebemos o material de cooperação internacional por meio de documentos que são algumas vezes físicos, algumas vezes eletrônicos, mas que não são pesquisáveis e não estão estruturados. Um dado estruturado é aquele de transações financeiras que é colocado em uma planilha. Quando você coloca esse dado na forma estruturada, isso permite que você faça cruzamentos, o que você não consegue fazer, obviamente, com o texto escrito em um papel que não permite nem ser pesquisado. Mas para além de tornar esses textos pesquisáveis, nós tornamos esses textos em dados estruturados que permitem cruzamentos com outras informações.

A gente também trabalhou para ter um processamento mais rápido das evidências eletrônicas que a gente tem. A gente desenvolveu na força-tarefa um mecanismo de upload de carregamento dessas informações que a gente obtém através de busca e apreensão e afastamento de sigilo telemático, uma forma de otimizar a análise dessa informação. Então quando a gente apreende um computador, um telefone, ou a gente obtém esses dados em nuvem, eles chegam brutos para a gente.

A gente precisa carregar isso nas nossas máquinas, precisa separa aquilo que é informação que não é relevante, fotos que não estão relacionadas com a investigação, textos que não estão relacionados com a investigação, arquivos que estão duplicados, arquivos que são de aplicativos e estão só ocupando a memória do dispositivo. Com isso a gente consegue filtrar quais são as informações que a gente vai passar nosso tempo analisando.

O primeiro passo do nosso processamento foi adiantado. Com o apoio da Procuradoria da República no Paraná foram adquiridos computadores potentes para que a gente pudesse fazer isso de forma mais rápida. Então hoje a gente consegue carregar mais de quatro dispositivos ao mesmo tempo para poder iniciar a análise.

Além disso, a gente começou a usar na força-tarefa inteligência artificial para poder analisar dentro dos dispositivos eletrônicos as fotos que eventualmente sejam de interesse da investigação. Então a gente consegue, com inteligência artificial, ir aprendendo, a medida em que a investigação avança, a separar fotos de um comprovante de transferência, de um cheque, de um cartão de visitas que é armazenado num dispositivo eletrônico que é apreendido.

Além disso a gente desenvolveu outras soluções de tecnologia que permitem o cruzamento dessas informações de forma acelerada. Todo esse investimento nas soluções de tecnologia demoraram meses, anos para serem desenvolvidas e nos últimos tempos a gente vem utilizando para refinar a nossa análise desse enorme banco de dados que a gente possui hoje na operação Lava Jato.

Esse é o dado relevante dessa informação, o que tem de bacana no auxílio da tecnologia no nosso trabalho: ela ajuda a identificar aquilo que é relevante. Porque hoje a maior dificuldade não é coletar a informação, isso está disponível, inclusive, para todas as outras unidades investigativas. Está na lei, você pode pedir, o juiz autoriza a obtenção de um sigilo bancário. Isso todo mundo alcança. Mas você recebe todas as transações de um determinado período e a dificuldade não é obter o dado, mas encontrar a informação relevante no meio de todas essas informações.

Quais são as vantagens que o histórico da Lava Jato construiu: a gente tem uma base de dados muito grande, ou seja, de forma exemplificativa, se a cada 100 dados a gente tem um relevante, imagine que a gente tem aqui 1 milhão de dados. Não bastasse isso, a quantidade de possíveis evidências relevantes que temos na nossa base de dados, hoje a gente tem ferramentas de TI para acelerar o encontro dessa evidência relevante.

O senhor mencionou que durante as 70 fases da operação foram colhidas provas que podem levar a surpresas nas investigações. Parte disso pode acabar saindo das mãos da Lava Jato por causa do desmembramento das investigações determinado pelo STF?

Júlio Noronha: Gosto de colocar isso de uma forma bem realista. O desmembramento ou o declínio de casos para outras unidades da Justiça faz parte do processo jurídico. Eventualmente a gente pode discordar por entender que existe uma razão jurídica de conexão para o caso permanecer, mas isso é natural. E existe os dois lados. Se a gente lembrar, no próprio histórico da Lava Jato, várias decisões que utilizaram a conexão probatória permitiram que casos fossem enviados de outras unidades aqui para a força-tarefa da Lava Jato. E talvez o caso mais notório sobre esse encaminhamento é o próprio desmembramento das colaborações dos executivos da Odebrecht.

Vários anexos das colaborações desses executivos foram remetidos aqui para Curitiba porque o ministro Edson Fachin entendeu que aqui havia investigações em curso, havia uma conexão e era suficiente para que os casos fossem enviados para cá. Naturalmente, em outros casos a Justiça entendeu que era o caso de enviar a investigação ou a denúncia para outra unidade da Justiça por não ser tão forte, ou por inexistir, na visão do julgador, uma conexão para manter o caso aqui.

E nós temos recorrido dessas decisões e muitas vezes tentado demonstrar exatamente a razão pela qual acreditamos que é importante manter o caso aqui. E a gente sempre gosta da analogia do quebra-cabeça e entende que a gente está há seis anos montando uma figura, a gente entende como os personagens agem, o esquema de lavagem de dinheiro sofisticado envolvendo grandes empresas, e aí chega uma nova peça. Quando a gente encaixa essa peça no nosso quebra-cabeças, faz muito mais sentido do que quando se remete essa peça para outro lugar, que também pode fazer um ótimo trabalho, mas vai demorar muito mais tempo para poder compreender como essa peça encaixa naquele quebra-cabeça que já vem sendo montado aqui há muito tempo.

Então, muitas vezes, o que levamos ao Poder Judiciário é exatamente essa argumentação pensando na eficiência da investigação e isso não é nenhuma novidade porque é previsto em lei, no Código de Processo Penal, que a gente chama de conexão probatória.

Ao longo do ano passado a Lava Jato foi bastante questionada. Vimos alguns ventos mudarem no Supremo, a divulgação de mensagens pelo Intercept, vimos pessoas que eram ferrenhas defensoras da Lava Jato adotando uma postura mais crítica. O senhor acha que a Lava jato pode ter perdido credibilidade por causa da divulgação das mensagens pelo Intercept e pelo fato do juiz do caso ter entrado para o governo? Há algo que mereça um mea culpa da força-tarefa?

Júlio Noronha: Minha visão é muito objetiva. O que eu vejo em relação as mensagens. Isso foi objeto de um inquérito, é objeto de uma denúncia, o que indicou que as mensagens sem comprovação da autenticidade e da integralidade foram alvo de uma ação criminosa de um hackeamento. O que eu enxergo é que independente da tentativa de algumas pessoas de mudar o foco, o trabalho prosseguiu, como é nossa obrigação. Nossa obrigação é continuar trabalhando. E me chama a atenção que algumas pessoas tenham preferido dar foco, ou jogar luz, sobre a metodologia da Lava Jato ao invés de avaliar os resultados e o trabalho que estava sendo feito.

O que é a Lava Jato nos últimos anos? Talvez uma das operações que mais foram submetidas ao escrutínio público. E escrutínio público da maneira mais ampla possível que a gente pode pensar. Aqui na Lava Jato trabalham em favor dos réus as melhores bancas de advocacia do país, respeitadas, com amplo conhecimento técnico, teórico, experiência prática, com muitos advogados, com muita estrutura. E ao longo de todos esses anos eles vêm analisando nosso trabalho minuciosamente.

Além disso, nosso trabalho, de forma inédita também em um grande caso de corrupção, sempre esteve todo exposto para consulta da sociedade, todas as nossas denúncias, todas as sentenças que foram proferidas estão disponíveis para qualquer cidadão consultar no nosso site, com indicação das provas, com indicações das nossas conclusões. Tudo encontra-se à disposição do cidadão. E para além disso, a imprensa fez uma cobertura muito ampla.

Somado todo esse quadro de escrutínio público amplo durante vários anos daquilo que se revelou e que já foi submetido a análise do Poder Judiciário e dos órgãos de controle da nossa entidade corregedora, o CNMP, não houve nenhuma análise conclusiva, nenhum julgamento falando que houve qualquer prática errada durante a Lava Jato.

Em paralelo a isso, vamos ver o que a gente apresentou. 2019 com vários recordes positivos, resultado de trabalho. O trabalho continuou sendo feito e é nossa obrigação. Então talvez a questão seja muito mais de perspectiva sobre a realidade do que a realidade. As pessoas podem ter suas opiniões, podem e devem questionar aquilo que acharem, sobretudo no trabalho de agentes públicos, mas a gente também tem que olhar para a realidade. O que a gente tem na realidade? Trabalho continuou, buscando a responsabilização de pessoas que cometeram crimes, que cometeram atos ilícitos, de pessoas com alto poder econômico e alto poder político que se envolveram com essas condutas e com resultados efetivos: recuperação de recursos que foram desviados dos cofres públicos e responsabilização com processos criminais e processos cíveis.

E um dado muito relevante nesse contexto: a coordenadora da 5.ª Câmara de Revisão e Coordenação do MPF, nosso órgão máximo no combate à corrupção, esteve aqui presente e trouxe um dado muito relevante. De 2014 a 2019, a 5.ª Câmara de Coordenação homologou 31 acordos de leniência, desses acordos de leniência do país inteiro nos últimos seis anos, 14 foram da força-tarefa da Lava Jato. E dos valores recuperados por esses 31 acordos, mais de 50% também veio de Curitiba, sendo que o ano com maior recuperação foi 2019.

Então a gente está falando de um trabalho que continua, com a serenidade de quem faz um trabalho técnico, apartidário. A gente aqui está simplesmente executando nosso trabalho como servidor público. Esse é pensamento de todos os 14 procuradores que hoje estão aqui, das dezenas de servidores que também trabalham no MPF e de todos os servidores que trabalham nos outros órgãos e fazem da operação Lava Jato uma operação de várias instituições. É um trabalho de instituições funcionando.

Olhando daqui para a frente, a força-tarefa avalia que há alguma ameaça à operação no radar?

Júlio Noronha: A gente só renova nossa confiança de que qualquer mudança, e a gente espera que sejam mudanças positivas, vai acontecer por meio das instituições. Então a gente confia que o Supremo, que o Congresso podem trazer mudanças positivas para essa pauta anticorrupção. E aí são vários casos, a própria notícia de que o Congresso pode avaliar a volta da prisão após segunda instância, como eu já te falei, trouxe impactos para a operação. Então a gente renova nossa confiança. O caminho da mudança por meio das instituições, por meio do exercício da cidadania, e a gente espera que nesses próximos anos isso se torne ainda mais concreto numa pauta que a gente entende que é tão relevante diante do diagnóstico que a operação Lava Jato traçou.

A renovação do Congresso trouxe mais otimismo para a Lava Jato?

Júlio Noronha: O que a gente observou é que essa pauta anticorrupção foi muito forte na eleição e várias pessoas foram eleitas na esteira dessa pauta. Evidentemente a gente tem confiança de que no futuro essas pessoas que se comprometeram com essa pauta possam, de fato,  trazer ações concretas, uma vez que agora são detentoras de mandato, possam agora de fato trazer mudanças para o bem dessa pauta.

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