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A saída do procurador Deltan Dallagnol da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, como ele próprio destacou num vídeo em que explica sua decisão, não representa o fim da operação. Outros 13 procuradores seguem no trabalho e um novo coordenador das investigações já foi escolhido. Mas tudo isso pode durar pouco mais de uma semana. O procurador-geral da República, Augusto Aras, tem de decidir até o próximo dia 10 de setembro se autoriza a prorrogação da força-tarefa de Curitiba ou se dissolve a operação.
A autorização para o funcionamento da força-tarefa precisa ser renovada anualmente, e o trabalho do grupo já foi prorrogado cinco vezes desde 2014 – quando a Lava Jato começou. Nem mesmo a decisão liminar da subprocuradora Maria Caetana Cintra dos Santos, do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), que prorroga a força-tarefa de Curitiba por mais um ano, anunciada nesta terça-feira (1º), é garantia de que isso, de fato, irá ocorrer.
A questão é que a decisão deste ano assumiu contornos críticos. A operação nunca esteve tão perto de acabar em meio a recentes ataques à Lava Jato, alguns deles feitos pelo próprio Aras. O procurador-geral já afirmou que é preciso corrigir os rumos da operação no MPF, para que o "lavajatismo não perdure".
Nos bastidores especula-se que a saída de Deltan possa conter o ímpeto por acabar com a operação. Uma nova direção para a força-tarefa de Curitiba enfraquece um possível argumento de Aras de que a operação saiu do controle, pois agora podem ocorrer as mudanças defendidas por ele. Seria preciso, portanto, dar um tempo para o procurador Alessandro José Fernandes de Oliveira, que assume no lugar de Deltan.
Um indicativo de que a tensão entre a PGR e a Lava Jato esfriou veio também nesta terça: o próprio Augusto Aras elogiou o trabalho de Deltan Dallagnol e afirmou que ele prestou "relevantes serviços". Caso Aras decida prorrogar mais uma vez o funcionamento da força-tarefa, caberá ao CSMPF decidir sobre a designação dos procuradores regionais para atuar no grupo.
O CSMPF é o órgão máximo de deliberação do Ministério Público Federal e tem entre suas atribuições determinar a realização de correições e sindicâncias, além de elaborar e aprovar os critérios para distribuição de inquéritos entre procuradores. O conselho é formado por 10 membros, incluindo o próprio procurador-geral, que preside o colegiado.
Liminar de subprocuradora prorroga força-tarefa da Lava Jato sem aval de Aras
A decisão liminar da subprocuradora Maria Caetana Cintra dos Santos, do CSMPF, que prorroga por mais um ano a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, contrariou a cúpula da Procuradoria-Geral da República.
O pedido de renovação da equipe foi apresentado pelo grupo da Lava Jato no Paraná na semana passada. Maria Caetana concedeu a liminar, mas submeteu o tema a debate no Conselho Superior para referendo.
Aliados de Augusto Aras criticaram a decisão da conselheira, afirmando que o Conselho Superior do MPF não tem poder para decidir sobre a designação de procuradores de primeira instância, mas apenas para decidir sobre o empréstimo de procuradores de segunda instância.
Além disso, interlocutores de Aras comentam que não está claro se a conselheira tem competência para decidir sobre o tema sozinha. Para um integrante da cúpula da PGR, a conselheira está criando um "fato político".
Renovação da Lava Jato
As forças-tarefas funcionam como uma espécie de mutirão, em que uma equipe de procuradores é formada para atuar na investigação de um caso. Em geral, são procuradores especialistas no tipo de investigação em andamento, como lavagem de dinheiro, crimes previdenciários, etc. Trata-se de um método de organização e distribuição do trabalho.
Desde que foi deflagrada, a Lava Jato conta com uma força-tarefa atuando no MPF do Paraná. Até agora, as investigações já garantiram a devolução de R$ 4 bilhões desviados dos cofres públicos. Os procuradores preveem a recuperação total de R$ 14,3 bilhões desviados pelo esquema de corrupção na Petrobras.
A autorização para que os procuradores trabalhem exclusivamente nos casos da Operação Lava Jato já foi renovada cinco vezes. A última renovação ocorreu no ano passado, pela então procuradora-geral Raquel Dodge.
A decisão ocorreu em meio à polêmica da divulgação de mensagens atribuídas a membros da força-tarefa pelo site The Intercept Brasil. A prorrogação foi interpretada como uma demonstração de respaldo do MPF à força-tarefa em meio ao vazamento das conversas.
Em julho deste ano, o novo procurador-geral Augusto Aras participou de uma reunião com senadores integrantes do grupo Muda Senado e não se comprometeu com a renovação da força-tarefa em Curitiba.
Recentemente, a PGR afirmou que o modelo de forças-tarefas está esgotado, é desagregador e incompatível com a instituição. A manifestação foi assinada pelo vice-procurador-geral, Humberto Jacques, no final de junho, ao rejeitar a prorrogação do empréstimo de dois procuradores com dedicação exclusiva para trabalhar na força-tarefa da Operação Greenfield.
A Greenfield investiga desvios de recursos de fundos de pensão de estatais federais e já ressarciu mais R$ 11 milhões aos cofres públicos. A força-tarefa já teve cinco procuradores dedicados exclusivamente às investigações, mas agora conta apenas com o titular do caso, Anselmo Lopes, e com o apoio de outros procuradores, que acumulam funções.
Em São Paulo, três procuradores da força-tarefa da Lava Jato também perderam a dedicação exclusiva à operação. O mesmo ocorreu com um procurador da força-tarefa do Paraná. Atualmente, a operação da Lava Jato conta com 14 procuradores, mas apenas metade deles com dedicação exclusiva à operação.
Pedidos de renovação da força-tarefa
No final de agosto, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba enviou um ofício à PGR pedindo a prorrogação do trabalho por mais um ano. Os procuradores argumentam que, desde 2014, o volume de trabalho envolvendo a operação cresceu 1.647%. Segundo o ofício, tramitam atualmente cerca de 400 investigações com base em materiais colhidos pela operação.
A Lava Jato também argumenta que atualmente, há quatro fases pleiteadas pelos membros da força-tarefa já deferidas pela Justiça Federal, com cumprimento dependente apenas de ajuste operacional por parte da Polícia Federal. Além disso, há pelo menos cinco mesas de negociação de acordos de colaboração e de leniência abertas, e mais de 40 linhas de investigação em curso.
Embora haja pressão pelo fim da operação, a Lava Jato conquistou apoios políticos em favor de sua continuidade. No dia 15 de agosto, o partido Podemos encaminhou um ofício à PGR pedindo a prorrogação do período de atuação da força-tarefa da Lava Jato. Documento, assinado pelos líderes do partido na Câmara e no Senado, Léo Moraes e Alvaro Dias, diz que é "fundamental" que a operação "continue avançando". "A limpeza ainda não acabou", afirmam.
No final de julho, a 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal enviou ofício a Aras pedindo a renovação das forças-tarefas por um prazo mínimo de seis meses. Na prática, além da manutenção das estruturas por tempo "razoável" para o planejamento de conclusão das investigações em andamento, a Câmara quer garantir aos procuradores a prerrogativa de participarem de eventuais projetos de transição que envolvam formação, renovação ou extinção desses grupos de investigação.
O tema é discutido em meio à possibilidade de reunião de todas as forças-tarefas sob comando único sediado em Brasília. O projeto sob análise no MPF criaria a Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), subordinada ao procurador-geral da República, para atuar no combate à corrupção, contra atos de improbidade administrativa e contra crime organizado. Investigadores resistem à proposta e veem risco de perda de autonomia com a centralização das investigações.
Cerco à Lava Jato
Os pedidos para que Aras garanta a prorrogação da força-tarefa estão inseridos em um contexto de cerco à operação, encabeçado pelo próprio procurador-geral da República. Há, dentro do Ministério Público, um temor de que esteja em curso uma marcha com o objetivo de enfraquecer a força-tarefa.
Os ataques ficaram mais visíveis no final de junho, com a visita da subprocuradora Lindôra Araújo aos procuradores da Lava Jato no Paraná. Durante o encontro, Lindôra teria solicitado acesso irrestrito ao banco de dados da operação, o que causou estranheza dos investigadores de Curitiba. O caso foi parar na Corregedoria do Ministério Público Federal, que abriu um procedimento para investigar o episódio.
Em meio à ofensiva pelos dados, a PGR passou a investigar se a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba teria investigado de forma ilegal autoridades com prerrogativa de foro – o que a força-tarefa nega que tenha ocorrido.
No âmbito dessa investigação, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para acessar todo o banco de dados das forças-tarefas de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. O presidente do STF, Dias Toffoli, como plantonista do Supremo durante o recesso judiciário do meio de ano, determinou que as forças-tarefas entreguem o material à PGR. A decisão, no entanto, foi revogada pelo relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, após o fim do recesso.
Em uma transmissão ao vivo pelas redes sociais, Aras afirmou que a Lava jato em Curitiba é uma “caixa de segredos” e que é preciso uma “correção de rumos” para que o “lavajatismo não perdure”. A fala causou reação de políticos, entidades de defesa ao combate à corrupção e ex-integrantes da Lava Jato.
Procuradores ouvidos pela Gazeta do Povo enxergam motivações políticas na tentativa de asfixiamento da operação. A ideia, segundo esses procuradores, seria impedir que a Lava Jato fosse usada como ativo eleitoral em 2022.
Com informações de Estadão Conteúdo