Um projeto de lei que cria normas e metas para investimentos na área social voltou a ganhar força no Congresso Nacional após o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aliados defenderem que a responsabilidade social e a responsabilidade fiscal devem caminhar juntas. Chamada de Lei de Responsabilidade Social, a proposta de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) visa aperfeiçoar a rede de proteção social do país.
O projeto define que o combate à miséria no Brasil deve partir de três programas sociais prioritários: o Benefício de Renda Mínima (BRM), que atuaria de forma similar ao Bolsa Família; a Poupança Seguro Família (PSF), que ajudaria trabalhadores informais no ato da queda de sua renda; e o Programa Mais Educação (PME), que consistiria no depósito mensal de recursos em uma conta em nome de jovens que estão na escola, para que eles tenham acesso à verba após a conclusão do ensino médio.
Outra determinação do projeto é o estabelecimento de metas para os níveis de pobreza e extrema pobreza no Brasil. A pobreza deveria estar em 12% no primeiro ano de vigência da lei, recuando para 10% no terceiro; com a extrema pobreza, a exigência seria de 4% a 2%. A sugestão determina que, caso os níveis não sejam alcançados, o governo federal precisa apresentar justificativas ao Congresso, que deliberaria a respeito.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), relatora do projeto de Lei da Responsabilidade Social, elogia a proposta em seu relatório e faz contrastes entre a iniciativa e o atual Auxílio Brasil, implantado pelo governo Bolsonaro em substituição ao Bolsa Família.
"Vemos na Lei de Responsabilidade Social outras vantagens em relação ao Auxílio Brasil. Uma é prever um conjunto mais enxuto de pagamentos, em vez do grande número de benefícios previstos no Auxílio Brasil, que – além de não terem sido justificados nem terem tido contas apresentadas – podem complicar a operação na ponta da nossa rede de proteção social", argumentou a senadora.
Em que pé está a proposta no Senado
Na última quarta-feira (16), a proposta de Tasso constou na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, mas não foi apreciada por falta de quórum. Senadores da base aliada de Jair Bolsonaro (PL) boicotaram a reunião.
O líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), havia dito, ainda na terça-feira (15), que a convocação do encontro da CCJ tinha "cheiro de manobra" para "tramitar a PEC que não existe". Posteriormente, com o cancelamento da reunião confirmado, ele escreveu que a "manobra" havia sido frustrada e que seus adversários não ganhariam "no atropelo".
A crítica de Portinho não é exatamente ao projeto da Lei de Responsabilidade Social, mas sim à proposta de emenda à Constituição (PEC) fura-teto, que vai começar a tramitar no Senado e que é vista no entorno de Lula como a garantia de recursos para programas sociais, como Auxílio Brasil e Farmácia Popular.
Os dois projetos, entretanto, conversam entre si. A Lei de Responsabilidade Social prevê o estabelecimento permanente de fontes de recursos para programas de cunho social e metas específicas para reduzir a pobreza e extrema pobreza no Brasil. Já a PEC assegura os recursos para programas sociais fora do teto de gastos e sem prazo definido, o que tem causado apreensão no mercado financeiro.
Na noite de quarta, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) foi ao Congresso apresentar uma minuta da PEC a deputados federais e senadores. Relator do Orçamento para 2023, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) se uniu ao presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre (UB-AP), para enfatizar que o texto entregue por Alckmin é uma sugestão de integrantes do futuro governo e que o documento definitivo será elaborado pelos parlamentares. Castro disse também que acredita na aprovação da PEC pelo Senado ainda no mês de novembro.
Alcolumbre rebateu a crítica de Portinho e disse ser "impossível" que ele e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), imponham uma PEC. Para que uma PEC seja implantada, precisa ser aprovada tanto por Câmara quanto por Senado, com o voto favorável de pelo menos três quintos dos membros de cada Casa, com dois turnos de votação em cada uma.
Nesta quinta-feira (17), em nota, o líder do governo disse que os senadores da base estão "dispostos a dialogar para ter o Auxílio Brasil no valor de R$ 600", mas discordam da proposta por ela ser extrateto e por um período de quatro anos". "Não adianta dar o aumento e causar inflação, crescimento dos juros. Tudo isso vai corroer o valor de compra. Ou seja, não haverá ganho", afirmou Portinho.
Com a prioridade de momento sendo a tramitação da PEC fura-teto, Alcolumbre disse que ainda não há uma previsão de inserção do projeto da Lei de Responsabilidade Social na pauta de uma reunião futura da CCJ. Portinho afirmou que não falará sobre o assunto até que ocorra uma nova etapa da tramitação.
Um complicador é o fim de mandato de Tasso e de Tebet. Ambos não estarão no Congresso a partir de 2023: o senador tucano optou por não participar das eleições de 2022 e a senadora, que está em fim de mandato, concorreu à Presidência da República e ficou em terceiro lugar. Ela integra o gabinete de transição de Lula no grupo técnico que discute a área social.
O Senado promete fazer um esforço concentrado nas próximas semanas, com a meta de "limpar" pautas de votação, mas não há um indicativo de que a proposta de responsabilidade social fará parte da empreitada.
Lei de Responsabilidade Social recebe acenos públicos
A intersecção entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal vem ganhando força após manifestações públicas do futuro governo Lula. O presidente eleito afirmou nesta quinta, no Egito, onde participa da COP27, que não adianta falar em responsabilidade fiscal sem antes pensar na responsabilidade social.
O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin fez um gesto neste sentido ao anunciar os primeiros membros do gabinete de transição justamente nas áreas de economia e social, no último dia 8, deixando claro que as duas áreas caminham juntas e têm a mesma importância para o futuro governo. Entre os nomes anunciados estava o da senadora Simone Tebet, relatora do projeto de Lei de Responsabilidade Social.
Já o economista Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central e apontado como um dos "pais" do Plano Real, declarou nesta semana, durante palestra em Nova York, que as responsabilidades fiscal e social não podem ser opostas. Para ele, as duas metas precisam ser pautadas de forma simultânea e expôs que a desestatização de empresas pode ser uma fonte de recursos para custear os programas sociais.
"Políticas sociais sem responsabilidade fiscal geram uma crise econômica que acaba por inviabilizá-las. Temos exemplos opostos também", disse Arida, que é historicamente próximo do PSDB e adversário do PT, mas faz parte da ala de economistas que auxilia Lula na transição governamental.
No mesmo evento em Nova York, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes demonstrou apoio à criação de uma Lei de Responsabilidade Social. "O Brasil foi um dos pioneiros entre economias emergentes a adotar uma Lei de Responsabilidade Fiscal, com inegável sucesso no objetivo de criar uma cultura de controle e transparência na atividade financeira do Estado. Choca que, até hoje, não tenhamos feito o mesmo no âmbito social".
"Coloco-me na fileira daqueles que estimam que precisamos urgentemente de uma Lei de Responsabilidade Social que, à semelhança da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabeleça normas de organização administrativo-federativa voltada para a responsabilidade na elaboração, implementação, consolidação e expansão de políticas públicas sociais de todos os Entes Federativos", completou.
Para ele, uma Lei de Responsabilidade Social pode ser de grande valia para estabelecer critérios técnicos para a execução de obras e serviços públicos, por exemplo. "Nessa ordem de ideias, o fiscal e o social se complementam", disse.
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