Em menos de 24 horas, a Lava Jato foi alvo de uma série de ataques de autoridades públicas que chocou membros da força-tarefa e aqueles que defendem o combate à corrupção no país. A ofensiva começou com declarações públicas do procurador-geral da República, Augusto Aras, chefe do Ministério Público Federal, e se intensificou com críticas diretas e indiretas dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
Ex-integrante da força-tarefa, o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima disse em entrevista à Gazeta do Povo que a operação Lava Jato foi abandonada pelo Estado e criticou a tentativa de concentração de poder do procurador-geral.
Na terça-feira (28), Aras afirmou em uma videoconferência com advogados do grupo Prerrogativas que a força-tarefa em Curitiba é uma “caixa de segredos” e disse ser necessário fazer uma “correção de rumos” para que o “lavajatismo não perdure".
Para Lima, este é o momento mais difícil da Lava Jato desde a deflagração da operação, em 2014. “É o pior momento porque a Lava Jato se encontra completamente abandonada de qualquer tipo de apoio dentro dos órgãos de Estado”, disse.
“Hoje temos uma Polícia Federal que está sob controle do presidente. O Poder Executivo nomeia o procurador-geral e acena com uma cadeira no STF. O STF, infelizmente, está sob a presidência de Toffoli, que tem se mostrado bastante pródigo, especialmente nas férias, em determinar uma série de medidas que depois, como aconteceu no caso Coaf, não se sustentam juridicamente. Nós temos um Congresso Nacional que tem a função de fazer o impeachment do presidente da República, do PGR e dos ministros do Supremo, no entanto é onde estão os maiores investigados pela Lava Jato”, resumiu o procurador aposentado.
Lima criticou iniciativas de Augusto Aras que visam uma concentração de poder na figura do PGR, como a tentativa de acessar dados sigilosos de investigações e de acabar com as forças-tarefas, criando um único órgão de combate à corrupção em Brasília.
“Quando você dá um poder excessivo ao procurador-geral da República que pode arquivar o que ele desejar, sem controle do STF, e pode processar e investigar quem ele desejar, especialmente num ambiente em que estamos com essa dúvida sobre a influência do presidente Jair Bolsonaro sobre a Polícia Federal e o Ministério Público, tudo isso demonstra-se muito grave. Podemos estar diante de um abuso, de uma perseguição política em relação a possíveis e eventuais candidatos a presidente ou outros cargos. Isso é muito grave”, afirmou.
Lava Jato teme uso político de dados da investigação
A ofensiva da PGR contra a Lava Jato veio a público no final de junho, com a visita da subprocuradora-geral Lindôra Araújo à força-tarefa de Curitiba. Ele é coordenadora da Lava Jato no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e uma das principais aliadas de Aras. Durante a visita, Lindôra tentou obter acesso livre ao banco de dados da investigação, o que motivou um pedido da força-tarefa para que a Corregedoria do Ministério Público Federal apure o episódio. Um procedimento foi aberto e ainda está em tramitação.
A tentativa de obtenção dos dados da Lava Jato não parou por aí. Semanas depois da vista de Lindôra, a PGR conseguiu uma decisão monocrática (individual) do presidente do STF, Dias Toffoli, que obriga as forças-tarefas de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro a entregarem os bancos de dados das investigações da Lava Jato nos estados.
Procuradores da Lava Jato temem o uso político das informações. Um dos procuradores interpreta o cerco da PGR à Lava Jato como uma tentativa de favorecer Bolsonaro politicamente e enfraquecer o ex-ministro Sergio Moro, que foi juiz da operação. A visão dos procuradores é de que há uma tentativa de asfixiar a Lava Jato para que o nome da operação não seja levado para as próximas eleições presidenciais, em 2022.
Toffoli defende quarentena para juízes para evitar ‘demagogia’
Nesta quarta-feira (29), o presidente do STF defendeu que magistrados e membros do Ministério Público sejam submetidos a uma 'quarentena' de pelo menos oito anos caso queiram abandonar as carreiras no Judiciário e no MP para disputar eleições.
Toffoli disse que o período de inelegibilidade evitaria a "utilização da magistratura e do poder imparcial do juiz para fazer demagogia, aparecer para a opinião pública e se fazer candidato".
"A imprensa começa a incensar determinado magistrado e ele já se vê candidato a presidente da República sem nem conhecer o Brasil sem nem conhecer o seu Estado, sem ter ideia do que é a vida pública. Quer ir para a política, pode ir. Sai da magistratura, e tenha um período de inelegibilidade. E eu volto a pedir ao Congresso Nacional que estabeleça prazos de inelegibilidade para membros da magistratura e do Ministério Público que deixarem suas carreiras. Para que não possam magistrados e membros do Ministério Público fazer dos seus cargos e das suas altas e nobres funções meios de proselitismo e demagogia", disparou o presidente do STF em sessão extraordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Toffoli não citou nomes, mas é difícil não vincular a declaração dele à possibilidade de Sergio Moro se candidatar à sucessão de Jair Bolsonaro. É forte a corrente de adeptos e apoiadores pela candidatura do ex-juiz da Lava Jato ao Planalto em 2022. A hipótese, porém, encontra resistência do próprio Moro, que já disse mais de uma vez que não pretende concorrer.
A ideia de Toffoli ganhou ressonância no Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou nesta quarta que a ideia de uma quarentena para juízes e procuradores está em discussão no Congresso e já pode ser votada nesse segundo semestre. “Já existem projetos tramitando na Casa e acho que essa matéria está sendo amadurecida e muito perto de se chegar a um entendimento de que as carreiras da magistratura não podem ser utilizadas como trampolim”, disse.
A Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou nota em que declara ser "contrária a qualquer ato que vise ampliar o tempo de inelegibilidade eleitoral para membros do Poder Judiciário após afastamento definitivo da função pública" e que "projetos com esse teor ferem o princípio da isonomia e violam os direitos políticos dos membros do Poder Judiciário".
Maia sai em defesa de Aras e critica Lava Jato
Enquanto, de um lado, a força-tarefa em Curitiba reagiu e recebeu apoio do ex-juiz Sergio Moro, do ex-procurador Carlos Lima e da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), do outro, de outro, um nome de peso da política de Brasília saiu em defesa de Augusto Aras.
Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o procurador-geral tem legitimidade para fazer críticas à operação. “Acho que o procurador tem muito mais informações do que nós temos para fazer a crítica e o alerta”, disse Maia em entrevista ao programa de rádio Manhã Bandeirantes nesta quarta.
Ele também afirmou que tem a impressão de que o MP não gosta de ser fiscalizado. “A crítica que eu faço é: o Ministério Público é um órgão fundamental para nosso país. Mas a impressão que me dá é que não gostam de ser fiscalizados muitas vezes”, disse ao entrevistador José Luiz Datena.
O deputado do Democratas também afirmou que os integrantes da Lava Jato se colocam "acima do bem e do mal". “Em determinado momento, qualquer coisa que a gente ia votar [na Câmara] tinha uma coletiva lá do pessoal de Curitiba: ‘não pode votar isso, não pode votar aquilo’, como se fossem um árbitro, uma figura acima do bem e do mal”, disse Maia, que é alvo de uma investigação na PGR.
Cabe a Aras decidir se denuncia ou não o presidente da Câmara com base em delações de executivos da empreiteira Odebrecht sobre pagamento de propinas. Em agosto do ano passado, a Polícia Federal atribuiu a Maia os crimes de corrupção passiva lavagem de dinheiro, e caixa 2.
Associação de juízes admite críticas pontuais, mas defende legado da Lava Jato
A Associação dos Juízes Federais do Brasil divulgou nota em que defende o papel e o legado da Lava Jato. Assinado pelo presidente da Ajufe, Eduardo André Brandão, o texto afirma que "pode até se criticar pontualmente a Operação Lava Jato, mas não se pode desqualificar uma operação que devolveu bilhões de reais aos cofres públicos através de acordos de leniência e condenações judiciais, muito menos desconsiderar que as condenações da primeira instância foram mantidas nas instâncias superiores, muitas vezes com as penas sendo majoradas".
Brandão afirmou ainda que "também não se pode desconsiderar a eficiência no combate à corrupção e na cultura de que o dinheiro público sempre era mal gasto. Esse sim, o grande legado da Lava Jato para o nosso futuro", conclui.
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