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Combate à corrupção

Em debate sobre Lava Jato, Gilmar Mendes e Aras comparam delações a tortura

O ministro Gilmar Mendes, no plenário do STF
O ministro Gilmar Mendes, no plenário do STF (Foto: Arquivo STF)

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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o procurador-geral da República, Augusto Aras, voltaram a fazer fortes críticas à Lava Jato durante um debate realizado ao vivo nesta segunda-feira (7) sobre o futuro do combate à corrupção após a operação. Os dois tiveram papel importante na anulação de condenações ou arquivamento de investigações. Na “live”, promovida pelo site Conjur, eles disseram que, durante a Lava Jato, as delações premiadas, um dos mais importantes instrumentos para desvendar o esquema do petrolão, foram usadas como “tortura” durante as investigações.

“Nós vimos o que as chamadas prisões alongadas de Curitiba produziram: delações absolutamente impróprias e inadequadas, imprestáveis, inverossímeis. E por quê? Porque obtidas sob uma forma de verdadeira tortura. Portanto isso precisa ser discutido nesse ambiente pós-Lava Jato. Acho que o Congresso já vem avançando nesse sentido”, disse o ministro, sem detalhar que mudanças os parlamentares têm discutido.

Aras concordou com Gilmar Mendes, dizendo que viu de “forma atônita” as “prisões alongadas, como forma de pressionar e mesmo como forma de tortura psicológica”. Acrescentou que, além das prisões, as conduções coercitivas “a pretexto de combate à corrupção, atentaram e atentarão sempre contra o devido processo legal”.

Parte importante do debate – que também contou com os advogados criminalistas Pierpaolo Bottini e Walfrido Warde, críticos da Lava Jato, e com a desembargadora federal Simone Schreiber, que supervisiona alguns processos da operação no Rio de Janeiro – foi dedicada à defesa de mudanças na legislação que permitam maior controle do Judiciário sobre os acordos de colaboração premiada.

Professor de direito penal na USP, Pierpaolo Bottini defendeu executivos importantes investigados por corrupção, como Dalton Avancini, ex-presidente da construtora Camargo Corrêa, e Joesley Batista, um dos donos do frigorífico JBS. Ambos fizeram acordos de delação premiada confessando pagamento de propina a políticos.

No debate com Gilmar Mendes e Augusto Aras, Bottini criticou os métodos que considerou ser pouco ortodoxos da Lava Jato, como no “uso da colaboração premiada e da palavra exclusiva do colaborador para medidas cautelares, como buscas e apreensões e prisões”, além de conduções coercitivas, falta de fundamentação para prisões preventivas, competência jurisdicional “exagerada” de Curitiba, vazamento de dados sigilosos, e “parcialidade dos órgãos julgadores”.

Queixou-se ainda de que quem fazia esse tipo de crítica à operação “era tachado de pró-corrupção ou de pró-impunidade, e num ambiente que continua”.

O advogado Walfrido Warde, autor de um dos mais livros mais críticos da Lava Jato, O Espetáculo da Corrupção, publicado em 2018, endossou a ideia de que as delações eram formas de “tortura psicológica”. Ele defendeu uma legislação específica sobre o instituto.

“A Operação Lava Jato se mostrou eficiente na detecção da corrupção com o acoplamento de prisão cautelar longa e delação premiada, num contexto de tortura psicológica. Fica mais fácil detectar ilícitos dessa forma, aliás ilícitos putativos, ilícitos inexistentes. Será que não é o caso de uma regulação da delação premiada? Não devemos refletir uma legislação específica para isso, criando condições, critérios?”, afirmou.

Simone Schreiber, por sua vez, disse que o STF criou uma jurisprudência “muito permissiva” em relação à delação premiada.

“Tem precedente que estabeleceu que é negócio entre partes, que pessoa delatada não pode discutir os termos da colaboração. E isso fez com que tivéssemos uma grande criatividade nos acordos de colaboração premiada. Muitas vezes são inadequados, não trazem prova suficiente de corroboração, não estão sendo eficientes para lastrear condenações. Houve excessivo uso e muito criativo, sem limitação estabelecida pelo Poder Judiciário e pela própria legislação, do uso da colaboração premiada”, disse a magistrada.

Ela defendeu o uso da colaboração como instrumento de investigação, mas também criticou. Disse que “prêmios [dados aos colaboradores] muitas vezes eram excessivos”, “o que gerava certo desvirtuamento”.

“Quem é entusiasta da Operação Lava Jato diz que a Justiça Penal não é mais seletiva, porque atingiu pessoas de maior poder político e econômico. Contudo, esse modelo do acordo de colaboração premiada é extremamente seletivo porque dá discricionariedade, uma autonomia para o Ministério Público, de decidir quem colabora, quem não colabora, quais são as penas que são ou não aplicadas, que não têm uma controlabilidade”, afirmou Schreiber.

Competência "universal"

No debate, os participantes foram unânimes em criticar a competência dada ao ex-juiz Sergio Moro para supervisionar, na 13.ª Vara Federal de Curitiba, a maior parte das investigações do esquema de corrupção na Petrobras. Gradativamente, o próprio STF passou a retirar dele vários processos, transferindo-os para varas federais de outros estados ou para a Justiça Eleitoral, quando defesas associavam pagamentos de propinas a caixa dois de campanhas.

“Criou-se um tipo de vara universal, e métodos heterodoxos”, afirmou Gilmar Mendes. Ele disse, em seguida, que procuradores da força-tarefa pediam informações sigilosas, de maneira informal, a Roberto Leonel, auditor da Receita Federal que depois foi escolhido por Moro, como ministro da Justiça, para chefiar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão que comunica ao Ministério Público transações suspeitas em contas bancárias. “Informações clandestinas traduzem métodos totalitários”, disse o ministro.

Schreiber defendeu mudanças que definam melhor a competência dos juízes para assumir determinado caso. Disse que o critério da conexão probatória – muito usado para justificar a concentração de casos da Petrobras no Paraná, por exemplo – tornou-se “fluido demais”, “porque não estabelece parâmetros seguros para fixação de competência”.

Criticou o fato de o Ministério Público também agir estrategicamente para direcionar a competência para certos juízes e que seria importante dar às defesas maior poder de questionar, no início do processo, se cabe a determinado magistrado conduzir aquele caso – mudança prevista no projeto de reforma do Código de Processo Penal em tramitação na Câmara.

Ela disse que, no Rio de Janeiro, muito advogados recorrem à segunda instância porque eles ficam anos sem resposta do juiz Marcelo Bretas a pedidos de soltura e desbloqueio de bens. Para a desembargadora, existem megaprocessos para os quais uma única vara não tem estrutura suficiente para conduzir.

“Só que a gente tem as questões dos prazos razoáveis, principalmente quando as pessoas estão sujeitas a medidas cautelares pessoais e patrimoniais”, disse.

Outras críticas

Em outros momentos do debate, Gilmar Mendes e Augusto Aras criticaram duramente outros aspectos da operação. O ministro condenou, por exemplo, a iniciativa de força-tarefa de Curitiba de criar um fundo para investir em projetos anticorrupção, com R$ 2,5 bilhões oriundos de uma multa aplicada pelos Estados Unidos à Petrobras.

“Aparece a tal fundação Dallagnol lá em Curitiba, com R$ 2 bilhões e tanto, que certamente seria derramada agora na campanha eleitoral, não fosse a ação da dra. Raquel [Dodge], que veja, naquele momento estava tão débil institucionalmente, que teve que pedir ao Supremo para cassar a tal fundação”, afirmou.

Aras disse que propostas de um “Estado policialesco” levaram à debacle a política e a economia do país. Associou à Lava Jato a falta de fertilizantes nacionais no país, agravada agora pela Guerra da Ucrânia, que ameaça as importações do produto oriundas da Rússia.

“Hoje, em meio ao conflito internacional no leste, nós temos o agronegócio brasileiro ameaçado, porque nós não tivemos nos últimos anos, em razão de toda a crise econômica, associada à Covid evidentemente, o desenvolvimento da exploração dos elementos essenciais aos fertilizantes, fósforo, dentre outros insumos, que eram produzidos anteriormente pela Petrobras. Tivemos fechamento de várias unidades da Petrobras, em Laranjeiras, em Sergipe, em Camaçari, e outros empreendimentos, em Três Lagoas, e em outras partes do Brasil. Ou seja, estamos agora pagando uma conta que poderia não ser paga se nós tivéssemos uma economia preservada desde sempre sem o escândalo da corrupção, que contou com o apoio de certos segmentos da mídia relevante e militante”, afirmou o procurador-geral.

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