A Lava Jato sofreu, em pouco mais de um mês, ataques em série que partem da Procuradoria-Geral da República (PGR), do Supremo Tribunal Federal (STF), do governo do presidente Jair Bolsonaro e do Congresso. A Gazeta do Povo listou dez fatos que revelam o cerco que se formou contra a operação e como isso pode enfraquecer não apenas a Lava Jato, mas todo o combate à corrupção no país.
1. Acesso da PGR ao banco de dados da Lava Jato
No final de junho, a subprocuradora Lindôra Araújo, da PGR, esteve em Curitiba e tentou acessar o banco de dados da Lava Jato – o que causou a estranheza dos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná. A PGR alega que enviou em maio um ofício à força-tarefa pedindo acesso às informações, mas não obteve resposta. A solicitação estaria baseada em decisões judiciais, mas a Lava Jato discorda dessa interpretação. O caso foi parar na Corregedoria do Ministério Público Federal, que abriu um procedimento para apurar a conduta da subprocuradora.
Durante o recesso do Poder Judiciário, a PGR conseguiu uma decisão monocrática (individual) do presidente do STF, Dias Toffoli, obrigando as forças-tarefas da Lava Jato de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro a compartilharem com a Procuradoria-Geral da República seus bancos de dados – inclusive informações sigilosas. Técnicos de Brasília estão em Curitiba fazendo uma cópia das informações desde o início da semana passada.
Paralelamente a isso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, editou uma portaria que altera as regras de sigilo de procedimentos cadastrados no sistema eletrônico interno do Ministério Público Federal. Com isso, a alta cúpula da PGR passou a ter acesso a procedimentos sigilosos do MPF em todo o país, o que não acontecia antes.
Procuradores ouvidos pela Gazeta do Povo temem que as informações colhidas pela PGR nos bancos de dados das forças-tarefas possam ser usadas para perseguição política de adversários do presidente Jair Bolsonaro, incluindo o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro, cotado para concorrer ao Planalto em 2022.
Integrantes do MPF lembram que o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi indicado por Bolsonaro para o cargo muito embora não tenha participado da eleição interna do MPF para a escolha do cargo (isso é legal, mas rompeu uma tradição no Ministério Público). E, recentemente, Bolsonaro afirmou que Aras seria um bom nome para indicar ao STF. Além disso, Lindôra é tida dentro da PGR como uma das subprocuradores mais "bolsonaristas".
2. Decisões do STF contra a Lava Jato
Além de determinar o compartilhamento das informações colhidas ao longo dos seis anos da operação Lava Jato com a PGR, o ministro do STF Dias Toffoli também tomou outras decisões recentes que enfraquecem a operação.
O presidente do STF proibiu a Polícia Federal de realizar buscas no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP) durante a deflagração da operação Paralelo 23, uma das fases da Lava Jato Eleitoral de São Paulo. Uma semana depois, determinou que sejam suspensas duas investigações contra o senador, uma na primeira instância e outra na Justiça Eleitoral. O senador é investigado por supostamente praticar caixa dois em eleições.
3. Críticas ao modelo das forças-tarefas e o asfixiamento delas
Desde que o cerco contra a Lava Jato de Curitiba veio à tona, no fim de junho, a PGR tem feito duras críticas ao modelo de forças-tarefas. Em uma manifestação assinada pelo vice-procurador-geral, Humberto Jacques, a Procuradoria-Geral da República afirmou que o modelo de forças-tarefas está esgotado, é desagregador e incompatível com o Ministério Público Federal.
A manifestação de Humberto Jaques foi feita num documento em que ele nega o pedido da Operação Greenfield para prorrogar o empréstimo de dois procuradores para a força-tarefa. A Operação Greenfield, que investiga desvios em fundos de pensão de estatais e que já recuperou mais de R$ 11 bilhões aos cofres públicos, tem atualmente um único procurador exclusivo para essa investigação.
A asfixia das forças-tarefas de combate à corrupção não se restringe à Greenfield. Três procuradores da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo também perderam a dedicação exclusiva à operação por determinação da PGR. O mesmo ocorreu com um procurador da força-tarefa do Paraná.
4. Criação da Unac, que centralizaria em Brasília o combate à corrupção
Enquanto critica o modelo de força-tarefa, a PGR discute a criação de um órgão especializado para centralizar as investigações contra desvios de dinheiro público de todo o país: a Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac). A proposta está em discussão no Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).
Procurados ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a ideia de criar a Unac tem pontos positivos e até mesmo contribuir para o combate à corrupção no Brasil. Mas eles alertam para uma série de problemas no projeto original da Unac que podem na verdade prejudicar as ações anticorrupção.
Há um temor de que o órgão possa ser controlado por um coordenador com superpoderes, indicado pelo procurador-geral da República. Como a unidade concentraria todos os bancos de dados das investigações de corrupção do país, os procuradores alertam para o risco de que a Unac venha a se tornar uma máquina política e até mesmo autoritária.
5. Desmembramento da Lava Jato em gestação
O procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia dividir em quatro a Lava Jato no Paraná, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Com isso, o procurador da Deltan Dallagnol deixaria de ser o coordenador no Paraná da Lava Jato e dividiria a função de combate à corrupção com outros três colegas do MPF. A mesma divisão ocorreria nas forças-tarefas de São Paulo e Rio de Janeiro.
6. Pedido da PGR para a PF não poder fechar delações premiadas
O procurador-geral da República, Augusto Aras, também tenta aumentar o controle sobre os acordos de delação premiada negociados e firmados em operações de combate à corrupção. Ele quer que a PF não possa fechar esse tipo de negociação, mas apenas o MPF.
Recentemente, Aras pediu ao STF o arquivamento de inquéritos abertos com base na delação fechada pela PF com Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro. O procurador-geral também pediu ao Supremo que, a partir de agora, só autorize acordos de delação firmados pela PF se houver concordância do Ministério Público.
Em 2018, o Supremo decidiu que delegados da PF poderiam fazer acordos de delação com investigados. O MPF sempre foi contra a autonomia da Polícia Federal nessa área. Mas procuradores desconfiam que, neste momento, o interesse de Aras seria muito mais o de paralisar negociações de delação em andamento e de centralizá-las na PGR.
7. Ofensiva para tirar do MPF a negociação de acordos de leniência
Os acordos de leniência – espécie de delação premiada para empresas – também viraram alvo da ofensiva contra a Lava Jato e contra outras forças-tarefas do MPF. O STF, o governo do presidente Jair Bolsonaro, a PGR e o Tribunal de Contas da União (TCU) estão negociando, em conjunto, uma resolução para tirar do MPF a possibilidade de o órgão, individualmente, negociar e firmar acordos de leniência.
A proposta também abre brecha para que o governo federal tenha acesso a informações sobre investigações sigilosas do MPF.
Pela minuta da proposta, a condução das negociações dos acordos e a sua assinatura final passariam a ser de responsabilidade de dois órgãos do governo federal: a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU).
Os acordos de leniência fechados pela Lava Jato conseguiram recuperar aos cofres públicos bilhões de reais. Apenas os acordos fechados com a força-tarefa da de Curitiba conseguiram recuperar R$ 12,4 bilhões.
8. Ameaças de punição contra o coordenador da Lava Jato
O coordenador da Lava Jato no MPF do Paraná, procurador Deltan Dallagnol, é alvo de uma série de representações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – órgão que tem a atribuição de fiscalizar e, eventualmente, punir membros do MPF. O procedimento aberto mais recentemente investiga o procurador por ter feito críticas à decisão do ministro do STF Dias Toffoli que permitiu o compartilhamento de dados das forças-tarefas com a PGR, no início de julho.
Nos bastidores, corre o rumor de que ao menos alguns processos contra Deltan serão pautados para serem julgados nas sessões de agosto do CNMP, que é presidido por Augusto Aras.
Segundo reportagem recente do jornal Folha de S. Paulo, o relator de um dos casos contra Deltan no CNMP deve defender a abertura do processo de remoção do procurador da força-tarefa da Lava Jato. O argumento, segundo o jornal, deverá se basear na proposta da Lava jato de criar uma fundação com recursos bilionários transferidos ao Brasil por autoridades americanas. Esse dinheiro havia sido pago pela Petrobras em uma ação na qual ela era ré nos Estados Unidos por causa do esquema de corrupção revelado pela Lava Jato.
9. Críticas à Lava Jato vindas da cúpula da PGR e do Congresso
O procurador-geral da República, Augusto Aras, intensificou a ofensiva contra força-tarefa e disse na terça-feira (28) que a Lava Jato em Curitiba é uma “caixa de segredos” e que é preciso adotar uma “correção de rumos” no MPF para que “lavajatismo não perdure”.
A fala provocou reações em defesa da Lava Jato de entidades e figuras políticas. Mas, apesar disso, o discurso de Aras encontrou eco na cúpula do Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), saiu em defesa de Aras.
Para Maia, o procurador-geral tem legitimidade para fazer críticas à operação. “A crítica que eu faço é: o Ministério Público é um órgão fundamental para nosso país. Mas a impressão que me dá é que não gostam de ser fiscalizados muitas vezes”, disse o presidente da Câmara.
O deputado do Democratas também afirmou que os integrantes da Lava Jato se colocam "acima do bem e do mal". “Em determinado momento, qualquer coisa que a gente ia votar [na Câmara] tinha uma coletiva lá do pessoal de Curitiba: ‘não pode votar isso, não pode votar aquilo’, como se fossem um árbitro, uma figura acima do bem e do mal”, disse Maia, que é alvo de uma investigação da Lava Jato na PGR.
10. Quarentena eleitoral para juízes e procuradores
O presidente do STF, Dias Toffoli, defendeu na quarta-feira (29) que juízes e membros do Ministério Público sejam submetidos a uma "quarentena" de pelo menos oito anos caso queiram abandonar as carreiras no Judiciário e no MP para disputar eleições. Toffoli disse que o período de inelegibilidade evitaria a "utilização da magistratura e do poder imparcial do juiz para fazer demagogia, aparecer para a opinião pública e se fazer candidato".
Toffoli não citou nomes, mas a declaração foi vista como uma alfinetada no ex-juiz Sergio Moro, cotado para se candidatar à sucessão de Jair Bolsonaro, em 2022.
A ideia de Toffoli ganhou ressonância no Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o projeto de lei que estabelece a quarentena para juízes e procuradores pode ser votado ainda em 2020.
A proposta seria uma forma de políticos investigados pela Lava Jato impedirem a eleição de pessoas comprometidas com a agenda anticorrupção – o que poderia vir a facilitar a aprovação de projetos que endureçam o combate aos desvios de recursos.
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