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Técnicos da Procuradoria-Geral da República (PGR) estão em Curitiba desde terça-feira (21) para coletar as informações armazenadas pela Lava Jato ao longo dos mais de seis anos da investigação. A coleta de dezenas de milhões de dados foi autorizada por uma decisão monocrática (individual) do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, no início do mês.
Na Lava Jato, há o temor de que as informações colhidas possam ser usadas politicamente. Já a PGR formalmente solicitou o acesso a milhões de informações, que abrangem um elevado número de pessoas e instituições, para descobrir se a força-tarefa investigou apenas dois políticos com foro privilegiado: os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – algo que a Lava Jato nega ter feito.
Quais dados poderão ser acessados
A equipe técnica da PGR deve levar semanas para conseguir copiar todas as informações da Lava Jato em Curitiba. São mil terabytes em informações a serem recolhidos só no Paraná – a decisão de Toffoli também libera o acesso da PGR a dados da Lava Jato do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Entre o material a ser coletado pela PGR estão informações obtidas durante o cumprimento de ordens de busca e apreensão e também produzidos pela própria força-tarefa. Só de documentos financeiros, são 50 milhões de unidades, que somam uma movimentação estimada de R$ 4 trilhões.
Além disso, há itens armazenados na força-tarefa de Curitiba tais como:
- celulares, laptops, computadores e documentos apreendidos durante as fases da operação;
- depoimentos colhidos pela Polícia Federal e pelo próprio Ministério Público Federal;
- emails acessados pela força-tarefa;
- nuvens de celulares acessados;
- contratos da Petrobras;
- registros de entradas e saídas dos prédios da Petrobras e subsidiárias;
- relatórios da Receita Federal;
- representações da Receita Federal;
- Relatórios de Inteligência Financeira do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras);
- dados de contas no exterior;
- informações do Tribunal de Contas da União (TCU);
- informações do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica);
- entre outros documentos.
Além da coleta de informações na sede da Lava Jato no Paraná, a PGR já podia acessar remotamente parte das informações da operação por meio do sistema eletrônico interno do Ministério Público Federal (MPF). E, desde a semana passada, passou a ter acesso online a mais dados.
Todas as informações de quebras de sigilo bancário e telefônico, por exemplo, já estavam estão disponíveis na Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (SPPEA) da PGR, podendo ser acessadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, a partir da decisão de Toffoli, do início do mês.
A essas informações se somou na semana passada o acesso a todos os procedimentos judiciais e extrajudiciais abertos pela Lava Jato, inclusive os sigilosos. Isso foi possível porque Augusto Aras editou uma portaria que possibilita o acesso da cúpula da PGR a documentos confidenciais no sistema eletrônico do MPF. Antes, o acesso a dados sigilosos era restrito apenas a pessoas diretamente envolvidas na investigação.
Procuradores da Lava Jato criticam a portaria e dizem que não há amparo legal para que a cúpula do Ministério Público acesse procedimentos sigilosos.
Lava Jato ficou de mãos atadas
A Lava Jato em Curitiba ainda estuda o melhor mecanismo para tentar reverter a decisão de Toffoli e o acesso irrestrito aos dados das investigações. Mas a percepção é que parte do estrago já está feito.
De certa forma, a decisão do presidente do STF deixou a força-tarefa de mãos atadas. Ele ordenou o acesso da PGR aos dados da Lava Jato durante o recesso judiciário, quando o plantonista do STF para tomar decisões é o presidente da Corte. E um eventual recurso, ao menos até 31 de julho, quando se encerra o recesso, também será decidido por Toffoli. Até lá, a PGR já terá tido acesso a muita informação da Lava Jato.
Quando o presidente do STF permitiu o acesso irrestrito aos dados da operação, a força-tarefa emitiu uma nota lamentando a decisão e alertando que ela permitia "o acesso indiscriminado a dados privados de cidadãos, em desconsideração às decisões judiciais do juiz natural do caso que determinaram, de forma pontual, fundamentada e com a exigência de indicação de fatos específicos em investigação, o afastamento [quebra] de sigilo de dados bancários, fiscais e telemáticos".
Força-tarefa teme uso político de dados coletados pela PGR
Na visão dos procuradores da Lava Jato em Curitiba, a ofensiva da PGR contra a força-tarefa, em busca de dados potencialmente sensíveis, é um dano colateral de uma tentativa de enfraquecimento de Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo do presidente Jair Bolsonaro.
Moro saiu do governo em abril acusando o presidente de ter tentado interferir na Polícia Federal (PF). E, desde então, é visto como um potencial adversário de Bolsonaro na eleição presidencial de 2022.
O cerco da PGR sobre a Lava Jato veio a público no final do mês passado, com a chegada a Curitiba da subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo. Ela esteve na cidade para acessar bancos de dados da operação.
Lindôra é coordenadora da Lava Jato no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e braço direito de Augusto Aras. Procuradores da Lava Jato avaliam que ela é a subprocuradora “mais bolsonarista” da PGR e destacam a relação próxima que ela mantém com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.
O pedido da PGR a Toffoli para acessar todas as informações colhidas pelas forças-tarefas de combate à corrupção ocorreu logo depois de Lindôra ter estado em Curitiba. Os procuradores da Lava Jato, liderados pelo coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol, estranharam a conduta. E a diligência de Lindôra gerou uma reclamação da Lava Jato do Paraná à Corregedoria do MPF.
A Lava Jato também ressalta que recentemente Lindôra pediu aos Ministérios Públicos que enviassem dados de investigações de governadores à PGR. Segundo os procuradores, o pedido não é ilegal, mas chamou a atenção o fato de a subprocuradora ter requisitado informações apenas envolvendo governadores e não outros políticos com prerrogativa de foro.
Lindôra solicitou ao STJ para investigar oito governadores por compras emergenciais realizadas no enfrentamento da pandemia ao novo coronavírus. Entre eles estão João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), adversários políticos de Bolsonaro.
Decisão de Toffoli partiu de "pressuposto falso", diz Lava Jato
A Lava Jato afirma que a decisão de Toffoli que permitiu à PGR acessar os dados partiu de um "pressuposto falso": o de que a força-tarefa tentou investigar os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), respectivamente. Ambos possuem prerrogativa de foro privilegiado e, pela legislação, só poderiam ser investigados com autorização do Supremo.
A decisão de Toffoli que determina o compartilhamento dos dados da Lava Jato com a PGR foi tomada no âmbito de uma ação da Procuradoria-Geral da República que questiona se a Lava Jato tentou investigar Alcolumbre e Maia. A força-tarefa diz que jamais fez isso.