A renovação da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba até outubro de 2021, assinada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, não é uma garantia de avanços no combate à corrupção no país. A Lava Jato passou pelo período de ataques mais intensos em 2020, com parte deles partindo de dentro da própria Procuradoria-Geral da República (PGR). Apesar da renovação da força-tarefa, o caminho em 2021 vai ser difícil e cheio de obstáculos no Congresso, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no próprio Ministério Público.
Aras não esconde sua insatisfação com o uso de forças-tarefas no Ministério Público Federal (MPF) e busca alternativas ao modelo. Em setembro, quando venceu o prazo para atuação do grupo em Curitiba, havia o temor de que a força-tarefa pudesse ser dissolvida. Sob pressão, o procurador Deltan Dallagnol, então coordenador da investigação no Paraná, deixou o caso para se dedicar a um problema familiar.
Ao prorrogar a força-tarefa até janeiro de 2021, a PGR fez uma série de críticas ao modelo de investigação e cobrou do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) a "institucionalização" do combate à corrupção no país – ou seja, a criação de um novo modelo de investigação desses casos. O documento, assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, destacava que as forças-tarefas não podem ser prorrogadas indefinidamente e que os procuradores cedidos por outras unidades fazem falta às suas estruturas de origem.
O uso de forças-tarefas para investigações complexas tem sido alvo de críticas da PGR. Em manifestação assinada no final de junho, Medeiros afirmou que o modelo está esgotado, é desagregador e incompatível com a instituição.
Em julho, Aras havia criticado os procuradores de Curitiba. Ele afirmou que a Lava Jato é uma “caixa de segredos” e que é preciso uma “correção de rumos” no MPF para que o “lavajatismo não perdure”. O procurador-geral travava uma batalha pelo acesso ao banco de dados das investigações no Paraná.
Agora, a força-tarefa está prorrogada até outubro de 2021, quando acaba o mandato de Aras na PGR. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), criado há quatro meses, passa a auxiliar o trabalho, elevando de 13 para 19 o total de membros do Ministério Público Federal (MPF) com designação para atuar nas investigações em curso.
Novos modelos para substituir as forças-tarefas
Um dos principais objetivos de Aras é substituir o modelo de forças-tarefas. Essa movimentação é vista por procuradores como uma tentativa de asfixiar a operação para que o prestígio da Lava Jato não seja usado em 2022, influenciando as eleições presidenciais.
Um dos modelos discutidos na PGR é a criação de um órgão especializado para centralizar as investigações contra desvios de dinheiro público de todo o país: a Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac). A proposta está em discussão no Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), onde Aras não tem maioria para impor sua vontade.
Procuradores ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a ideia de criar a Unac tem pontos positivos e até mesmo pode contribuir para o combate à corrupção no Brasil. Mas eles alertam para uma série de problemas no projeto original da Unac que podem na verdade prejudicar as ações anticorrupção.
Há um temor de que o órgão possa ser controlado por um coordenador com superpoderes, indicado pelo procurador-geral da República. Como a unidade concentraria todos os bancos de dados das investigações de corrupção do país, os procuradores alertam para o risco de que a Unac venha a se tornar uma máquina política e até mesmo autoritária.
Outra aposta de Aras é a criação de novos ofícios especializados exclusivos para o combate à corrupção nas capitais dos estados. Cada ofício no Ministério Público Federal (MPF) é ocupado por um procurador titular, que atua perante uma vara de Justiça. A ideia de Aras é criar 27 ofícios com atuação exclusiva no combate à corrupção — um em cada capital. Se o CSMPF aceitar a proposta, Aras defende que esses novos ofícios especializados sejam alocados temporariamente, por um ano, nas procuradorias do Paraná e do Rio de Janeiro.
Se essa proposta for aceita pelo Conselho Superior do MPF, pode haver uma mudança significativa nas equipes das forças-tarefas de Curitiba e do Rio de Janeiro. Os únicos integrantes que não deixariam as investigações seriam os coordenadores Eduardo El Hage e Alessandro Vieira, do Rio de Janeiro e do Paraná, respectivamente.
Mandato de Aras foi marcado por embate na Lava Jato
O que mais chamou a atenção no atual mandato de Aras foram os ataques da PGR à Lava Jato, principalmente à força-tarefa de Curitiba. Em janeiro de 2020, o subprocurador José Adônis Callou de Araújo Sá, coordenador do grupo da Lava Jato na PGR, pediu demissão do cargo por causa de divergências com a gestão do procurador-geral Augusto Aras. Adônis estaria descontente com a falta de autonomia e com interferências de Aras, que estaria mantendo lento o ritmo das investigações.
Em junho, os procuradores Hebert Reis Mesquita, Luana Vargas de Macedo e Victor Riccely, que atuavam na Lava Jato na PGR também pediram demissão. Com isso, o grupo da Lava Jato que investiga políticos com foro no Supremo Tribunal Federal (STF) ficou sem nenhum integrante além da coordenadora Lindôra Araújo, principal aliada de Aras na PGR.
Os desgastes entre a PGR e procuradores do MPF também levaram à uma debandada de integrantes de forças-tarefas da Lava Jato e da Greenfield, no início de setembro.
Além disso, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que é presidido por Aras, tem imposto uma série de derrotas à Lava Jato, com a punição aos procuradores da força-tarefa de Curitiba.
O mandato de Aras termina em 31 de outubro de 2021. O próximo procurador-geral será indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, que pode reconduzir Aras ao cargo.
Tradicionalmente, a escolha do PGR é feita com base em uma lista tríplice elaborada pela categoria, mas Bolsonaro ignorou a lista quando escolheu Aras, em 2019.
Combate à corrupção no Congresso
Não é só a PGR que será motivo de preocupação para a Lava Jato em 2021. O Congresso Nacional tem projetos de lei em tramitação que podem dificultar o combate à corrupção no país e, consequentemente, as investigações das forças-tarefas.
Um dos pontos de atenção é a comissão de juristas criada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para reformar a lei de lavagem de dinheiro. O grupo tem 43 juristas e mais da metade são advogados que atuam ou atuaram em casos de políticos envolvendo esse tipo de crime.
Antes mesmo de iniciar as audiências públicas para ouvir entidades com expertise em investigações de lavagem de dinheiro, a comissão se reuniu a portas fechadas para discutir algumas propostas de alteração na legislação atual.
Entre as propostas levantadas está retirar do rol de crimes de lavagem a mera ocultação de bens e valores. Se levada adiante, a alteração fará com que o Brasil descumpra convenções internacionais e pode perder investimentos estrangeiros.
Também está em tramitação um projeto de lei que abranda a Lei de Improbidade Administrativa. O texto, apresentado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), afrouxa a Lei de Improbidade e exclui a possibilidade de punição a uma série de condutas hoje vedadas. Práticas como nepotismo e "furada de fila" em serviços públicos, por exemplo, não resultariam mais em sanção por improbidade.
O projeto prevê, ainda, limitar as situações em que um juiz pode determinar o bloqueio de bens dos acusados e encurta prazos de prescrições. Na prática, a proposta restringe as sanções apenas a casos em que houver comprovadamente enriquecimento ilícito ou dano aos cofres públicos.
Enquanto as propostas que enfraquecem o combate à corrupção avançam no Congresso, pautas importantes para coibir o crime estão emperradas. É o caso da proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê a prisão em segunda instância, que está na “geladeira” desde o início de 2020.
Outro projeto que está parado na Câmara é a PEC que prevê o fim do foro privilegiado. A proposta foi apresentada em 2013 e aprovada pelo Senado em 2017. O texto teve a apreciação concluída nas comissões da Câmara em 2018, mas ainda não foi pautado em plenário para votação. Em agosto, um grupo de deputados chegou a pedir para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEN-RJ), agendasse o tema. Mas até agora não há sinais de que isso vá ocorrer.
Desafios da Lava Jato no STF
No STF, também há pautas importantes para a Lava Jato, como o julgamento da suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro. A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer que os ministros reconheçam que Moro foi parcial e agiu politicamente nos processos contra o petista. Se essa tese sair vencedora, os casos envolvendo o ex-presidente em Curitiba podem ser anulados ou voltar à estaca zero.
Mas, após sofrer derrotas em série na gestão do ministro Dias Toffoli no comando do STF, a Lava Jato ganhou um respiro com a posse do novo presidente do tribunal, Luiz Fux.
No final de novembro, Fux afirmou que o Supremo não permitirá a "desconstrução da força-tarefa Lava Jato". E uma das primeiras medidas que Fux conseguiu implementar foi uma mudança regimental para levar de volta ao plenário o julgamento de políticos, que vinha acontecendo na Segunda Turma e trazendo derrotas sucessivas à operação.
Mesmo assim, a Lava Jato em Curitiba evitou comemorar a mudança. Apesar de parecer positiva em um primeiro momento, a decisão, na avaliação de integrantes da força-tarefa, engessa a ação penal e permite pedidos de vistas intermináveis, sem prazo para retorno do julgamento.
Apesar de ter o presidente do STF como aliado, a crise causada pelo julgamento sobre a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Congresso pode impactar a Lava Jato. A avaliação da ala garantista do Supremo – formada por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques – é de que ao votar contra a reeleição, definindo o placar do julgamento, Fux deixou os ministros expostos. E o clima interno é de "guerra" entre a ala garantista e ala lavajatista do Supremo.
Um dos temas que pode ser alvo de análise no Supremo é a criação do juiz de garantias, medida que foi barrada pelo próprio Fux. O presidente da Corte não é um entusiasta da ideia e acredita que, em plenário, a proposta possa ser derrubada. Integrantes da Lava Jato são contra esse juiz, uma criação do Congresso que na prática faria com que o magistrado que conduz uma investigação não possa dar a sentença aos acusados.
Outros temas sensíveis como uma nova discussão sobre o foro privilegiado no caso da rachadinha envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e a possibilidade de rediscutir a prisão em segunda instância também estão no radar de Fux.
Volume de trabalho da Lava Jato
Paralelamente à pressão contra a operação vinda do STF, PGR e Congresso, a Lava Jato ainda tem muito trabalho pela frente. Segundo a força-tarefa de Curitiba, há pelo menos mais 15 linhas de investigação que, segundo os investigadores, tem “bom potencial de amadurecerem no curto e médio prazo para novas fases” de investigação.
Além disso, estão abertas pelo menos cinco mesas de negociação de acordos de delação premiada e de leniência, e mais de 40 linhas de investigação estão em curso. Essas investigações, segundo os procuradores, têm potencial de motivarem novas fases e denúncias, mirando os seguintes casos:
- Corrupção envolvendo agentes ligados a diferentes áreas da Petrobras, como a financeira e as ligadas à comercialização de combustíveis
- Corrupção envolvendo agentes ligados à Transpetro
- Lavagem de dinheiro envolvendo galerias de arte, instituições financeiras, empreiteiras
- Corrupção envolvendo agentes ligados à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná
- Improbidade administrativa envolvendo pessoas politicamente expostas
- Responsabilização civil de diversas pessoas jurídicas beneficiárias de atos de corrupção e lavagem de dinheiro, incluindo algumas multinacionais.
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