Aprovada no ano passado pela Câmara dos Deputados, a Lei de Abuso de Autoridade entrou em vigor nesta sexta-feira (3), apesar de alguns pontos ainda serem questionados no Supremo Tribunal Federal (STF). A nova lei pune 45 condutas de agentes públicos no Brasil, como policiais, membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, políticos e ministros. Há pelo menos seis ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo que contestam cerca de 20 pontos da lei e que pediam decisão liminar para suspender a entrada em vigor das novas normas – nenhuma foi atendida.
O texto foi aprovado em 2017 pelo Senado e teve relatoria do ex-senador Roberto Requião (MDB-PR). Membros do Ministério Público e do Poder Judiciário chegaram a criticar alguns pontos do projeto, alegando que se tratava de uma retaliação à Operação Lava Jato, que levou à cadeia uma série de políticos, empresários e doleiros.
O projeto ficou engavetado na Câmara até agosto do ano passado, quando foi votado sem nenhuma alteração. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a vetar 36 pontos em 19 artigos aprovados pelo Congresso, aconselhado, entre outros interlocutores, pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Mas o Congresso derrubou 18 vetos do presidente, sob alegação de que Bolsonaro quebrou um compromisso de vetar apenas o artigo que tratava do uso de algemas.
A derrubada dos vetos aconteceu logo após operação de busca e apreensão realizada no gabinete do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), no que foi interpretado como uma retaliação ao Parlamento. À época, Moro e Bolsonaro estavam com o relacionamento estremecido por causa de tentativas do presidente de interferir na autonomia da Polícia Federal.
O que se contesta na Lei de Abuso de Autoridade
O relator das seis ADIs que questionam pontos da Lei de Abuso de Autoridade no STF é o ministro Celso de Mello. As ações foram propostas por entidades como Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação dos Procuradores da República (ANPR), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal (Anafisco), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
Entre as alegações, as entidades destacam que a lei criminaliza a atuação funcional de seus associados e fere a independência e a autonomia de juízes, promotores, procuradores de Justiça e do Ministério Público Federal. Não há prazo para que o Supremo se manifeste sobre os pedidos. Enquanto o STF não julgar as ADIs, a lei segue em vigor em sua integralidade.
O ministro Celso de Mello já rejeitou duas das ADIs contra a Lei de Abuso de Autoridade propostas por considerar que a Anafisco e a Anfip não têm legitimidade para propor esse tipo de ação no STF. A Constituição estabelece, no artigo 103, quem pode propor ADIs no Supremo: presidente da República, as mesas do Senado, da Câmara, de Assembleias Legislativas ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, governadores de estado, procurador-geral da República, OAB, partidos políticos com representação no Congresso e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. As outras quatro ADIs continuam tramitando no STF.
O que a lei define como abuso de autoridade
A Lei de Abuso de Autoridade passou a prever punição de multa ou prisão para condutas como negar habeas corpus quando manifestamente cabível (um a quatro anos de prisão, mais multa) e negar o acesso aos autos do processo ao interessado ou seu defensor (seis meses a dois anos de prisão, mais multa).
Além de penas de prisão e multa, diversos pontos preveem ainda sanções administrativas, como a perda ou afastamento do cargo, e cíveis, como indenização. Para incorrer em crime, a lei prevê que as condutas sejam praticadas com a finalidade de beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou com o objetivo de prejudicar alguém, ou ainda “por mero capricho ou satisfação pessoal”.
Veja alguns exemplos:
- Decretar condução coercitiva sem prévia intimação – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Deixar de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Deixar de comunicar prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária no prazo legal – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Deixar de comunicar a prisão de uma pessoa e o local onde está presa à sua família – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Deixar de comunicar ao preso em 24 horas, qual é o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Deixar de executar alvará de soltura imediatamente após ser recebido ou deixar de soltar o preso quando esgotado o prazo legal da prisão – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Constranger o preso, mediante violência ou grave ameaça, a exibir o corpo ou parte dele à curiosidade pública – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Constranger o preso, mediante violência ou grave ameaça, a submeter-se a situação vexatória ou constrangimento não autorizado em lei – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Impedir ou retardar o envio de pedido de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia – pena de 1 a 4 anos e multa;
- No caso de magistrados, deixar de tomar providências, se ciente da demora. Também no caso de magistrado, se incompetente para tomar a decisão sobre soltura, deixar de enviar o pedido à autoridade judiciária competente – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Manter, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Invadir ou adentrar imóvel alheio sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Coagir alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h ou antes das 5h – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Manipular cena de crime para fugir de responsabilidade ou para incriminar outra pessoa – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Obter provas por meios ilícitos – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Usar prova colhida por meio ilícito contra investigado, com prévio conhecimento de sua ilicitude – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, sem indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa – pena de seis meses a dois anos;
- Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Utilizar de cargo ou função pública ou invocar a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte – pena de 1 a 4 anos e multa;
- Demorar no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento – pena de 6 meses a 2 anos e multa;
- Realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei – pena de 2 a 4 anos e multa;
Com informações da Agência Brasil
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