Senador paranaense e integrante do grupo Muda Senado, Alvaro Dias (Podemos) disse em entrevista à Gazeta do Povo que enxerga uma conspiração dos Três Poderes para fragilizar a operação Lava Jato. A força-tarefa em Curitiba passa por um momento crucial, em que o procurador-geral da República, Augusto Aras, deve decidir nos próximos dias se prorroga ou dissolve o grupo. Os ataques à investigação têm se intensificado desde junho e partem de todos os lados, inclusive de dentro do próprio Ministério Público Federal (MPF).
“Acho que o que tem ocorrido é uma conspiração envolvendo os Três Poderes, agentes públicos dos Três Poderes, para fragilizar a operação Lava Jato. Há interessados no Congresso, há interessados no Executivo e na Justiça. É por essa razão que começamos a caminhar para trás, começamos a comemorar retrocessos ao invés de avanços”, disse Alvaro Dias, em entrevista exclusiva por telefone.
Para ele, a não renovação da autorização para a força-tarefa funcionar representaria um desejo de que o combate à corrupção não tivesse continuidade no país. “A operação Lava Jato se consagrou pela eficiência dessa equipe que integra a força-tarefa atual. Nós teremos agora um momento crucial”, avalia o senador.
Alvaro Dias também afirmou ver com preocupação o clima no Supremo Tribunal Federal para julgamento do recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pede a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Se o recurso for concedido, a sentença do caso do tríplex no Guarujá pode ser anulada e o caso pode voltar à estaca zero.
“Aí assistiríamos um verdadeiro terremoto, porque se há um benefício para o ex-presidente, outros também invocarão o mesmo benefício. Então teremos um desmonte da operação Lava Jato, que seria, sem dúvida nenhuma, um atentado ao interesse coletivo de combate à corrupção”, avalia. “Seria um retrocesso imperdoável, isso é muito suspeito, teria certamente por objetivo o desmonte da operação Lava Jato”, completou o senador.
O parlamentar também defendeu o papel do Congresso Nacional no combate à corrupção e cobrou a aprovação do fim do foro privilegiado e da prisão em segunda instância. “Se nós pudermos institucionalizar a operação Lava Jato como uma política permanente de combate à corrupção, aprovarmos o fim do foro privilegiado e aprovarmos a prisão em segunda instância, certamente nós alcançaremos um estágio de Justiça que se comparará aos países mais civilizados do mundo”, disse.
Leia a entrevista completa:
Como o senhor avalia o momento atual da operação Lava Jato?
Primeiro, nós constatamos que a história do combate à corrupção no Brasil vem sendo escrita com avanços e recuos. Ultimamente, mais recuos. Desde a eleição de 2018, a partir do novo período, a partir de 2019, nós passamos a ter recuos deploráveis. Tem ações que fulminaram o Coaf, o Ministério Público, a Receita Federal, Polícia Federal. Ações que tiveram como objetivo limitar a independência, a autonomia desses órgãos. E agora o momento é decisivo, porque trata-se da renovação ou não da força-tarefa em Curitiba, os quadros que se consagraram com uma atuação de muita eficiência nas investigações, levaram à 285 condenações. Daria mais de 3 mil anos de prisão. Me parece que foram 165 condenações em primeira e segunda instância. Mais cerca de R$ 5 bilhões de restituição aos cofres públicos, que foram subtraídos. A operação Lava Jato se consagrou pela eficiência dessa equipe que integra a força-tarefa atual. Nós teremos agora um momento crucial. A renovação da força-tarefa atual seria a sinalização do desejo de que o combate à corrupção não sofrerá solução de continuidade.
Há um temor de que essa força-tarefa possa não ser renovada? O que isso representaria para o combate à corrupção?
Nós não podemos antecipar julgamento, mas a não renovação da força-tarefa atual não seria uma boa sinalização. Não seria uma boa sinalização. Porque os que estão integrando os quadros atuais da força-tarefa já adquiriram uma grande experiência, são várias operações vinculadas à Lava Jato, são inúmeras ações em investigação que foram desenvolvidas. Se houver uma substituição geral dos integrantes, sem dúvida isso poderá significar um atraso no combate à corrupção, um retrocesso que implicaria num atraso. Por melhor que sejam os indicados, certamente já chegarão com as coisas avançadas e teríamos um retrocesso, sem dúvida. Poderíamos ter um retrocesso.
A PGR tem discutido a criação da Unac, que é um modelo que substituiria as forças-tarefas da Lava Jato e da Greenfield, concentrando todas essas investigações em um único lugar. Qual a opinião do senhor a respeito da criação dessa unidade?
Eu acho que tem que ter uma coordenação-geral, mas a descentralização das ações é fundamental. Não vejo conflito entre uma coordenação-geral, pode ser estabelecida, mas sem prejuízo dessas coordenações que estão atuando, como a da força-tarefa de Curitiba, que foi exatamente o epicentro de toda a investigação.
Nesta semana tivemos em Brasília duas situações que indiretamente envolvem a Lava Jato. Uma delas foi o julgamento do STF que terminou com a declaração de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro em um caso do Banestado pela Segunda Turma do Supremo, que também vai julgar um recurso da defesa do ex-presidente Lula que também pede que o ex-juiz seja considerado parcial para julgá-lo. Como o senhor avaliou esse julgamento? O senhor acha que isso pode ser um indicativo de que a Lava Jato pode ter problemas no Supremo em relação a esse recurso de Lula?
É preocupante porque a ausência de Celso de Mello determinou o empate, que favorece o réu. Ou seja, é uma decisão que tromba na aspiração nacional de combate à corrupção para valer. É preocupante porque nós teremos um julgamento que pode ser breve em respeito ao interesse do ex-presidente Lula, da suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Ocorre que essa ausência do Celso de Mello pode ser decisiva, uma vez que o empate favorece o réu. Aí assistiríamos um verdadeiro terremoto, porque se há um benefício para o ex-presidente, outros também invocarão o mesmo benefício. Então teremos um desmonte da operação Lava Jato, que seria, sem dúvida nenhuma, um atentado ao interesse coletivo de combate à corrupção. Temos que desejar que isso não venha a ocorrer. As sentenças prolatadas pelo Sergio Moro foram confirmadas em várias instâncias. Invocar a suspeição de todos os magistrados que já julgaram é abusar, ofender nossa inteligência. As ações que dizem respeito ao ex-presidente Lula foram prolatadas pelo Sergio Moro, pela juíza substituta, depois foi para Porto Alegre, lá houve aumento de pena, depois no STJ houve a preservação da sentença, e foi ao Supremo que procedeu da mesma forma. Seria um retrocesso imperdoável, isso é muito suspeito, teria certamente por objetivo o desmonte da operação Lava Jato.
Em outra frente, o CNMP arquivou uma reclamação do ex-presidente Lula em relação ao caso do PowerPoint, mas foi uma meia vitória, porque os conselheiros só decidiram arquivar porque o caso estava prescrito, mas a maioria entendeu que seria o caso de abrir um processo disciplinar contra os procuradores da Lava Jato. Esse mesmo conselho ainda tem dois casos que preocupam a força-tarefa. Um deles, inclusive, pode afastar Deltan Dallagnol do comando da operação. Como o senhor avalia essa movimentação dentro do Ministério Público?
Eu lamento. Quando nós aprovamos no Congresso a instituição do Conselho Nacional do Ministério Público, fizemos imaginando tratar-se de um instrumento de combate à corrupção, não de combate aos que investigam a corrupção. Creio que aí há uma inversão de valores flagrante. Nós imaginamos que seria uma frustração enorme ver o Conselho nacional do Ministério Público a serviço da impunidade. Esperamos não ver.
Temos visto de junho para cá se intensificarem os ataques à operação e ao modelo de forças-tarefas de dentro da própria PGR. O próprio procurador-geral da República, Augusto Aras, deu declarações dizendo que a operação é uma “caixa de segredos”, que é preciso que o “lavajatismo não perdure”. Como o senhor avalia essa movimentação?
Eu repito, está na contramão da esperança da população, que viu na operação Lava Jato a possibilidade de uma nova Justiça no país. Exatamente o modelo praticado pelos integrantes da força-tarefa é que levou a população a acreditar em uma nova Justiça, com essa ruptura em relação ao passado, cujo passado era que a Justiça só alcançava os pobres, os vulneráveis. A partir da operação Lava Jato, na esteira dela, nós passamos a mudar o conceito de Justiça no país vendo poderosos na prisão. Eu creio que esta é a questão, não permitir que esse conceito novo de Justiça seja substituído em razão da impunidade que acaba prevalecendo pelo conceito antigo, de que só os pobres são alcançados pela Justiça. Temos que caminhar adiante. E tem dois passos importantes, que é aprovar o projeto que acaba com o foro privilegiado e estabelecer a prisão em segunda instância. Se nós pudermos institucionalizar a operação Lava Jato como uma política permanente de combate à corrupção, aprovarmos o fim do foro privilegiado e aprovarmos a prisão em segunda instância, certamente nós alcançaremos um estágio de Justiça que se comparará aos países mais civilizados do mundo.
Em relação ao foro privilegiado, o senhor e outros senadores pediram para que o presidente da Câmara paute esse projeto. Há alguma expectativa em relação à votação, alguma negociação com os deputados para que isso seja votado em breve?
Olha, não cabe negociação. Negociações para votação do projeto já ocorreram há muito tempo. As promessas de que o projeto iria para a ordem do dia foram reiteradas inúmeras vezes. O que está faltando é a grande mídia nacional colocar como prioridade o fim do foro, porque certamente aí o senhor Rodrigo Maia não resistirá à pressão. É preciso dizer que ele é presidente da Câmara, mas não é imperador do Brasil, que sua vontade não tem que prevalecer e o projeto não tem que ficar na gaveta simplesmente porque ele não quer a sua deliberação. O projeto está aprovado pelo Senado e ele desrespeita a maioria da população – mais de 90% da população não quer privilégios de autoridade nenhuma – então ele desrespeita essa maioria esmagadora da população e desrespeita o Senado Federal, que é uma instituição importante para a democracia, que aprovou esse projeto por unanimidade. Não há nenhuma justificativa para que esse projeto fique na gaveta. Eu tenho a opinião de que ele resiste exatamente porque a grande mídia nacional não coloca como prioridade o fim do foro privilegiado.
Voltando à Lava Jato, o que o Congresso pode fazer, além de aprovar essas pautas como fim do foro e prisão em segunda instância, para impedir retrocessos no combate à corrupção e esses ataques à operação?
Olha, se fizer o que nos cabe já está de bom tamanho. Se o Congresso aprovar essas medidas, ele já está cumprindo seu papel. Acho que o que tem ocorrido é uma conspiração envolvendo os Três Poderes, agentes públicos dos Três Poderes, para fragilizar a operação Lava Jato. Há interessados no Congresso, há interessados no Executivo e na Justiça. É por essa razão que começamos a caminhar para trás, começamos a comemorar retrocessos ao invés de avanços. Ao Congresso cabe aprovar a prisão em segunda instância e o fim do foro privilegiado. Nesse momento já seria uma grande contribuição.
Na opinião do senhor, o que está por trás dessa conspiração contra a Lava Jato?
O interesse daqueles que se beneficiam da impunidade, aos que são visados, aos que são investigados, aos que são denunciados, aos que são advogados e ganham valores expressivos da defesa dos envolvidos. Então, há interessados nos Três Poderes em fazer prevalecer a impunidade.
O senhor falou em uma conspiração nos Três Poderes. Qual o papel do Poder Executivo nisso?
Eu já enumerei antes alguns retrocessos que partem do Executivo. No sistema presidencialista, como o nosso, de muito poder para o presidente da República, cabe a ele iniciativas fundamentais. O projeto anticrime, anticorrupção e antiviolência foi deteriorado sem nenhum esforço do Executivo, a não ser do [ex] ministro [Sergio] Moro. Ele foi desidratado, acabou não sendo aquilo que se imaginava. Ainda temos alguns vetos importantes que precisam ser mantidos e que ainda não foram votados. Eu citei Coaf, Receita Federal e outras instituições autônomas que perderam um pouco da sua autonomia a partir do mandato Executivo. Essa tem sido uma contribuição para o retrocesso.
A Lava Jato já tem mais de 6 anos de duração e ao longo desses anos já vimos muitos ataques à operação que acabaram sendo neutralizados justamente por causa da pressão popular, que a gente não vê acontecer com tanta força desta vez. O que pode ser feito para que essa pauta anticorrupção volte a ter força para que o custo político de um ataque à operação Lava Jato volte a aumentar?
O isolamento social contribuiu muito, o foco passou a ser a pandemia. O próprio Congresso reúne-se remotamente. Esse sistema remoto do funcionamento do Congresso acaba comprometendo a mobilização, desmobiliza. E também os movimentos sociais que não podem fazer aglomeração, esses movimentos sociais acabam se reunindo menos. Nas redes sociais o foco passou a ser o confronto que não contribui entre o Executivo e os que condenam as ações do Executivo. Isso tudo desmobilizou a sociedade em relação ao combate à corrupção e, principalmente, à Lava Jato. Essa mobilização é necessária. Acho que o estímulo a uma mobilização maior a partir desse momento é fundamental.
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