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Lava Jato teve medo de ser alvo de busca e apreensão após diligência feita por aliada do procurador-geral Augusto Aras.
Procurador-geral da República, Augusto Aras, quer centralizar informações da Lava Jato e ameaça esvaziar forças-tarefas de investigação.| Foto: Lula Marques/Fotos Públicas

Os procuradores da Lava Jato em Curitiba resolveram acionar a Corregedoria do Ministério Público Federal (MPF) após a visita da subprocuradora Lindôra Araújo por receio de serem alvos de uma operação de busca e apreensão. Lindôra, que é coordenadora da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR) e nome de confiança do procurador-geral Augusto Aras esteve em Curitiba na semana passada. O encontro deflagrou um atrito entre a PGR e a força-tarefa no Paraná.

Durante a visita de Lindôra, o delegado da Polícia Federal que atua na Secretaria de Segurança Institucional do MPF fez uma inspeção em equipamentos de informática usados pela força-tarefa. A equipe responsável pela inspeção teria dito à procuradora-chefe do MPF no Paraná, Paula Cristina Conti Thá, que procurava por três equipamentos de gravação, mas que eles não foram encontrados.

A partir daí, os procuradores passaram a ter o receio de que a PGR poderia tentar um mandado de busca e apreensão em busca de um “guardião”, equipamento usado para interceptação telefônica.

Segundo o jornal O Globo, uma auditoria do Ministério Público da União teria revelado um esquema de gravações telefônicas na sede do MPF no Paraná. Esse teria sido um dos motivos da visita de Lindôra à força-tarefa, na semana passada.

Em nota, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná afirmou que “jamais adquiriu o equipamento/sistema Guardião ou qualquer outro equipamento de interceptação telefônica”.

O que foi, de fato, adquirido, segundo os procuradores, foi um equipamento para gravação de ligações a partir dos ramais institucionais do MPF, depois que servidores e procuradores da força-tarefa passaram a receber ameaças. Mas, segundo a Lava Jato, o equipamento não grava conversas de terceiros.

Em documento enviado a Aras, a procuradora-chefe do Paraná afirmou que o sistema de gravação telefônica foi adquirido pelo órgão em 2016 para “resguardar a segurança e proteção de membros e servidores alocados na Força-Tarefa da Lava-Jato”. Ela também afirma que o sistema não realiza grampo telefônico e apenas registra ligações recebidas através dos ramais institucionais.

A licitação aberta pelo MPF tinha a intenção de comprar três aparelhos, mas acabou adquirindo apenas um. Esse fato, segundo os procuradores, alimentou uma espécie de teoria da conspiração de que dois aparelhos teriam “sumido”.

Segundo o MPF, a sindicância aberta pela Corregedoria também servirá para que seja esclarecida a existência dos equipamentos. Nesse caso, o objetivo é apurar a regularidade de sua utilização, bem como os “cuidados e cautela necessários para o manuseio” do equipamento pelos responsáveis.

O Tribunal de Contas da União (TCU) também vai investigar a denúncia de que a Lava Jato teria adquirido os equipamentos de interceptação telefônica que teriam desaparecido.

Reunião de Lindôra com a Lava Jato causou polêmica

Segundo os procuradores de Curitiba, as reuniões com Lindôra, realizadas entre os dias 23 e 25 de junho, transcorreu em clima de “interrogatório”. A subprocuradora teria, inclusive, ficado irritada com o fato de boa parte dos servidores da força-tarefa estarem trabalhando em home office durante a pandemia de coronavírus e ameaçou entregar o prédio alugado para o trabalho da Lava Jato em Curitiba, que fica em frente à Procuradoria da República no Paraná, alegando “desperdício de dinheiro público”.

Durante a reunião, segundo os procuradores, Lindôra questionou a força-tarefa sobre a transferência de informações para Brasília, a distribuição dos processos em Curitiba, as negociações feitas pelo grupo para a delação do advogado Rodrigo Tacla Duran — que não se concretizou — e sobre procedimentos atrasados.

Lindôra também teria informado aos procuradores que um responsável pela Secretaria de Segurança Institucional do MPF, um delegado da Polícia Federal requisitado para atuar na função, faria uma inspeção e queria acesso a todas as bases de dados da força-tarefa.

Os procuradores chegaram a entrar em contato com a corregedora-geral do MPF, Elizeta Maria de Paiva Ramos, durante a visita de Lindôra, para saber se havia algum procedimento na Corregedoria que explicasse a visita da subprocuradora e as pautas da reunião. Segundo Elizeta, porém, nada na Corregedoria amparava a visita.

Subprocuradora quis acessar dados de investigações sigilosas

Segundo os procuradores, Lindôra queria acessar “banco de dados” das investigações do escândalo Petrobras, que originou a Lava Jato, em 2014. Eles acusam a PGR de tentar obter informações e dados da operação “sem prestar informações sobre a existência de um procedimento instaurado, formalização ou escopo definido”.

A versão de Lindôra, porém, é diferente. Uma fonte próxima à subprocuradora diz que ela fez uma visita institucional à força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, sem nenhuma relação com o banco de dados da investigação. Segundo essa mesma fonte, a força-tarefa em Curitiba estava “paranóica” com o pedido de compartilhamento dos dados da investigação com a PGR, que teria sido feito em maio, através de um ofício — solicitação que não foi respondida pelos procuradores de Curitiba.

Os procuradores, por outro lado, alegam que apenas pediram uma razão para a entrega dos dados das investigações e acusaram a subprocuradora de ter adotado uma postura autoritária em relação ao acesso às informações.

A PGR argumenta que decisões anteriores do ex-juiz Sergio Moro e da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, autorizam o compartilhamento de informações sigilosas com a equipe em Brasília. Mas, segundo os procuradores, esse acesso não é irrestrito. Segundo a equipe de Curitiba, o ofício enviado em maio pela PGR, pedindo acesso aos dados, não foi atendido porque não especificava a qual procedimento era referente.

Na versão dos procuradores em Curitiba, a intenção da força-tarefa era dar “amplo acesso, na medida do possível”, à subprocuradora. Segundo a Lava Jato, Lindôra chegou a pedir que os procuradores redigissem uma certidão afirmando que tinham negado acesso aos dados.

Queda de braço entre Lava Jato e PGR

A visita de Lindôra aos procuradores em Curitiba causou alvoroço e foi o estopim para a escalada do atrito entre a Lava Jato e a PGR. Os procuradores em Curitiba acreditam que há uma tentativa de enfraquecer o ex-juiz Sergio Moro e favorecer o presidente Jair Bolsonaro politicamente, passando por um desmonte da Lava Jato e sua desmoralização.

Em seguida à visita de Lindôra à Curitiba, três integrantes da força-tarefa da Lava Jato na PGR entregaram seus cargos. O movimento foi interpretado como reação à suposta tentativa de Lindôra em obter dados sigilosos de investigações. Pediram demissão os procuradores Hebert Reis Mesquita, Luana Vargas de Macedo e Victor Riccely.

Segundo a PGR, porém, a saída dos três já estava programada. “Os profissionais continuarão prestando valorosos serviços às comunidades para onde retornarão”, afirmou a Procuradoria-Geral em nota, no final de semana.

Na mesma nota à imprensa, a PGR aproveitou para cutucar a Lava Jato em Curitiba. “A Lava Jato, com êxitos obtidos e reconhecidos pela sociedade, não é um órgão autônomo e distinto do Ministério Público Federal (MPF), mas sim uma frente de investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internos da instituição. Para ser órgão legalmente atuante, seria preciso integrar a estrutura e organização institucional estabelecidas na Lei Complementar 75 de 1993. Fora disso, a atuação passa para a ilegalidade, porque clandestina, torna-se perigoso instrumento de aparelhamento, com riscos ao dever de impessoalidade, e, assim, alheia aos controles e fiscalizações inerentes ao Estado de Direito e à República, com seus sistemas de freios e contrapesos”.

Os procuradores de Curitiba reagiram através das redes sociais. “Os procuradores que trabalham na Lava Jato têm os mesmos direitos, deveres e proteções dos demais membros do MP para assegurar um trabalho independente”, disse Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba. “Lamento pelos fatos divulgados no fim da semana, que reportamos para a Corregedoria. O assunto agora deve ser analisado pelas instâncias competentes”, completou.

Nesta semana, a PGR afirmou que o modelo de forças-tarefas está esgotado, é desagregador e incompatível com a instituição. A manifestação foi assinada pelo vice-procurador-geral Humberto Jacques, na terça-feira (30), ao rejeitar a prorrogação do empréstimo de dois procuradores com dedicação exclusiva para trabalhar na força-tarefa da Greenfield.

A operação investiga desvios de recursos de fundos de pensão e já ressarciu mais R$ 11 milhões aos cofres públicos. A força-tarefa já teve cinco procuradores dedicados exclusivamente às investigações, mas agora conta apenas com o titular do caso, Anselmo Lopes, e com o apoio de outros procuradores, que acumulam funções.

Em São Paulo, três procuradores da força-tarefa da Lava Jato também perderam a dedicação exclusiva à operação. O mesmo ocorreu com um procurador da força-tarefa do Paraná.

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