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Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, durante entrevista no estúdio do jornal Gazeta do Povo
Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, durante entrevista no estúdio do jornal Gazeta do Povo| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A corregedora-geral do Ministério Público Federal (MPF), Elizeta Maria de Paiva Ramos, determinou nesta segunda-feira (29) a instauração de sindicância para apurar 'diligência' da subprocuradora-federal da República, Lindôra Araújo, no QG da Operação Lava Jato em Curitiba. A decisão atende a pedido de integrantes da força-tarefa depois de uma visita de Lindôra à Curitiba, que causou alvoroço no Ministério Público.

A força-tarefa em Curitiba acionou a corregedoria depois que Lindôra, nome de confiança do procurador-geral da República, Augusto Aras, esteve em Curitiba para acessar 'banco de dados' das investigações do escândalo Petrobras, que originou a Lava Jato, em 2014. Eles acusam a PGR de tentar obter informações e dados da operação 'sem prestar informações sobre a existência de um procedimento instaurado, formalização ou escopo definido'.

A versão de Lindôra, porém, é diferente. Uma fonte próxima à subprocuradora diz que ela fez uma visita institucional à força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, sem nenhuma relação com o banco de dados da investigação.

Segundo essa mesma fonte, a força-tarefa em Curitiba estava “paranoica” com o pedido de compartilhamento dos dados da investigação com a PGR, que teria sido feito em maio, através de um ofício – solicitação que não foi respondida pelos procuradores de Curitiba.

Os dados da investigação seriam usados para subsidiar as investigações da PGR em relação a políticos com prerrogativa de foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em nota, a PGR afirmou na sexta-feira (26) que a visita feita por Lindôra à força-tarefa foi um encontro de trabalho, previamente agendado há cerca de um mês. "Desde o início das investigações, há um intercâmbio de informações entre a PGR e as forças-tarefas nos estados, que atuam de forma colaborativa e com base no diálogo. Processos que tramitam na Justiça Federal do Paraná têm relação com ações e procedimentos em andamento no STJ”, disse ainda a PGR.

Juristas divergem sobre o atrito entre PGR e Lava Jato

Para o advogado criminalista Conrado Gontijo, o que causa estranheza no episódio é a reação da força-tarefa de Curitiba. “O simples pedido de acesso à informação não me parece que seja indicativo de qualquer tipo de ilegalidade. Acho que a recusa em fornecer, sem que estejam amparados por justificativas muito claras, é que é estranha”, diz. “Esses intercâmbios fazem parte do trabalho e inclusive asseguraram o sucesso da operação”, ressalta o advogado.

“A força-tarefa, isso é uma característica do Ministério Público de maneira geral, os procuradores e promotores de Justiça têm que ter autonomia e independência funcional para exercer suas funções, mas eles estão inseridos em uma estrutura. Inclusive, eles precisam colaborar para que a atividade funcione”, completa Gontijo. “Não faz muito sentido essa reação tão agressiva da força-tarefa de Curitiba”, diz o advogado.

Já a advogada constitucionalista Vera Chemim, acredita que a PGR possa ter extrapolado suas funções no episódio. “Essa interferência da PGR no MPF do Paraná, tendo como objeto dessa interferência a operação Lava Jato, extrapolou seus limites quanto ao desrespeito à hierarquia organizacional e também não satisfez os critérios de natureza formal exigidos para que se procedesse aquele tipo de interferência”, disse.

Para ela, o compartilhamento dos dados deveria ter passado pela chefe da Procuradoria da República no Paraná, além de exigir o cumprimento de formalidades. “Acho que, diante disso, a diligência que eles tentaram fazer no MPF do PR, teria que ser muito bem fundamentada do ponto de vista legal. Justamente porque eles estavam demandando informações sigilosas que teriam que ser acessadas com extrema cautela”, diz Chemim.

Ela defende ainda uma apuração rigorosa da corregedoria envolvendo o episódio do compartilhamento de dados da Lava Jato. “Caso aquelas diligências careçam de fundamentação, poderiam ser declaradas suspeitas por estar se tratando da força-tarefa da Lava Jato, porque ela inclui entre seus investigados diversos representantes políticos aliados ao entorno do presidente da República”, diz a constitucionalista. “Se não tiver elementos legais, fundamentação legal e técnica que justifique tudo que foi feito, a corregedoria teria que verificar o que realmente aconteceu, caso tivesse havido uma falha nesse sentido não há como não pensar que foi uma tentativa de prejudicar a operação”, finaliza a advogada.

Para Víctor Minervino Quintiere, advogado criminalista e vice presidente da comissão de reformas criminais da OAB/DF, os dois lados podem ter cometido abusos. “Quem tiver atuado com abuso deverá se explicar. Se a PGR demonstra que tem uma decisão judicial que autoriza a proceder dessa forma, a força-tarefa não pode simplesmente negar acesso”, diz Quintiere. “Tudo vai se basear na fundamentação dessa diligência. Tanto um lado quanto outro pode ter se equivocado na percepção do caso”, ressalta.

Segundo o criminalista, ao analisar o fundamento e o cumprimento das formalidades para compartilhamento de dados, a corregedoria do MPF poderá concluir se houve algum desrespeito. “É uma discussão interessante. A corregedoria vai analisar o fundamento e se houve respeito a formalidades legais”, explica Quintiere.

Quintiere ainda fala sobre a independência funcional prevista na Constituição aos membros do Ministério Público. “Juridicamente falando eles são independentes funcionais. Por exemplo, eu, como membro do MPF, tenho independência para, diante de um inquérito, apurar e decidir se vou denunciar ou vou pedir arquivamento. Agora, muito se discute em relação a essa independência funcional na seara administrativa. O Ministério Público é uno e administrativamente, diante dessa unicidade deve se esperar uma coerência. Então, administrativamente falando, existem órgãos instituídos na lei complementar que estrutura a carreira e a força-tarefa da Lava Jato não é um órgão estruturante do MPF, diferente da corregedoria”, explica.

Sindicância também vai investigar gravação de ligações 

A apuração sigilosa aberta pela corregedoria será feita tanto pela “ótica do fundamento e formalidades legais da diligência quanto da sua forma de execução”.

Na nota divulgada na sexta-feira (26), a PGR defendeu a legalidade da visita de Lindôra. “Não houve inspeção, mas uma visita de trabalho que visava a obtenção de informações globais sobre o atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para solucionar eventuais passivos. Um dos papéis dos órgãos superiores do Ministério Público Federal é o de organizar as forças de trabalho. Não se buscou compartilhamento informal de dados, como aventado nas notícias da imprensa, mas compartilhamento formal com acompanhamento de um funcionário da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea), órgão vinculado à PGR, conforme ajustado previamente com a equipe da força-tarefa em Curitiba”.

Segundo o MPF, a sindicância da corregedoria também servirá para que seja esclarecida a existência de equipamentos utilizados para gravação de chamadas telefônicas recebidas por integrantes da equipe da força-tarefa, incluindo membros e servidores. Nesse caso, o objetivo é apurar a regularidade de sua utilização, bem como os “cuidados e cautela necessários para o manuseio” do equipamento pelos responsáveis.

Segundo o jornal O Globo, uma auditoria do Ministério Público da União teria revelado um esquema de gravações telefônicas na sede do MPF no Paraná. Esse teria sido um dos motivos da visita de Lindôra à força-tarefa, na semana passada.

Em nota, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná afirmou que “jamais adquiriu o equipamento/sistema Guardião ou qualquer outro equipamento de interceptação telefônica”.

Em um documento enviado à Aras na semana passada, obtido pelo O Globo, a procuradora-chefe do Paraná, Paula Cristina Conti Tha, afirmou que o sistema de gravação telefônica foi adquirido pelo órgão em 2016 para “resguardar a segurança e proteção de membros e servidores alocados na Força-Tarefa da Lava-Jato”. Ela também afirma que o sistema não realiza grampo telefônico e apenas registra ligações recebidas através dos ramais institucionais.

Preocupação com dados sigilosos da Lava Jato

A PGR alega que fez pedidos de compartilhamento de investigações semelhantes a outras forças-tarefas da Lava Jato. “A solicitação de compartilhamento de dados foi feita por meio de ofício datado de 13 de maio. Pedido semelhante foi enviado às forças-tarefas de São Paulo e do Rio de Janeiro”, afirmou a PGR em nota na sexta.

Fonte próxima à Lindôra afirmou que a demora da força-tarefa em Curitiba para responder à solicitação causou estranheza, já que o compartilhamento de informações já foi autorizado pelo STJ.

“Diante da demora para a efetivação da providência, a reunião de trabalho poderia servir também para que a Sppea tivesse acesso ao material solicitado. A medida tem respaldo em decisão judicial que determina o compartilhamento de dados sigilosos com a PGR para utilização em processos no STF e no STJ”, disse a PGR, em nota, na semana passada.

Segundo o jornal O Globo, há preocupação por parte da força-tarefa de Curitiba de que Aras esteja buscando acessar os dados da Lava Jato para atacar o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, antigo aliado e atual desafeto do presidente Jair Bolsonaro.

Uma fonte próxima à Lindôra classificou a hipótese como “impossível” e “absolutamente paranóica”. Essa mesma fonte lembrou que, como Moro não tem mais prerrogativa de foro, sequer cabe à PGR conduzir investigações envolvendo o ex-juiz da Lava Jato.

Outra possibilidade aventada para a busca dos dados das investigações é a negociação do acordo de colaboração premiada com o ex-advogado da Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran, que está foragido. As negociações para o acordo foram retomadas por Lindôra. Tacla Duran acusa o advogado Carlos Zucolotto, amigo de Moro, de pagar propina para fechar acordos de delação premiada na Lava Jato.

Queda de braço entre Lava Jato e PGR

Na semana passada, três integrantes da força-tarefa da Lava Jato na PGR entregaram seus cargos. O movimento foi interpretado como reação à suposta tentativa de Lindôra em obter dados sigilosos de investigações. Pediram demissão os procuradores Hebert Reis Mesquita, Luana Vargas de Macedo e Victor Riccely.

Segundo a PGR, porém, a saída dos três já estava programada. “Os profissionais continuarão prestando valorosos serviços às comunidades para onde retornarão”, afirmou a PGR em nota, no final de semana.

Na mesma nota à imprensa, a PGR aproveitou para cutucar a Lava Jato em Curitiba. “A Lava Jato, com êxitos obtidos e reconhecidos pela sociedade, não é um órgão autônomo e distinto do Ministério Público Federal (MPF), mas sim uma frente de investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internos da instituição. Para ser órgão legalmente atuante, seria preciso integrar a estrutura e organização institucional estabelecidas na Lei Complementar 75 de 1993. Fora disso, a atuação passa para a ilegalidade, porque clandestina, torna-se perigoso instrumento de aparelhamento, com riscos ao dever de impessoalidade, e, assim, alheia aos controles e fiscalizações inerentes ao Estado de Direito e à República, com seus sistemas de freios e contrapesos”.

Os procuradores de Curitiba reagiram através das redes sociais. “Os procuradores que trabalham na Lava Jato têm os mesmos direitos, deveres e proteções dos demais membros do MP para assegurar um trabalho independente”, disse Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba. “Lamento pelos fatos divulgados no fim da semana, que reportamos para a Corregedoria. O assunto agora deve ser analisado pelas instâncias competentes”, completou.

O procurador Roberson Pozzobon também se manifestou. “A independência funcional não é um luxo, mas requisito mínimo para que o Ministério Público, por todos os seus integrantes, de 1ª à última instância, possa cumprir seus deveres constitucionais”, defendeu. “Além de ser um dos princípios institucionais do Ministério Público, a independência funcional é uma garantia da sociedade”, completou Pozzobon.

O ex-ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro também se manifestou. "Aparentemente, pretende-se investigar a Operação Lava Jato em Curitiba. Não há nada para esconder nela, embora essa intenção cause estranheza", declarou Moro, no sábado.

Com informações de Estadão Conteúdo

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