O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (7) devolver ao plenário a atribuição de julgar ações penais e inquéritos que envolvam réus com foro privilegiado. A proposta foi apresentada pelo presidente da Corte, ministro Luiz Fux, e aprovada por unanimidade pelos demais magistrados. Apesar de o motivo oficial para a mudança ter sido o desafogo da pauta após a restrição da prerrogativa de foro de políticos, a alteração pode ser interpretada como uma vitória para a Lava Jato, que vinha sofrendo duras derrotas na Segunda Turma do STF, responsável por julgar os casos da operação.
Procuradores da Lava Jato no Paraná, porém, evitam comemorar a mudança por achar cedo demais. Apesar de parecer positiva em um primeiro momento, a decisão do Supremo, na avaliação de integrantes do grupo, engessa a ação penal e permite pedidos de vista intermináveis, sem prazo para retorno do julgamento. “Melhor esperar um pouco antes de comemorar”, disse um integrante da força-tarefa à Gazeta do Povo.
Fux é um dos ministros mais alinhados com a Lava Jato no STF e a mudança que o presidente do STF conseguiu emplacar nesta quarta-feira (7) é a primeira boa notícia para a força-tarefa em meses, mesmo que seja vista com ressalvas pelo grupo de Curitiba. O presidente do Supremo é o único que não participa de nenhuma das turmas e só vota em casos julgados no plenário. Com os julgamentos da Lava Jato no plenário, a operação mantém o voto de um aliado.
A operação vinha sofrendo sucessivas derrotas na Segunda Turma do STF, que até então era responsável por julgar os casos. O ministro Celso de Mello, que se aposenta na semana que vem, era um voto importante em praticamente todos os julgamentos porque ora votava a favor da Lava Jato, ora a favor dos réus. Na ausência dele, por causa de uma licença médica, muitos julgamentos terminaram empatados, o que, segundo o regimento interno, favorece os réus.
Com a aposentadoria de Celso de Mello, quem assume o lugar dele na turma é o novo ministro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Na semana passada, Bolsonaro tornou pública a escolha do desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga, que será sabatinado no Senado — formalidade necessária antes da nomeação.
Kassio Nunes Marques é visto como um magistrado “garantista”, alinhado com as teses defendidas por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, membros da Segunda Turma e ferrenhos críticos da Lava Jato. Juntos, os três conseguiriam impor derrotas significativas nos julgamentos referentes à operação.
Mudança na regra altera correlação de forças no STF sobre a Lava Jato
A decisão de mandar para o plenário o julgamento de ações penais e inquéritos altera a correlação de forças no STF e pode beneficiar a Lava Jato. Os julgamentos de recebimento de denúncias e de políticos réus na operação tende a terminar com placares mais acirrados, com diferença de um ou dois votos.
Com a decisão no plenário, a Lava Jato ganha o reforço dos votos dos ministros da Primeira Turma, como Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, que tendem a ser mais duros com os réus. Em alguns casos, a ministra Rosa Weber também pode se alinhar aos dois. Há, ainda, os votos de Edson Fachin, relator da operação, da ministra Cármen Lúcia e do presidente Luiz Fux, que são defensores das teses da operação.
Já a ala “garantista”, que tende a ser mais crítica à Lava Jato, é composta pelos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Essa ala deve ser reforçada com a chegada de Kassio Nunes Marques ao Supremo.
Restrição do foro privilegiado desafogou plenário do STF
O motivo exposto por Fux para promover a mudança, porém, não foi a Lava Jato, e sim a restrição ao foro privilegiado de políticos, que teria desafogado o plenário do STF.
Desde 2014, os julgamentos de ações penais eram responsabilidade das duas turmas do STF — cada uma com cinco ministros. Isso ocorreu depois do julgamento do mensalão, que envolveu 37 réus e levou 69 sessões do STF, entre agosto de 2012 e dezembro de 2013, para ser julgado. Para evitar trancar a pauta do plenário, as ações penais passaram a ser julgadas pelas turmas.
Ao propor que os casos voltem a ser analisados pelos 11 ministros, Fux argumentou que atualmente "a situação é diferente” porque já não há mais congestionamento de processos no plenário.
O número de casos penais no Supremo caiu desde 2018, quando o STF decidiu limitar a prerrogativa de foro para atos cometidos por políticos durante o mandato e em razão dele. Com isso, muitos casos foram remetidos à primeira instância.
O ministro Celso de Mello, que se aposenta na semana que vem, concordou com a mudança. “A razão básica foi o movimento excessivo de feitos. Exemplo mais recente, a ação penal 470. Levamos quase seis meses com sessões virtualmente diárias, discutindo, julgando, e comprometendo o exercício pelo tribunal de seu poder jurisdicional. Hoje, no entanto, houve redução drástica. A mim, me parece que o retorno ao plenário restabelece uma situação tradicional. Tem também a marca da racionalidade, porque agora são as turmas que estão se inviabilizando”, afirmou o decano do STF.
Mudança pode acabar com diferença de interpretações entre as Turmas
Celso de Mello também chamou a atenção para o diferente posicionamento das turmas do STF. A Primeira Turma, formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio e agora Dias Toffoli (que ocupou o lugar que era de Fux), costuma ser responsável por decisões mais duras com os réus.
Já a Segunda Turma, composta por Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Celso de Mello, tem imposto derrotas significativas à Lava Jato, principalmente durante a ausência do decano, que esteve em licença médica nas últimas semanas e está para se aposentar.
Segundo Celso de Mello, “a proposta [de Fux] tem outra grande virtude que é a de evitar o dissídio jurisprudencial [decisões diferentes] entre as turmas em matéria tão sensível como é a matéria penal, que envolve a questão da liberdade individual. Porque hoje notamos que há divergências interpretativas em matéria penal e matéria processual penal entre duas turmas que compõem o STF".
Para Andrew Fernandes Farias, advogado criminalista e sócio do Bayma e Fernandes Advogados Associados, a mudança é positiva por garantir segurança jurídica aos réus. “É uma medida muito bem-vinda, porque ela preza pela segurança jurídica e pela estabilidade. O efeito principal dessa alteração regimental é que as ações penais originárias e os inquéritos daqueles que possuem foro por prerrogativa de função na Suprema Corte serão processados e julgados pelo plenário e não mais pelas turmas”. Segundo ele, isso “evita o rompimento com a isonomia”.
Segunda Turma ainda terá papel importante para a Lava Jato
Apesar da mudança no Regimento Interno da Corte, a Segunda Turma continua tendo um papel importante para os casos da Lava Jato. Isso porque apenas inquéritos e ações penais vão passar pelo crivo do plenário. Os 11 ministros vão decidir se abrem ou não ação penal contra denunciados e serão responsáveis pelos julgamentos dos réus.
Mas as turmas ainda ficam com a atribuição de julgar habeas corpus, por exemplo. O que pode significar que prisões decretadas pela Lava Jato podem durar pouco, por causa da composição do colegiado e já que haverá um desafogo na pauta do colegiado.
“Regra geral, aqueles processos que chegarem ao Supremo Tribunal Federal via recurso, por exemplo o extraordinário, que saiam da primeira ou da segunda instância e cheguem ao STF, regra geral, vão continuar sendo julgados pelas turmas”, explica Farias.
A Segunda Turma também vai ter um papel importante na definição do futuro político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os ministros devem julgar um habeas corpus no qual o petista pede a suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro para julgá-lo.
“A suspeição do ex-juiz Sergio Moro não será julgada no plenário, por não se tratar de ação penal originária no STF, que trata de processo contra pessoas detentoras de prerrogativa de função. Portanto, o julgamento deve ocorrer na 2º Turma, caso não seja afetada ao plenário pelo relator, o que não parece ser o caso”, explica Thiago Turbay, advogado criminalista sócio do Boaventura Turbay Advogados.
A defesa de Lula argumenta que Moro foi parcial e agiu politicamente contra Lula e pede a anulação da sentença proferida pelo ex-juiz no caso do tríplex no Guarujá. Os advogados também querem que os ministros estendam a decisão para anular a sentença do caso do sítio em Atibaia, que foi proferida pela juíza Gabriela Hardt, mas cujo processo foi conduzido por Moro.
Se os ministros atenderem ao pedido da defesa e as sentenças forem anuladas, Lula pode voltar a concorrer em eleições, já que deixaria de ser ficha suja. Cármen Lúcia e Edson Fachin já votaram contra a concessão do HC. O ministro Gilmar Mendes pediu vista (mais tempo para analisar o caso) e pode devolver o recurso para julgamento a qualquer momento. A tendência é que ele e Lewandowski votem a favor de Lula. Se o caso terminar empatado, as sentenças serão anuladas.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião