No momento em que o Brasil vive o pior momento da pandemia, com recordes diários de novos casos e óbitos, vários estados passam por um colapso nos sistemas de saúde, com Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) lotadas e filas de pacientes infectados pela Covid-19 à espera de vaga nos hospitais.
Segundo o último boletim do Observatório Covid-19, elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e divulgado em 31 de março, o quadro geral de leitos no país se mantém extremamente crítico. O documento aponta que apenas Roraima e Amazonas, que enfrentaram recentemente crises regionais severas na saúde, encontram-se agora em alerta intermediário de leitos de UTI, com ocupação de 62% e 76%, respectivamente. Em outros 17 estados e o Distrito Federal, a taxa passa dos 90%.
“Neste novo patamar da pandemia, a situação mudou drasticamente. Se o Amazonas, com o colapso do seu sistema de saúde, constituiu um alerta do que poderia ocorrer em outros estados, a situação hoje de São Paulo é um alarme do quanto esta crise pode ser mais profunda e duradoura do que se imaginava até então", destacam os pesquisadores da Fiocruz.
O levantamento reforça que, no início da pandemia, em fevereiro de 2020, São Paulo contava com 111 municípios com estrutura hospitalar suficiente para enfrentamento da Covid-19. Pouco mais de um ano depois, a ocupação das UTIs naquele estado ultrapassa 92%, evidenciando a fragilidade das estruturas de combate ao vírus, que se mostram insuficientes para enfrentar a rapidez com que a doença se espalha.
Situação crítica também é vivida pelos estados do Mato Grosso do Sul e Amapá. Nessas unidades federativas, a ocupação de leitos da UTI já ultrapassou 100%, aponta o boletim. No Mato Grosso, mesmo após 10 dias de restrições ao comércio e serviços, inclusive com toque de recolher, a taxa de ocupação nas unidades de tratamento intensivo subiu para 103% na última segunda-feira (5).
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) aponta que, no momento, a fila por espera de vagas na maioria dos estados é causada, principalmente, pela longa permanência nesses leitos de UTI por pacientes mais jovens, que necessitam de acesso ao serviço logo no início dos sintomas. “É importante ressaltar que todas as regiões do país são afetadas simultaneamente, com acentuada circulação de cepas mais transmissíveis”, diz o órgão.
Cirurgias adiadas
Atualmente, diversos governadores têm relatado dificuldades em se ampliar o número de leitos de UTIs. A alta demanda tem feito com que muitos estados cancelem cirurgias eletivas.
A medida é defendida pelo Conass, que recentemente emitiu uma nota recomendando a suspensão dessas intervenções enquanto não houver a regularidade no abastecimento de medicamentos, em quantidade suficiente e em tempo oportuno, e a diminuição do número de casos e de internações pela Covid-19.
Número de leitos na UTI
Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) colhidos no dia 5 e repassados pelo Conass apontam que o Brasil tem atualmente 48.302 leitos de UTIs para assistência geral.
Outros 25.041 leitos de UTI exclusivos para tratamentos da Covid-19 fazem parte dos planos de contingência estaduais, dos quais 15.474 são financiados pelo governo federal.
O médico Marcelo Moock (SP), especialista em Medicina Intensiva e membro da Comissão de Ética e Defesa do Exercício Profissional da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), afirma que o número de UTIs no Brasil é relativamente alto, praticamente o dobro em comparação com a comunidade europeia se calculada a média por habitante. O que acontece, segundo ele, é uma má distribuição. “O Brasil é um país caracterizado pelas suas desigualdades e com as UTIs não seria diferente. Temos uma grande densidade de leitos de tratamento intensivo no Distrito Federal, seguido pela região Sudeste, Sul. Já o Nordeste e o Norte são regiões com poucos leitos intensivos. Então o número consolidado é bom, mas a distribuição é ruim”, diz.
Leitos de UTI para assistência Geral:
TIPO DE LEITO | Total | SUS | Não SUS |
UTI ADULTO - TIPO I | 6.673 | 380 | 6.293 |
UTI ADULTO - TIPO II | 20.172 | 12.639 | 7.533 |
UTI ADULTO - TIPO III | 5.734 | 2.430 | 3.304 |
UTI PEDIATRICA - TIPO I | 936 | 75 | 0 |
UTI PEDIATRICA - TIPO II | 2.952 | 2.044 | 908 |
UTI PEDIATRICA - TIPO III | 1.106 | 591 | 515 |
UTI NEONATAL - TIPO I | 1.588 | 20 | 0 |
UTI NEONATAL - TIPO II | 6.251 | 4.183 | 2.068 |
UTI NEONATAL - TIPO III | 1.488 | 687 | 801 |
UTI DE QUEIMADOS | 234 | 158 | 76 |
UTI CORONARIANA - TIPO II | 878 | 298 | 580 |
UTI CORONARIANA - TIPO III | 290 | 36 | 254 |
48.302 | 23.541 | 22.332 |
Fonte: CNES em 5/4
Dificuldades para ampliar leitos de UTI na pandemia
Segundo o Conass, seria possível ampliar o número de leitos, porém, estados e municípios sofrem atualmente com dificuldades de contratação de recursos humanos e aquisição de insumos para abertura de mais leitos de UTI-Covid19. Alguns dos problemas, segundo o órgão, são o aumento do consumo de medicamentos utilizados na intubação, como sedativos, analgésicos e bloqueadores neuromusculares.
Medicamentos fundamentais para pacientes com Covid-19 e outros problemas de saúde também passaram a ser uma grande preocupação frente à perspectiva de esgotamento.
Um levantamento divulgado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) no início de abril mostra que em 44,7% dos 2.553 municípios pesquisados há risco iminente de desabastecimento do “kit intubação”, nome dado aos insumos utilizados neste processo. Outras 625 (24,5%) cidades apontaram que temem a falta de oxigênio em seus municípios para o tratamento de pacientes com Covid-19.
A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) alerta para outro problema grave, que dificulta a ampliação de leitos: a enorme defasagem de profissionais intensivistas.
Segundo a entidade, a carência de médicos com especialidade no tratamento intensivo é enorme. Atualmente são 7,2 mil especialistas que atendem pacientes em estado grave no Brasil, quando para a demanda atual seriam necessários, pelo menos, 32,8 mil.
Alta taxa de mortalidade
Marcelo Moock alerta que a expansão de leitos na UTI, um esforço que vem sendo realizado por estados e municípios por conta da alta demanda, é uma forma de enfrentar a pandemia, porém, essa ampliação paliativa acaba influenciando diretamente na alta taxa de mortalidade de pacientes com Covid-19 internados nessas unidades. “Está havendo uma expansão por meio de recursos materiais que estão sendo colocados, dinheiro, equipamentos, mas não temos capital humano qualificado, com mais experiência para poder trabalhar nessas estruturas. Há leitos que foram expandidos de forma muito vigorosa em alguns lugares.”, aponta.
Segundo o especialista, o resultado disso é uma mortalidade elevada, de até 80% em pacientes internados por coronavírus nas UTIs brasileiras, quando a taxa regular seria entre 30% e 40%. “Você fornece uma assistência, as famílias ficam reconfortáveis, afinal, seu parente foi para um leito de UTI, mas os resultados são muito ruins. Isso aconteceu também na Itália, na França e Estados Unidos nos piores momentos da pandemia. Não é uma questão só do Brasil e sim mundial. Quando você faz a expansão (das UTIs) e não tem capital humano qualificado o resultado é ruim. É uma resposta que os governos dão evidentemente, mas esbarram na indisponibilidade de pessoal.
Alternativas para a falta de UTIs
O estudo elaborado pela Fiocruz aponta que uma alternativa a essa demanda seria um aumento na testagem em massa e a aceleração da vacinação.
“A vigilância, com ampla testagem, continua sendo um horizonte, embora até aqui muito aquém do que seria desejável. A aceleração da vacinação deve ser perseguida e perspectivas se abrem para maior disponibilização de vacinas e ampliação significativa da cobertura nos próximos meses.”, diz o levantamento.
“A incapacidade de diagnosticar correta e oportunamente os casos graves, somado à sobrecarga dos hospitais, num processo que vem sendo apontado como o colapso do sistema de saúde, tem elevado a letalidade da doença, dentro e fora de hospitais.”
Outra medida apontada pelos pesquisadores seria a necessidade de ampliar medidas rigorosas para o controle e prevenção da doença, como bloqueio ou lockdown por períodos específicos, combinadas com outras formas de mitigação envolvendo o distanciamento físico e social, evitando aglomerações, além da ampliação do uso máscaras adequadas de forma correta. “Estas medidas continuarão sendo fundamentais até que se obtenha um controle da pandemia.”
Financiamento das UTIs
No final de março, o Ministério da Saúde autorizou a abertura de mais 2,4 mil leitos de UTI exclusivos para atendimento de pacientes com Covid-19 em 23 estados e no Distrito Federal. O valor do repasse mensal para custeio das estruturas será de mais de R$ 113,6 milhões.
Segundo o Conass, a medida é paliativa e o ideal seria diminuir as taxas de transmissão do coronavírus para diminuir a pressão sobre os leitos, especialmente com a intensificação das medidas não farmacológicas, como o distanciamento social.
“A vacinação gera um importante impacto para reverter essa situação e o PNI (Programa Nacional de Imunização), deve garantir a vacinação da população brasileira com a maior celeridade possível”, diz o conselho, que alerta ainda que a redução dos recursos para a saúde no orçamento deste ano pode agravar medidas de prevenção e tratamento.
“Em 2021, com poucos recursos confirmados para gastos extraordinários, está prevista queda de cerca de R$ 35 bilhões nas despesas em saúde na comparação com 2020 — apesar do aumento da necessidade de atendimento, uma consequência da alta do contágio pela Covid-19”, diz o Conass.”
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