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O que já foi discutido na comissão que estuda mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro

Moeda Nacional, Real, Dinheiro, notas de real (Foto: Marcello Casal JrAgencia Brasil)

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A comissão de juristas instaurada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para propor mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro completa dois meses nesta segunda-feira (23). O grupo, formado por 43 juristas, discute propostas para atualização da legislação, mas a discussão tem causado preocupação em integrantes do Ministério Público, que temem retrocessos.

As primeiras reuniões da comissão foram fechadas e a falta de transparência também acendeu um alerta em grupos que defendem o combate à corrupção no país. As entidades consideram a Lei de Lavagem de Dinheiro um instrumento importante para combater tanto a corrupção quanto o crime organizado.

Veja tudo que já se sabe sobre a comissão de juristas e as discussões realizadas pelo grupo até agora:

Para que serve a comissão de juristas

A comissão foi criada pelo presidente da Câmara no dia 8 de setembro e instaurada no dia 23 do mesmo mês. No documento em que justifica a criação do grupo, Maia dá pistas do que espera do grupo de juristas.

“Decisões judiciais têm promovido um alargamento do tipo objetivo do crime de lavagem contrário à lei e em afronta ao princípio da subsidiariedade do direito penal, promovendo condenações em casos que extrapolam a previsão legislativa”, afirmou.

Além disso, Maia alega que a comissão deverá levar em consideração “a problemática concernente ao crime de lavagem de dinheiro e ao denominado caixa 2 eleitoral, o qual produz decisões judiciais conflitantes e traz insegurança ao processo eleitoral”.

Formação da comissão foi o primeiro sinal de alerta

O grupo que vai propor mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro é formado majoritariamente por advogados de investigados, réus e condenados por esse tipo de crime. Dos 43 integrantes do grupo, 24 são advogados — destes, 18 defendem ou já defenderam políticos envolvidos com esse tipo de crime.

A comissão também conta com seis membros do Ministério Público, três ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nove juízes e desembargadores. Fecha a lista de integrantes a deputada federal Margarete Coelho (PP-PI).

Entre os advogados, há profissionais que atuam ou já atuaram na defesa de políticos como Eduardo Cunha (MDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geddel Vieira Lima (MDB), Sérgio Machado, ex-diretor da Transpetro, Romero Jucá (MDB) e Gleisi Hoffmann (PT), entre outros.

Para um procurador ouvido pela Gazeta do Povo, há um conflito de interesses na formação da comissão, já que, caso seja aprovada uma legislação mais branda, a lei pode retroagir e beneficiar pessoas já condenadas.

O relator da comissão de juristas é o desembargador que concedeu prisão domiciliar ao ex-ministro Geddel Vieira Lima. Em 2017, Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1) determinou que Geddel fosse liberado da Penitenciária da Papuda mesmo sem tornozeleira eletrônica. O ex-ministro havia sido preso pela operação Greenfield e, meses mais tarde, a PF encontraria R$ 51 milhões em seu apartamento ao cumprir um mandado de busca e apreensão.

O que dizem os membros da comissão

Os integrantes do grupo formado na Câmara afirmam que o objetivo é adequar a Lei de Lavagem de Dinheiro ao cenário atual, sem promover retrocessos.

“Não há intenção de flexibilizar qualquer norma, principalmente aquela que diz respeito ao caixa dois de campanha. O que se pretende é ter uma lei que responda aos desafios impostos a ela e aos poderes da República”, disse a deputada Margarete Coelho.

O desembargador Bello disse que já existe uma polarização em relação ao que poderá ser produzido pelo grupo, mas ressaltou que a ideia é justamente ouvir os vários lados. “A maneira de fugir dessa polarização é exatamente transformar a comissão em um ambiente mais plural possível”, comentou. “Repetindo em si a função do Parlamento: traduzir no processo legislativo os anseios e as compreensões de todos.”

Que mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro já foram discutidas na comissão

Antes mesmo de iniciar as audiências públicas para ouvir entidades com expertise em investigações de lavagem de dinheiro, a comissão se reuniu a portas fechadas para discutir algumas propostas de alteração na legislação atual.

Entre as propostas levantadas está retirar do rol de crimes de lavagem a mera ocultação de bens e valores. Se levada adiante, a alteração fará com que o Brasil descumpra convenções internacionais e, por consequência, perca investimentos estrangeiros.

Outras propostas, como a diminuição de penas e a obrigatoriedade de uma condenação pelo crime antecedente ao de lavagem de dinheiro, também foram apresentadas.

Um dos advogados propôs, por exemplo, a diminuição da pena para os crimes de lavagem. Atualmente, a pena prevista em lei é de 3 a 10 anos. A pena sugerida durante a reunião foi de 3 a 6 anos.

A outra proposta, que também partiu de um dos advogados integrantes do grupo, tem a ver com a relação do crime antecedente ao da lavagem de dinheiro. A sugestão é que a lavagem só possa ser punida quando houver uma condenação por um crime anterior, que deu origem aos valores ilícitos.

Por fim, outra ideia levantada na primeira reunião da comissão foi estabelecer que a pena para crimes de lavagem devem ser equivalentes às penas dos crimes que deram origem ao dinheiro sujo. O que também é visto como um problema por membros do MP.

Por que mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro podem interferir na economia

Uma mudança para enfraquecimento da Lei de Lavagem de Dinheiro pode fazer com que o Brasil entre na lista cinza do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), órgão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso mudaria o grau de risco financeiro internacional do Brasil e poderia diminuir os investimentos no país.

A Transparência Internacional encaminhou em outubro à OCDE dois relatórios com denúncias de retrocessos no combate à corrupção no Brasil. Em um dos documentos, a ONG alerta para a criação da comissão de juristas.

A Transparência Internacional afirma que “preocupações já surgiram” em relação ao tema, como a ausência do Coaf na comissão e “que a reforma possa minimizar os esforços do país para combater a lavagem de dinheiro”.

O presidente do Coaf, Ricardo Liáo, foi ouvido pela comissão e ressaltou que as normas brasileiras atuais sobre lavagem de dinheiro são consideradas alinhadas às recomendações do Gafi e serão novamente avaliadas pelo grupo em 2021. Essa avaliação seria essencial para manter o grau de risco financeiro internacional do Brasil.

Maurício Moura, diretor do Banco Central, também foi ouvido e salientou que qualquer desalinhamento às recomendações do Gafi pode ter “implicações econômicas graves” para o Brasil. “Obviamente isso reduz muito a atratividade do país ao investimento estrangeiro, o próprio risco do país aumenta muito, dificulta ainda mais nos retornarmos ao grau de investimento, isso praticamente bloqueia nossa entrada na OCDE, o chamado clube dos países ricos, o que reduz o nosso reconhecimento mundial como país atraidor de investimentos”, disse.

Quem já foi ouvido pela comissão sobre lavagem de dinheiro

Desde que foi instaurada, a comissão já realizou audiências públicas para ouvir representantes do Judiciário, do Ministério Público e de órgãos de controle que lidam com a investigação e prevenção de crimes de lavagem de dinheiro.

Entre eles estão:

  • André Mendonça, ministro da Justiça e da Segurança Pública;
  • Mário Guerreiro, conselheiro do CNJ;
  • Bruno Calabrich, procurador regional da República;
  • Claudenir Brito Pereira, representante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; 
  • Otávio Andrade Allemand Borges, Associação dos Peritos Criminais Federais;
  • Ricardo Liáo, presidente do Coaf;
  • Maurício Moura, diretor do Banco Central;
  • Edson Garutti, representante da Estratégia Na
  • cional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla);
  • Alexandre dos Santos, superintendente geral da Comissão de Valores Mobiliários (CVM);
  • Isaac Ferreira, Presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban);
  • Vitor Cunha, representante da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR);
  • Daniel Bomfim, diretor de Assuntos Legislativos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); 
  • Nino Oliveira Toldo, Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe);
  • Tarcísio José Sousa Bonfim, vice-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp);
  • Márcio Barandier, representante do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB);
  • Juliano Breda, presidente da OAB.<br />

Críticas às propostas apresentadas pelos juristas para alterar Lei de Lavagem de Dinheiro

Ouvidos pela comissão, representantes dos Conselhos Nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) pediram cuidado para que não haja retrocessos na lei para o crime de lavagem de dinheiro.

Daniel Bomfim considera que seria um retrocesso retirar o caráter de crime autônomo que a lavagem atualmente tem. “Seria um retorno ao que chamamos de legislação de segunda geração. Essa restrição do rol de crimes antecedentes é prejudicial, seria a vinculação do crime principal à do crime parasitário e redução do espectro do crime de lavagem”, explicou.

Para Guerreiro, também é importante manter a lavagem de dinheiro como um crime autônomo. O conselheiro do CNJ também defendeu que a ocultação do dinheiro continue fazendo parte das etapas do crime de lavagem.

Calabrich insiste que a ocultação não seja retirada do tipo penal, o que poderia aumentar a impunidade, segundo o procurador. Por isso, ele quer que qualquer revisão em penas para o crime de lavagem não vá no sentido de reduzi-las, mas sim de aumentá-las, em determinados casos.

“Por exemplo, quando houver lavagem de dinheiro transnacional, quando houver lavagem de dinheiro com utilização de meios sofisticados de lavagem, com a utilização de criptomoedas, diminuir as penas deve estar fora de cogitação”, propôs.

Com relação a reintroduzir os crimes antecedentes para a existência do crime de lavagem de dinheiro, o procurador afirma que seria “caminhar na contramão do que todo o mundo vem fazendo nos últimos anos.”

Representante do BNDES, Claudenir Brito Pereira ressaltou na comissão a importância de a legislação brasileira ser rígida no combate ao crime de lavagem de dinheiro.

“A nossa preocupação é que a gente realmente seja visto no exterior como país que se preocupe com o combate à corrupção", defendeu. Ele também defendeu que o Brasil continue seguindo as diretrizes internacionais quanto à autonomia do crime de lavagem de dinheiro, sem precisar de um crime anterior.

Além da autonomia do crime de lavagem de dinheiro, o presidente do Coaf, Ricardo Liáo, citou como fundamental a autonomia do órgão para combater a lavagem de dinheiro. Ele lembrou que esse entendimento foi confirmado por decisão do Supremo Tribunal Federal no ano passado sobre a não necessidade de autorização judicial para o Coaf compartilhar relatórios com órgãos de combate à corrupção.

Garutti considera o momento inadequado para rever a lei. “É com grande preocupação que as instituições membros da Enccla estão vendo esse movimento de revisão da Lei de Lavagem de Dinheiro neste momento. É um momento de avaliação do Brasil pelo Gafi”, apontou, citando a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla).

Alexandre dos Santos, superintendente geral da CVM, também considera que “as conquistas da lei não devem ser objeto de discussão agora”, e que qualquer reformulação deve ser cuidadosa. Conforme ele, qualquer interpretação de que o Brasil enfraqueceu a lei pode afastar investimentos.

Não foram só críticas

Entre os juristas ouvidos pela comissão até agora, nem todos criticaram as mudanças discutidas nas primeiras reuniões. Para representante do IAB, Márcio Barandier, é impossível pensar no crime de lavagem de dinheiro sem o crime que o antecedeu.

“O crime de lavagem de dinheiro pressupõe um ilícito penal anterior. Há uma dependência intrínseca. É inconcebível, a nosso ver, a caracterização de um delito sem uma de suas elementares”, disse.

“A independência total dos processos pode conduzir e tem conduzido às vezes a decisões contraditórias, até teratológicas, como condenações por lavagem de dinheiro sem confirmação do ilícito penal anterior”, criticou Barandier.

Ele se manifestou a favor da redução das penas para a lavagem, com previsão de aumento de acordo com a gravidade do crime antecedente.

Propostas feitas à comissão sobre lavagem de dinheiro

Além de criticar algumas das mudanças discutidas pela comissão, autoridades ouvidas pelos juristas também fizeram suas próprias sugestões para melhorar a legislação.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, defendeu sanções mais rigorosas para agentes públicos que vazarem informações sigilosas relacionadas ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

“Precisamos de mecanismos sérios, sem corporativismo, para [combater o] uso indevido da informação. Assim como devemos sancionar com todo rigor um traficante de drogas, um agente corrupto que está lá com um processo de lavagem, eu também tenho que, com todo rigor, sancionar as autoridades que fazem uso indevido da informação, às vezes até para desqualificar agentes públicos que, ao final, sequer são objeto de uma sanção por parte do Judiciário”, propôs.

Mendonça também defendeu maior objetividade nas regras para compartilhamento de informações e uma estrutura que evite o monopólio de decisão das autoridades que vão conduzir o processo.

O representante da Associação dos Peritos Criminais Federais, Otávio Andrade Allemand Borges, que faz parte do quadro de peritos da Operação Lava Jato, apresentou uma série de sugestões para aperfeiçoar a legislação contra a lavagem de dinheiro. Entre elas estão, por exemplo, a proibição de que bens, valores ou qualquer proveito que comprovadamente veio do ilícito sejam aptos a integrar espólio de herdeiros ou terceiros.

Ele também propôs intensificar a investigação de casas que comercializam criptomoedas (exchanges) e plataformas digitais que concedem crédito para pessoas físicas e jurídicas (fintechs).

Borges também defendeu o fim do limite de R$ 20 milhões para multas administrativas para transações irregulares no sistema financeiro. “Existem transações em bancos e doleiros que superam essa quantia. Dentro de um cálculo econômico, se a pessoa achar que pode ganhar mais do que isso, o crime pode compensar”, alertou o perito.

Próximos passos da comissão

O prazo para conclusão do trabalho da comissão de juristas é de 90 dias, ou seja, termina no dia 23 de dezembro. O coordenador da comissão, ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca, pode pedir a prorrogação do prazo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se achar necessário.

Fonseca já afirmou que pretende levar à discussão dos parlamentares os temas sobre os quais for possível construir um consenso dentro da comissão. Com o relatório pronto, as propostas serão analisadas pela Câmara dos Deputados e, depois, pelo Senado.

*Com informações da Agência Câmara

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