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A terça-feira (25) em Brasília deu sinais importantes para o futuro da Lava Jato. De um lado, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou uma sentença de Sergio Moro no caso Banestado, com base no argumento da imparcialidade do ex-juiz. Não muito longe dali, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) mostrou que pode ter maioria para afastar o procurador Deltan Dallagnol da força-tarefa da operação no Ministério Público Federal (MPF) do Paraná.
Os dois episódios mostram que a Lava Jato tem duras batalhas pela frente. A mesma Segunda Turma do STF vai julgar um recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que pede a suspeição de Moro para julgar o petista. Os advogados querem que os ministros declarem que o ex-juiz agiu politicamente ao condenar Lula no caso do tríplex no Guarujá. As manifestações dos ministros no julgamento de terça mostram que o recurso pode acabar com a vitória do ex-presidente.
Já no caso do CNMP, a sessão de terça-feira mostrou que há clima para aplicar sanções à Lava Jato no conselho. O colegiado tem pela frente o julgamento de dois recursos que preocupam a força-tarefa — um deles pode, inclusive, terminar com o afastamento de Deltan das investigações. Apesar de o julgamento desta terça-feira ter terminado favorável à operação, o resultado representa apenas uma meia vitória para a Lava Jato.
Cenário no STF não favorece Lava Jato
Na Praça dos Três Poderes, o cenário no STF não favorece a Lava Jato. Os mesmos ministros que decidiram que Moro foi parcial ao julgar um doleiro do caso Banestado vão julgar o pedido de Lula para que o ex-juiz seja declarado suspeito para julgar o petista.
Os ministros julgaram um recurso da defesa do doleiro Paulo Roberto Krug, que havia sido condenado por Moro a 11 anos de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e por efetuar depósitos no exterior em contas de laranjas, entre 1996 e 2002. Sem a presença de Celso de Mello, que está em licença médica, o placar terminou em 2 a 2, o que favorece o réu.
De um lado, a ministra Cármen Lúcia e o relator da Lava Jato Edson Fachin votaram pela manutenção da sentença. Já Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram pela suspeição de Moro, anulando o veredito do ex-juiz.
Lewandowski afirmou em seu voto que houve “uma evidente atuação acusatória do julgador” [Moro]. Para o ministro, o ex-juiz exerceu um “papel incompatível com os ditames do sistema acusatório, a fim de justificar a condenação que já era por ele almejada”.
Em nota, Moro comentou a decisão do STF. “Em toda minha trajetória como Juiz Federal, sempre agi com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética, como pressupõe a atuação de qualquer magistrado”, disse o ex-juiz. Ele também comentou o caso específico julgado pelos ministros. “Foi uma atuação regular, reconhecida e confirmada pelo TRF4 e pelo Superior Tribunal de Justiça e agora recebeu um julgamento dividido no STF que favoreceu o condenado”, ressaltou.
Julgamento do recurso de Lula: o que esperar
Edson Fachin e Cármen Lúcia já votaram no recurso da defesa de Lula. Os dois foram contra a tese de que Moro foi parcial ao julgar o petista. Ainda faltam os votos de Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes — este último pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar o caso, e pode devolver o processo a julgamento a qualquer momento.
Celso de Mello também não votou ainda e seu posicionamento provavelmente vai desempatar o julgamento. Se ele ainda estiver em licença médica quando a Turma analisar o caso, um eventual empate favorecerá Lula. Em um julgamento de outro recurso do caso Banestado, Celso de Mello já considerou Moro parcial. Na ocasião, ele foi voto vencido no STF. Em temas relacionados à Lava Jato, Celso de Mello ora se posiciona favorável, ora contrário a operação.
Para o advogado Willer Tomaz, sócio do escritório Willer Tomaz Advogados Associados, a decisão desta terça-feira não é um bom sinal para a Lava Jato. “Essa decisão do Supremo sinaliza, de fato, como os ministros poderão julgar a suspeição do Sergio Moro também nos processos envolvendo outros condenados e o próprio ex-presidente Lula, considerando as alegações da sua defesa, que são basicamente as mesmas acolhidas pela referida decisão”, explica.
João Paulo Boaventura, advogado criminalista sócio do Boaventura Turbay Advogados, vai ainda mais longe. Para ele, não apenas a sentença de Lula pode ser anulada. Há a possibilidade de uma eventual suspeição de Moro ter um efeito cascata em toda a operação.
“Eventual parcialidade do julgador deve ser analisada sempre de maneira individualizada e com base no caso concreto. No caso do Lula e de tantos outros réus, o ex-juiz igualmente atuou ativamente para suprir a deficiência probatória da acusação e produzir provas contra os acusados, o que é incompatível com o sistema previsto constitucionalmente. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal mantiver o acertado entendimento de que o juiz tem limitações probatórias, todos os casos em que o ex-juiz Sergio Moro agiu ativamente para obter e produzir provas devem ser absoluta e integralmente anulados”, explica.
Já Tomaz afirma que cada caso deverá ser analisado de forma individual. “As provas ilícitas obtidas com violação às normas constitucionais são inadmissíveis e devem ser desentranhadas do processo. Essa é a regra. Porém, as provas autorizadas pelo ex-juiz deverão passar por um exame mais casuístico, a fim de verificar a sua validade. Isso porque a legislação admite as provas lícitas derivadas das ilícitas quando não ficar evidenciado o nexo de causalidade entre elas, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”, explica.
CNMP arquivou ação, mas mandou recados para a Lava Jato
No Conselho Nacional do Ministério Público, a sessão da última terça-feira terminou com o arquivamento do pedido de providências feito por Lula, mas acendeu um alerta de preocupação em relação a futuros julgamentos. O pedido havia sido protocolado em 2016 em razão da entrevista coletiva em que foi apresentada, mediante uso de powerpoint, a primeira acusação contra o petista envolvendo corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá.
A decisão pelo arquivamento foi unânime, mas com base em uma questão técnica. A maioria dos conselheiros afirmou enxergar no episódio motivos para abertura de um processo administrativo disciplinar (PAD), que poderia levar a punições dos procuradores, mas o caso já estava prescrito. Mesmo assim, sete de nove procuradores que participaram da sessão decidiram recomendar aos membros da Lava Jato que se abstenham de usar os bens e dependências MPF para atividades políticas e político-partidárias.
O conselheiro Sebastião Caixeta destacou que, durante a coletiva de imprensa, os procuradores usaram expressões e juízos de valor desnecessários para influenciar a opinião pública sobre o ex-presidente Lula. Para ele, houve desvio da atuação ministerial.
“A Lava Jato não pode confundir-se com uma marca e exigir estratégia de marketing, interessada em permanente propaganda de seus integrantes, afastando-se dos valores da instituição Ministério Público”, disse. O conselheiro alegou que havia motivos para abrir um PAD contra os procuradores.
Dois membros do CNMP não votaram na sessão desta terça-feira: Humberto Jacques de Medeiros se declarou impedido e o presidente do colegiado, o procurador Augusto Aras, não estava presente na reunião.
CNMP tem dois julgamentos que preocupam Lava Jato
Deltan responde ainda a outros dois processos no CNMP que preocupam a Lava Jato. Os casos estavam na pauta da semana passada do Conselho, mas foram retirados da discussão por ordem do ministro Celso de Mello, do STF, que atendeu a um pedido da defesa do coordenador da força-tarefa.
Atualmente, Celso de Mello está afastado do Supremo, em licença médica. Com isso, a relatoria do caso foi redistribuída para o ministro Gilmar Mendes, crítico ferrenho aos métodos da Lava Jato. Caberá a ele julgar o recurso do CNMP para que os casos possam ser reincluídos na pauta.
Um dos casos é um processo administrativo disciplinar (PAD) protocolado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Ele pede punição de Deltan por manifestações feitas em redes sociais em que faz campanha pelo voto aberto para a presidência do Senado e avalia que a eleição do senador é prejudicial para a pauta anticorrupção. Renan argumenta que houve “quebra de decoro” por interferência do MP em outro poder.
O caso que traz maior preocupação é o pedido de remoção compulsória por interesse público, protocolado pela senadora Kátia Abreu (PP-TO). O pedido é baseado em três argumentos: o fato de existirem 17 reclamações disciplinares contra Deltan tramitando no CNMP; o acordo feito entre a Lava Jato e a Petrobras que previa a criação de uma Fundação bilionária com dinheiro da estatal, anulado pelo STF; e o fato de que Deltan prestou, ao longo do trabalho na operação Lava Jato, palestras remuneradas.
O CNMP já julgou três pedidos de remoção compulsória por interesse público até agora — nenhum relacionado à Lava Jato. Dois foram deferidos e um pedido foi negado. Dos casos que terminaram com a remoção de procuradores, um foi por ineficiência e omissão na atuação (pouco trabalho feito na área de defesa do consumidor) e outro por assédio moral, falsidade material, uso indevido de veículo e inassiduidade. Até agora, nunca houve afastamento cautelar,ou seja, antes da conclusão do julgamento, em procedimento por remoção compulsória por interesse público.
Composição do CNMP é desvantagem para Deltan
O CNMP atua na fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público no Brasil e é formado por 14 membros. Presidido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, o Conselho é composto por quatro integrantes do MPF, três membros de Ministérios Públicos Estaduais, dois juízes, dois advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
Atualmente, porém, o CNMP tem apenas 11 cadeiras ocupadas. O Senado tem pendente a aprovação de três nomes por causa das dificuldades para a votação durante a pandemia de coronavírus. Nos bastidores, há a avaliação de que o CNMP estar desfalcado pode acabar prejudicando Deltan nesta terça-feira. Das três nomeações pendentes, duas são nomes do Ministério Público.
Embora a Constituição exija maioria absoluta para a remoção por interesse público, ou seja, 8 votos, há um entendimento de que, como há apenas 11 cadeiras preenchidas, Deltan poderia ser afastado da Lava Jato por 6 votos, que já estariam garantidos contra o procurador. É possível que haja, na votação, algum pedido de vista, ou seja, mais tempo para analisar o caso - o que interromperia o julgamento.
Cerco à Lava Jato se intensifica
A movimentação desta semana em Brasília mostra que o cerco à Lava Jato se intensifica. Nos próximos dias, o procurador-geral da república, Augusto Aras, vai precisar decidir se prorroga ou dissolve a força-tarefa no Paraná. Em julho deste ano, Aras participou de uma reunião com senadores integrantes do grupo Muda Senado e não se comprometeu com a renovação da autorização para a força-tarefa funcionar.
Recentemente, a PGR afirmou que o modelo de forças-tarefas está esgotado, é desagregador e incompatível com a instituição. A manifestação foi assinada pelo vice-procurador-geral, Humberto Jacques, no final de junho, ao rejeitar a prorrogação do empréstimo de dois procuradores com dedicação exclusiva para trabalhar na força-tarefa da operação Greenfield.
Há, dentro de setores do Ministério Público, um temor de que esteja em curso uma marcha com o objetivo de enfraquecer a força-tarefa.
Os ataques ficaram mais visíveis no final de junho, com a visita da subprocuradora Lindôra Araújo aos procuradores da Lava Jato no Paraná. Durante o encontro, Lindôra teria solicitado acesso irrestrito ao banco de dados da operação, o que causou estranheza dos procuradores. O caso foi parar na Corregedoria do Ministério Público Federal, que abriu um procedimento para investigar o episódio.
Em meio ao atrito, a PGR passou a investigar se a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba teria investigado de forma ilegal autoridades com prerrogativa de foro. No âmbito dessa investigação, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para acessar todo o banco de dados das forças-tarefas de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro.
O presidente do STF, Dias Toffoli, determinou que as forças-tarefas entreguem o material à PGR. A decisão, no entanto, foi revogada pelo relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin.
Em uma transmissão ao vivo pelas redes sociais, Aras afirmou que a Lava jato em Curitiba é uma “caixa de segredos” e que é preciso uma “correção de rumos” para que o “lavajatismo não perdure”. A fala causou reação de políticos, entidades de defesa ao combate à corrupção e ex-integrantes da Lava Jato.
Em agosto, um grupo de 25 procuradores da República que integram ou já integraram a Lava Jato no Paraná e na Procuradoria Regional da República da 4.ª Região saiu em defesa do coordenador da força-tarefa, o procurador Deltan Dallagnol. Ele é alvo de representações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que podem retirá-lo das investigações.
“Vem tomando corpo forte movimento de reação aos avanços contra a corrupção visando a impedir ou macular investigações”, dizem os procuradores signatários de um abaixo-assinado.
Procuradores ouvidos pela Gazeta do Povo enxergam motivações políticas na tentativa de asfixiamento da operação. A ideia, segundo esses procuradores, seria impedir que a Lava Jato fosse usada como ativo eleitoral em 2022.