Lava Jato: STF avalia tese do presidente do Supremo, Dias Toffoli, sobre argumentação final de delatados.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda voltará a se debruçar sobre um julgamento decisivo para a operação Lava Jato. Na sessão desta quarta-feira (02), os ministros anularam, pela segunda vez, uma sentença da operação, mas faltou a definição de critérios para casos similares. A discussão é em torno da ordem de entrega das alegações finais - último argumento de acusação e defesa antes da sentença - em processos que contam com réus delatores.

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Os ministros entenderam, por maioria, que réus delatados têm o direito a falar por último no processo quando há réus que firmaram acordo de delação premiada com o Ministério Público ou com a Polícia Federal. Na Lava Jato, o uso das delações premiadas é comum e a força-tarefa teme que a decisão do STF cause um efeito cascata capaz de anular 32 sentenças - só em Curitiba.

Para evitar uma avalanche de anulações, o presidente do STF, Dias Toffoli, sugeriu que os ministros definam uma tese, para orientar o julgamento de casos parecidos. A sequência do julgamento chegou a ser agendada para esta quinta-feira (03), mas foi cancelada no fim da noite de quarta, a pedido do presidente da Corte. A proposta de Toffoli está dividida em duas partes, que deverão ser votadas separadamente pelos demais ministros.

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A primeira parte define que, em todos os procedimentos penais, é direito do delatado apresentar alegações finais depois do delator, desde que esse pedido tenha sido feito já em primeira instância e reiterado nas fases recursais. A segunda parte da tese proposta pelo presidente da Corte estabelece que, para os processos já sentenciados, é necessária a demonstração do prejuízo por parte da defesa, que deve ser analisado caso a caso.

Tese não é consenso entre ministros

O julgamento desta quarta-feira foi marcado por uma longa discussão sobre o cabimento ou não de se fixar uma tese para orientar outros casos. Geralmente, o STF fixa teses em recursos extraordinários de repercussão geral e faz modulação de efeitos em ações de controle concentrado - que valem apenas para um caso específico.

No caso desta quarta-feira, os ministros já votaram a concessão de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-gerente da Petrobras, Marcio de Almeida Ferreira, que havia sido condenado pelo ex-juiz federal Sergio Moro. Formalmente, contudo, ainda é preciso fixar a tese no HC, já que seria um caso de repercussão geral.

A proposta de estabelecer a tese partiu de Toffoli, para evitar um efeito cascata a partir da decisão dos ministros. Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello concordaram em fixar a tese. Já os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio foram contra a proposta.

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"Estamos julgando pela primeira vez um tema. Penso que estamos criando, por interpretação constitucional, uma regra processual, de modo que, uma decisão do plenário deve ser observada. É uma decisão da Corte suprema", defendeu Barroso.

Tese será discutida em duas etapas

Os ministros vão discutir a tese proposta por Toffoli em duas etapas. Na primeira, vão definir se é direito do delatado apresentar alegações finais depois do delator. Já há uma maioria a favor desse entendimento: 7 ministros já se disseram favoráveis a essa ordem de entrega dos documentos ao longo do julgamento do HC. Mas os ministros também vão definir se esse entendimento valerá apenas se esse pedido tiver sido feito em primeira instância e reiterado nas fases recursais.

Em uma segunda etapa, os ministros vão decidir sobre a demonstração de prejuízo. Toffoli propõe que, para os processos já sentenciados, seja necessária a demonstração do prejuízo por parte da defesa para anular a sentença. A demonstração do prejuízo deverá ser analisada caso a caso.

Neste ponto, há divergência entre os ministros. Parte do colegiado defende que há necessidade de o réu comprovar prejuízo; outra parte entende que o prejuízo é presumido; e há ainda quem entenda que é o Ministério Público que precisa comprovar que não houve prejuízo à defesa se a entrega das alegações finais tiver sido feita com o mesmo prazo para delatores e delatados.

A ministra Rosa Weber, por exemplo, defende a tese de que a nulidade é absoluta, independente de ficar demonstrado prejuízo à defesa. Para ela, a violação de princípios constitucionais, como ampla defesa e contraditório, é causa para anulação. “E o vício não prescinde da ocorrência de prejuízo, o prejuízo é presumido, ele não precisa ser demonstrado. Caberia ao Ministério Público a demonstração de inocorrência do prejuízo", disse Rosa.

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Celso de Mello também afirmou que a nulidade deve ser absoluta, já que a ordem das alegações contrariou princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Para ele, o prejuízo é automático, devido à gravidade da violação constitucional. O ministro Ricardo Lewandowski defendeu a mesma coisa. Para ele, não há necessidade de demonstração de prejuízo.

Já a ministra Carmen Lucia entendeu que a defesa precisa demonstrar prejuízo. Ela votou a favor do argumento de que as alegações finais de delatores e delatados devem ser entregues em momentos diferentes, mas votou contra o HC em questão por entender que não houve prejuízo no caso específico.

Os casos impactados da Lava Jato no STF

Se os ministros acatarem a primeira parte da tese, que define que só serão anuladas sentenças de quem tiver feito pedido de entrega de alegações em momentos separados, apenas mais duas sentenças da Lava Jato correm o risco de serem anuladas, segundo um levantamento exclusivo da Gazeta do Povo.

Ao todo, 32 processos da Lava Jato tinham réus delatores. Destes, apenas em quatro a defesa de algum réu pediu para entregar alegações finais depois dos delatores. Dos quatro casos, dois já foram anulados: o ex-gerente da Petrobras, Marcio de Almeida Ferreira, julgado nesta quarta-feira (02), e o do ex-presidente da estatal, Aldemar Bendine, anulado em agosto pela 2.ª Turma do STF.

Há, ainda, dois casos com pedidos idênticos feitos já na primeira instância. O primeiro é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no processo do sítio em Atibaia. Lula foi condenado em primeira instância a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O caso já está tramitando em segunda instância e, se o entendimento de Toffoli for aplicado, voltará à fase de alegações finais em primeira instância.

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O segundo caso é do operador Adir Assad. Ele foi condenado a 9 anos e 10 meses de prisão em um processo em que era acusado de participar do esquema de corrupção na Diretoria de Serviços da Petrobras. A sentença dele já foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em segunda instância.

Lula já fez um pedido com base nesse entendimento ao STF

Lula já entrou com pedido de habeas corpus no STF para anular a sentença do sítio em Atibaia. O caso chegou a ser pautado na 2.ª Turma, mas não foi julgado por falta de tempo.

A defesa também quer a anulação da sentença do caso sobre o tríplex no Guarujá. O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, disse à Gazeta do Povo que não fez um pedido semelhante sobre a ordem de entrega das alegações nesse caso, já que ainda não havia réus com delação homologada, mas que fez pedidos com o mesmo princípio, para que se respeitasse a ampla defesa e o contraditório.

No caso do tríplex, em que Lula cumpre pena preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, o executivo da OAS, Leo Pinheiro, confessou os crimes e colaborou com as investigações, incriminando o ex-presidente, na tentativa de fechar um acordo. A delação de Leo Pinheiro foi homologada recentemente pelo STF.

O caso da Lava Jato que "travou" as sessões do STF

O STF está há três sessões julgando o caso sobre a ordem de entrega das delações. Os ministros já tomaram a decisão quanto a um caso específico: um pedido do ex-gerente da Petrobras, Marcio de Almeida Ferreira, para anular a condenação de 10 anos de prisão em primeira instância. O HC foi concedido por 6 votos a 5 e agora o processo deverá ser retomado a partir da fase de alegações finais, em primeira instância.

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Ferreira entrou com recurso para anular a condenação depois de uma decisão da 2.ª Turma que anulou, pela primeira vez, uma sentença da Lava Jato. A turma anulou a condenação de 11 anos de prisão imposta em primeira instância por Sergio Moro ao ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Agora, com base no mesmo argumento, Ferreira "se livra" da pena por alegar ter o direito de entregar as alegações finais depois dos delatores.

Argumentos

No julgamento em plenário, referente ao pedido de Ferreira, os ministros se dividiram sobre a ordem de entrega das alegações. De um lado, ministros favoráveis ao HC argumentaram que réus delatores têm interesses diferentes dos demais no processo; que réus delatores têm interesse na condenação dos demais, enquanto réus delatados têm interesse na absolvição; que a ordem diferente atende a princípios constitucionais da ampla defesa, direito ao contraditório e devido processo legal; e que a mudança na ordem de entrega das alegações não vai gerar impunidade, pois só vai atrasar o processo em alguns dias.

Do outro lado, ministros contra o HC argumentaram que o Código de Processo Penal não prevê um rito diferente para o processo quando há delatores; que as alegações finais não trazem fatos e documentos novos; que só o depoimento de réus delatores não serve como prova para condenar ninguém; e que não há nulidade se a defesa não mostrar que houve prejuízo.

Muito além da Lava Jato: decisão pode beneficiar crime organizado

Além do impacto na Lava Jato no STF, a decisão dos ministros também pode beneficiar facções prisionais, como PCC, e milícias.

Durante seu voto, o ministro Marco Aurélio criticou os colegas e acusou o STF de estar tentando legislar sobre o tema. "A sociedade vem aplaudindo o sucesso da Lava Jato. E eis que a mais alta corte do país, o STF, à margem da ordem jurídica, vem dizer q não foi bem assim, que o sucesso se fez contaminado porque deixou de se dar, na esfera das alegações finais, tratamento diferenciado ao delatado", reclamou.

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Para Marco Aurélio, conceder o HC colocará o STF em descrédito. “Passa a transparecer a ideia de um movimento para dar o dito pelo não dito em termos de responsabilidade penal, o famoso jeitinho brasileiro. E o que é pior: em benefício não dos menos afortunados, mas dos denominados tubarões da República”, completou o ministro.

Toffoli rebateu. "Essa corte defende o combate a corrupção, mas repudia os abusos e excessos”, disse. Segundo Toffoli, o STF repudia a “tentativa de criação de poder paralelo e instituições paralelas”. “Se não fosse esse Supremo Tribunal Federal, não haveria o combate ao corrupção no Brasil”, disse.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]