Rodrigo Chemim é autor do livro “Mãos Limpas e Lava Jato: a corrupção se olha no espelho”| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo/Arquivo
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Os poderosos não vão descansar enquanto o senador Sergio Moro (União-PR) e o ex-deputado federal Deltan Dallagnol não estiverem presos. Após uma série de reveses impostos pelos Três Poderes à operação Lava Jato, essa é a conclusão de Rodrigo Chemim, autor do livro "Mãos Limpas e Lava Jato: a corrupção se olha no espelho" (2017).

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Procurador do Ministério Público do Paraná (MP-PR) e doutor em Direito de Estado, ele lamenta pelo iminente "desfecho melancólico" da maior operação de combate à corrupção da história do país, iniciada em 2014. Esse fim está sendo, segundo ele, ainda pior do que o da Mãos Limpas, operação italiana de combate à corrupção nos anos 1990, que serviu de inspiração para a Lava Jato.

Nesta entrevista à Gazeta do Povo, ele destaca as notáveis semelhanças entre as operações, desde a descoberta de esquemas corruptos nos setores público e privado até as justificativas e orquestrações adotadas pelos investigados e condenados do sistema político para escapar da Justiça.

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Chemim acredita que serão necessárias décadas para restaurar o papel saneador da Lava Jato, cujo legado continua sendo desmantelado sem piedade, a menos que haja um ressurgimento do apoio popular e uma maioria parlamentar comprometida com essa causa. A conscientização das gerações futuras sobre a importância da ética também é vista como um fator crucial para o longo prazo. Confira os principais trechos desta entrevista.

Fatos como a recente cassação do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) confirmam a previsão que o senhor fez no livro sobre a Lava Jato, a de que ela corria sério risco de sofrer derrotas, tal qual as sofridas pela operação Mãos Limpas, da Itália?

Rodrigo Chemim - Está se confirmando um gravíssimo revés para a Lava Jato, bem maior do que o sofrido pela Mãos Limpas (Mani Pulite), anterior e igualmente notória ao impor uma série histórica de derrotas à corrupção sistêmica e estrutural praticada por poderosos em seus respectivos países. Isso ocorre porque a reação em contrário que a operação brasileira sofreu partiu com forte intensidade de todos os lados e não concentrada apenas no Parlamento, como foi a italiana.

O contra-ataque aqui veio no terreno legislativo com apoio de todas as correntes ideológicas do Congresso e, também, do Poder Executivo, além de um desmantelamento sistemático pelo Ministério Público Federal e por um Judiciário cada vez mais forte. Os interesses feridos dos atingidos gerou um movimento mais potente contra a operação e de efeitos bem mais arrasadores.

Como o senhor avalia a migração para a arena política dos nomes mais emblemáticos da Lava Jato, o ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol? Eles tentaram potencializar o combate à corrupção no Legislativo e no Executivo ou se refugiaram de ameaças sofridas no Judiciário?

Rodrigo Chemim – Entendo que a prática mostrou não ter sido uma boa estratégia para Sergio Moro e Deltan Dallagnol a ida deles para a política. O próprio gesto de buscar postos de poder forneceu ou reforçou argumentos àqueles que já atacavam impiedosamente a Lava Jato. Não creio que, originalmente, os responsáveis pela operação tivessem qualquer pretensão de disputar espaços no Executivo e no Judiciário. Eles, contudo, acabaram se desiludindo com desdobramentos dos fatos e com a própria Justiça.

Quando Moro aceitou ser ministro da Justiça e da Segurança Pública deve ter avaliado a chance de seu cargo se tornar a mola propulsora para correção de leis voltadas ao combate à corrupção, além de justamente impedir que se repetisse no país o que foi visto na Itália, onde as leis foram mudadas em função dos criminosos. Na Itália, também ocorreu movimento igual, com Antonio Di Pietro, ex-procurador da Mãos Limpas, deixando o sistema jurídico no fim de 1994 e ingressando na política, após sofrer forte pressão de investigações sobre a lisura de sua atuação, que acabaram não provando nada. Foram mais de 200 representações contra ele no conselho nacional de Justiça e a necessidade de responder a essas investidas o impedia de continuar agindo. Em 1996, ele foi nomeado ministro das Obras Públicas do governo de centro-esquerda de Romano Prodi, mas teve de deixar o cargo após seis meses por novas acusações de corrupção, que também não deram em nada. Em 1997, Di Pietro foi eleito senador na coalizão de centro-esquerda e, no ano seguinte, fundou o próprio partido, Itália dos Valores, focado na legalidade. Ele liderou a legenda até 2014 e hoje é advogado.

Está claro que o modus operandi dos inimigos da Mãos Limpas lá foi replicado pelos alvos da Lava Jato, tanto em discurso quanto em prática. A presença dos símbolos da operação na arena política deu margem à argumentação de que eles não tinham a devida isenção e, por isso, eu não optaria pela mudança. Discordo da ilação dos rivais deles, mas entendo que Moro e Dallagnol já haviam atingido seus limites e estavam sem espaço para continuar lutando.

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Qual a importância que o senhor dá à pecha de atuação antipolítica atribuída à Lava Jato pelos seus alvos poderosos e pelos advogados deles?

Rodrigo Chemim – A tal ação antipolítica é mero discurso. A Operação Lava Jato tratou exclusivamente de fatos, reunindo inúmeras provas cabais de toda ordem, com as confissões mais variadas e desnudando os saques aos cofres públicos mais expressivos da história brasileira. Nunca se revelou um esquema criminoso tão amplo e danoso quanto foram nos primeiros anos da Lava Jato.

A Mãos Limpas enfrentou o mesmíssimo discurso vitimista da classe política, de que a operação investia na tal criminalização da política e que tinha um projeto próprio de poder. Percebe-se com facilidade coincidências da narrativa orquestrada contra o combate à corrupção até nas palavras-chave. Entre os principais investigados na Itália, o ex-primeiro ministro Bettino Craxi fugiu de uma possível prisão ao ser processado pela Mãos Limpas e se exilou na Tunísia. Comparável ao caso do presidente Lula, ele produziu uma sequência de mensagens na forma de cartas nas quais constrói a tese de perseguição armada por figuras do Judiciário, uma fala idêntica de muitos políticos condenados pela Lava Jato.

Por que operações de combate à corrupção com massivo respaldo popular acabaram tendo desfechos tão ruins? O que aconteceu para que sua influência e seu apoio nacional se esvaziassem tanto?

Rodrigo Chemim – De fato, tanto a Mãos Limpas quanto a Lava Jato receberam grande apoio popular, a ponto de mudar o cenário político em seus países e alterar o curso de acontecimentos. Ocorre que estes grandes feitos produziram fortíssima reação contrária em favor do esvaziamento das operações.

No caso brasileiro, esta reação se deu de forma consertada por um establishment unido de uma maneira jamais vista antes. Essa coesão de poderosos contra a força tarefa brasileira ocorreu porque ela alcançou quase todos os partidos políticos. No começo, desde 2014, os alvos estavam restritos ao PT e ao PP. Mas, no fim de 2016, com a delação premiada da construtora Odebrecht, a investigação chega a praticamente todas as legendas. Foram investigados 32 dos 33 partidos, deixando apenas o PSOL de fora.

Com isso, políticos rivais se deram as mãos e até mesmo a postura dos ministros do Supremo Tribunal Federal mudou. O que estava em xeque era o próprio modo de se fazer política no país, colocando na parede todo o sistema político e sua classe dirigente. A busca de revanche se tornou então inevitável. A divisão ideológica acabou e iniciou-se a arregimentação para martelar o discurso vitimista de acusados, com viés condenatório à operação, visando desmoralizar os investigadores e, assim, inverter o jogo.

Vestir-se de vítima e pintar o acusador de criminoso foi a tática vitoriosa na Itália que se repetiu aqui, tal qual ensinou o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788–1860) no livro “Como vencer o debate sem precisar ter razão”.

Na sua opinião, como será o futuro da Lava Jato diante de tantos eventos desfavoráveis ocorridos desde 2019 e intensificados recentemente?

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Rodrigo Chemim – Receio que estejamos caminhando para um desfecho melancólico da operação. A classe dominante, como descrita no livro “Os donos do poder” pelo jurista Raymundo Faoro, enviou uma mensagem clara e direta aos procuradores e promotores de justiça do país: “Não se atrevam a chegar aonde chegaram”. Agora, estão indo atrás do senador Sergio Moro e não descansarão até prendê-lo e a Deltan Dallagnol, como ficou evidente na celebração pública da cassação do ex-deputado pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

Na Itália, a comemoração dos poderosos foi mais contida e quase envergonhada. No Brasil, eles celebram diante das derrotas da Lava Jato, algo que assusta. Como procurador de justiça, esse cenário tira minha motivação para agir, pois eu e meus colegas estamos ameaçados antecipadamente de retaliações. Receio que esse processo de vingança ainda não tenha terminado. Ele começou lá atrás, com investigações na Odebrecht que chegaram ao PSDB, até então visto como beneficiário da Lava Jato.

A partir daí, as jurisprudências mudaram, sobretudo com duas decisões que visavam destruir juridicamente a Lava Jato e pôr fim ao sucesso investigativo que expôs as entranhas corruptas do exercício do poder, revelando como o sistema corrupto funciona e como os jogos são manipulados por ele.

A primeira foi a mudança de interpretação do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância, em 2019, minando a potencialidade de efetiva punição, pois premiou a estratégia de jogar com os recursos e com a prescrição dos crimes. Em seguida, veio a decisão do Supremo de transferir as investigações sobre caixa dois da Justiça Federal para a Justiça Eleitoral, sem a devida estrutura para isso.

A Lava Jato teve o mérito de fazer a lei se tornar uma ameaça crível para aqueles que cometiam desvios de recursos públicos. Nunca tínhamos alcançado o andar de cima, que sempre recebia penas leves ou, devido aos recursos intermináveis, seus processos nunca chegavam a uma conclusão, rumando para a prescrição. A legislação benevolente sempre inibiu a repressão à criminalidade das elites, e os advogados se acostumaram a trabalhar com o tempo, apresentando 30 recursos. Na Lava Jato, os investigados correram para a delação premiada diante da impossibilidade de enfrentar provas irrefutáveis, sem a chance de anulá-las ou permitir a prescrição dos casos. Os advogados cumpriram seu papel, apoiados pela jurisprudência e apostando em uma anomalia, a da prescrição como regra. O Legislativo e o Judiciário deveriam ter o ímpeto de corrigir essa anomalia, mas o tem só até certo ponto.

Por fim, a mudança na jurisdição de processos de âmbito federal para estadual, alterando algo que vigorou por cinco anos, representou esforço terrível para anular tudo. A força-tarefa não poderia prever, em 2014, as decisões do Judiciário que enterrariam suas conquistas. Políticos como Eduardo Cunha se beneficiaram do mesmo argumento e da reação do establishment. Ficou claro que as relações de amizade no poder prevalecem sobre a lei.

Quando vemos hoje o churrasco nada republicano entre o presidente da República e ministros do STF, sabemos que Faoro estava certo ao apontar uma situação de domínio personalizado do poder que remonta aos tempos coloniais. Portanto, é algo extremamente desanimador, que deixa a população cansada e sem esperanças para o futuro próximo. Não se vislumbra a perspectiva de mudanças legislativas positivas a curto prazo para conter os abusos contra o patrimônio público.

No médio prazo, talvez haja alguma esperança, se o Parlamento reagir. E, em longo prazo, seria necessário investir pesadamente e de forma contínua na educação para a cidadania, começando agora e abrangendo cinco gerações, a fim de elevar o país a novo patamar de moralidade.

Como o senhor avalia a afirmação do procurador-geral da República, Augusto Aras, em recente entrevista ao canal Perfil, de que a Lava Jato tentou criminalizar a política e foi responsável por demissões em massa de empreiteiras, merecendo críticas por impactos negativos também na economia?

Rodrigo Chemim – É um absurdo completo, quase como se sugerisse que não interferir na corrupção seria melhor, tolerando-a como se fosse a graxa da engrenagem econômica do país desde os anos 1970. Essa afirmação é semelhante a um juiz responsabilizar o policial pelo assassinato do cadáver que ele mesmo encontrou.

O desmando político e as condutas criminosas são prejudiciais tanto para a macro quanto para a microeconomia. Internamente, não há investimento em tecnologia, mas sim na corrupção do político, em detrimento da melhoria dos produtos e processos industriais. Empresários se sentem desestimulados a participar, ou aderem ao modelo corrupto, ou então deixam o setor, resultando em um efeito ressaca em cascata. Aqueles que se corrompem desencadeiam uma onda que destrói a concorrência, criando um efeito espiral em que outros são arrastados. O criminoso tenta criar desculpas para ressignificar suas práticas. O ex-ministro Antonio Palocci, por exemplo, quando interrogado, inicialmente alega que havia parceria com a iniciativa privada, mas logo depois corrige-se, admitindo que era tudo corrupção mesmo.

O senhor acha que houve excessos explícitos da Lava Jato, como apontam hoje com muita ênfase juízes e políticos influentes?

Rodrigo Chemim – No geral, discordo dessa visão. Na minha opinião, pode ter havido excessos nas situações de condução coercitiva, que em teoria não deveriam ser consideradas como primeira opção. Além disso, acredito que a divulgação dos áudios da então presidente Dilma Rousseff em conversa com Lula não deveria ter ocorrido daquela forma. Embora seja legítimo o interesse da sociedade no conteúdo, uma vez que envolve o chefe do Executivo em exercício, o vazamento deveria ter ocorrido com autorização do STF.

Em relação às revelações trazidas pela chamada "Vaza Jato", vejo poucas coisas realmente problemáticas, que possam ser interpretadas como erros. A indicação de testemunhas é algo rotineiro. Em qualquer comarca do interior, é normal o juiz fornecer informações e providências. Por ser a figura que melhor representa a ideia de justiça, é comum que receba testemunhas em seu gabinete e as encaminhe à promotoria.

Quanto ao episódio conhecido pelo powerpoint de Deltan Dallagnol, acredito que tenha sido apenas uma tentativa de apresentar de forma didática o objeto da denúncia, mas acabou sendo explorado como uma forma precária de indicar o líder de uma organização criminosa com foro privilegiado. Foi talvez um formato infeliz de comunicação, embora não seja um erro em si.

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