Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski durante audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados| Foto: Lula Marques/Agência Brasil
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O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, defende que a Segurança Pública, hoje uma atribuição dos governos dos estados, passe para as mãos do governo federal. A estrutura proposta pelo ministro é característica de governos totalitários, como Venezuela e Cuba, onde o Executivo exerce controle total sobre as polícias. A ideia em geral desagrada membros da oposição e analistas de segurança. Mas, segundo alguns analistas e políticos ouvidos pela reportagem, um ponto específico tem potencial real para reduzir a violência: a vinculação de verbas específicas para o setor nos orçamentos dos governos federal e estaduais.

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Lewandowski começou a defender publicamente a ideia no fim de abril no Seminário Brasil Hoje, voltado a empresários em São Paulo. O ministro argumentou que o crime tem ramificações nacionais e na internet, e por isso deveria ser combatido com um modelo de "SUS (Sistema Único de Saúde) da Segurança Pública".

De acordo com o ministro, a União precisa ter a prerrogativa de fazer um planejamento nacional de Segurança Pública cuja adoção seja compulsória para estados e municípios. Ao contrário do proposto pelo ministro, a Constituição Federal confere autonomia aos estados na gestão dessa área. Por isso, o posicionamento de Lewandowski vem gerando polêmica, especialmente com os governadores, que tendem a perder poder com a medida.

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Uma das vozes contrárias é a do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Ele avalia que os estados precisam, na verdade, de recursos para investir tanto na segurança ostensiva, quanto na melhor estruturação de presídios. “Estamos extremamente sobrecarregados no que diz respeito aos gastos com segurança. E a contrapartida do governo federal tem sido muito pequena, quase simbólica”, afirmou o governador à Gazeta do Povo.

Hoje, falta integração entre os diversos órgãos policiais pelo país. Na prática um suspeito que já tenha sido flagrado cometendo um crime em um estado pode aparecer como ficha limpa se for abordado por policiais de outra unidade da federação. Além disso, raramente os diversos órgãos policiais, mesmo dentro de um único estado, conseguem trocar informações de inteligência ou mesmo colaborar de forma eficaz.

Mas, segundo analistas e parlamentares ouvidos pela reportagem, a centralização do sistema sob o governo federal não só engessaria o sistema - impedindo que as peculiaridades e necessidades de cada local fossem levadas em conta em um planejamento de segurança - como concentraria demasiadamente a responsabilidade do uso legal da violência em um poder central. O perigo principal seria o uso político dessa estrutura policial fortificada, como ocorre em ditaduras como Venezuela e Cuba.

Segurança pública centralizada é a realidade de países com regimes autoritários

A proposta de Lewandowski não é uma inovação autoral do magistrado. A ideia de federalização da segurança pública vem sendo tentada pelo PT há algum tempo, tendo como pano de fundo não as melhorias para a segurança pública, mas o controle de uma força nacional permanente, conforme afirmou o jurista, pesquisador e responsável pelo CEPEDES - Centro de Pesquisa em Direito e Segurança, Fabrício Rebelo.

Esse modelo centralizado é adotado em países com regimes autoritários e ditatoriais, como Venezuela e Cuba, por exemplo, onde o poder de polícia é exercido por uma força federal controlada diretamente pelo Executivo nacional.

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Nos Estados Unidos, por exemplo, vigora um modelo de polícia descentralizada, onde a maioria das forças policiais são coordenadas localmente e possuem seus próprios códigos de conduta. A exceção é o FBI, a polícia federal dos americanos. Na Grã-Bretanha, apesar de não haver um comando central da polícia, o governo exerce um papel de coordenação de procedimentos e treinamento.

O modelo mais aceito no Brasil é o oposto ao da centralização, com autonomia sendo dada não só aos estados, mas também aos municípios, por serem os mais próximos da realidade criminal local e com mais conhecimento de suas especificidades. Em teoria, o modelo descentralizado está mais ligado à prevenção do crime e o centralizado daria ênfase à repressão.

A Constituição Federal estabelece que a Segurança Pública é de autonomia estadual, mas não municipal. O deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS), que também é delegado da Polícia Federal e já ocupou a presidência da Comissão de Segurança Pública da Câmara, é favorável, inclusive, à autonomia municipal. Ele afirma que o desejável é desconcentrar as atividades policiais, trazendo os municípios para o artigo 144 da Constituição Federal, que designa as atribuições da União e dos estados para o exercício da Segurança Pública. “O Brasil é dos poucos países mundo afora a não ter a segurança municipalizada, o que é um grande erro na estrutura do estado brasileiro”, afirma.

Ministro quer mudar segurança por meio de Proposta de Emenda Constitucional

A ideia de federalizar a Segurança Pública levantada por Lewandowski está na contramão da autonomia federativa de estados. Além disso, a elaboração de uma Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social por parte da União já é prevista pela lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, que estabeleceu a criação do Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP, mantendo a autonomia federativa.

O ministro defende que é necessária uma nova regra para a implementação do Sistema. De acordo com o Ministério da Justiça, a proposta do ministro é a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que altere o artigo 21 da Constituição a fim de conceder à União competência para vincular a ação dos outros entes no que diz respeito à segurança pública.

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A alteração constitucional visaria não só dar competência à União para elaborar o plano nacional de segurança que há na lei do SUSP, mas também permitir que os entes federados legislem de forma complementar sobre assuntos nos quais haja peculiaridade local.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

O panorama da segurança pública e do crime é diferente em cada estado e região

Ainda que o Brasil veja uma crescente nacionalização de facções criminosas e, por essa razão, enfrente um problema nacional de combate às drogas, conforme afirma o governador Ronaldo Caiado, os estados devem manter sua autonomia para criar e executar suas políticas de Segurança Pública. Ele afirmou que cada estado tem suas características no que diz respeito à criminalidade e, portanto, devem desenvolver estratégias específicas para seu combate.

Por exemplo, em estados com perfil econômico no qual prepondera o agronegócio, como os do Centro-Oeste e do Sul do país, há mais roubos de carga de insumos e maquinários agrícolas, chegando a 39% e 19% do total de crimes dessa natureza nas regiões, respectivamente. Os dados são do relatório da consultoria de riscos para cargas Overhaul. Na Região Sudeste, as cargas mistas são as mais visadas, enquanto na Região Norte há a preponderância de roubos de equipamentos eletrônicos.

O Rio de Janeiro é conhecido pela divisão geográfica territorial do domínio das diversas facções, incluindo milícias. São Paulo sofre com o tráfico de drogas, roubos de carga e roubos de rua e a instituições bancárias. Ou seja, cada região tem suas especificidades em relação ao combate à criminalidade, o que demanda estratégias diferenciadas de ação.

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Assim, especialistas defendem que os estados mantenham a autonomia para tomar suas decisões em relação à Segurança Pública. O deputado Sanderson, defensor da autonomia inclusive para os municípios, afirmou que o atual ministro da justiça entende pouco de segurança pública, o que talvez justifique a sua fala visando a centralização.

Legislação já prevê integração de esferas policiais, mas sem subordinação

Segundo o Ministério da Justiça, uma das principais diretrizes do ministro Ricardo Lewandowski é a integração entre os diversos atores do sistema de segurança pública para a formulação de políticas públicas para a área. A pasta cita a ação da Secretaria Nacional de Segurança Pública, que tem atuado para que haja um trabalho integrado das polícias Civil, Militar, Federal, Rodoviária Federal e Científica, em conjunto com os Ministérios Públicos estaduais e Federal, para o combate ao crime organizado e a melhoria dos índices na segurança urbana e no campo.

Além do trabalho conjunto de todas as forças na área da inteligência, a ideia da alteração constitucional é possibilitar que o governo federal possa deflagrar operações conjuntas regionalizadas que envolvam as forças locais e federais. é para chegar nesse objetivo que Lewandowski defende que seja feita uma alteração na Constituição para fortalecer o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado pela Lei nº 13.675, de 2018. A proposta é que o modelo seja modificado para que a União tenha mais poderes de fazer um planejamento nacional de caráter compulsório para os outros órgãos de segurança.

O deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), que foi o relator da Lei 13.675, afirma que a Lei do SUSP já prevê a integração e a coordenação entre os diversos atores do sistema de Segurança Pública para a formulação de políticas públicas para a área. No caso do atendimento compulsório, diga-se, obrigatório, de um planejamento de segurança pública elaborado pelo governo federal, Fraga afirma que configura uma intervenção que fere os princípios federativos.

O parlamentar, que atualmente ocupa a presidência da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, explicou que o governo poderia fixar parâmetros gerais de conduta sem inconvenientes e disse que essa proposta já está prevista na Lei do SUSP. “Eu acho que infelizmente o ministro não sabe o que está falando”, afirmou.

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Cooperação com os estados e países fronteiriços tornaria ações eficientes, diz governador

Ao invés de centralizar a segurança pública, Ronaldo Caiado defende que o governo federal deve disponibilizar mais recursos para os estados fazerem seu combate à criminalidade, além de ajudar na parte de infraestrutura física, tecnológica e na aquisição de equipamentos. Outro ponto levantado por ele é a possibilidade de ampliar a atuação da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal no monitoramento das fronteiras, por onde entram as drogas e as armas que abastecem as demais regiões do país.

Para tanto, caberia ao governo federal buscar uma maior articulação internacional, em parceria com os países vizinhos, a fim de criar um regime de cooperação nas fronteiras para o combate ao narcotráfico e ao contrabando. A cooperação para vigilância nas áreas de fronteira e a troca permanente de informações, com possíveis reforços de tropas, são algumas das ações elencadas pelo governador para serem adotadas.

Mas analistas de segurança afirmam que, dos pontos de vista técnico e econômico, é impossível policiar a fronteira terrestre brasileira devido aos seus quase 17 mil quilômetros de extensão. As Forças Armadas normalmente ajudam na tarefa, mas mesmo se os cerca de 200 mil militares do Exército fossem acionados ao mesmo tempo, ainda assim não haveria contingente suficiente. A maioria das apreensões de materiais ilícitos ocorre em rodovias, que são de patrulhamento relativamente mais fácil.

Outra ação importante para melhorar a eficácia das polícias seria a organização de um sistema nacional para o compartilhamento de dados de Segurança Pública. O deputado Sanderson explica que a criação de um banco de dados nacional poderia ser finalizada, interligando assim todas as forças policiais do país. Tal medida facilitaria a troca de informações simples entre os estados.

Seria possível, por exemplo, que policiais de todos os estados soubessem se uma pessoa é procurada ou não acessando um banco de dados único. Ou ainda, seria viável o compartilhamento rápido de dados biométricos, como impressões digitais, para que os policiais soubessem imediatamente se um suspeito está ou não usando uma identidade falsa.

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Tal sistema unificado ajudaria ainda na compilação de informações sobre segurança para fins estatísticos e daria mais clareza e transparência sobre a real situação da segurança pública no território nacional.

Atualmente, a apuração dos indicadores da área é responsabilidade das Secretarias Estaduais de Segurança Pública. A integração desses distintos sistemas estaduais possibilitaria que a organização das informações fosse feita de forma mais rápida e eficaz. Hoje esse trabalho é feito de forma lenta por órgãos governamentais e não governamentais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que é uma ONG com viés progressista.

Percentual mínimo para investimentos em segurança pode gerar resultados positivos

Outro ponto proposto por Lewandowski é que a PEC tenha previsão de recursos próprios vinculantes no Orçamento para a Segurança Pública, assim como há na Saúde e Educação. Nesse ponto, o ministro encontra ressonância com o deputado Sanderson, que se diz favorável a esse tipo de mudança constitucional.

Caso venha a ser implantada, essa modificação significaria que, na prática, o orçamento da União teria um percentual especificamente destinado às polícias que estão sob a gestão federal, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Penal Federal. Já os orçamentos dos Estados, da mesma forma, designariam um percentual específico às polícias estaduais, que são a Polícia Militar, a Polícia Civil e a Polícia Penal. Da mesma forma, poderia ser estabelecida uma porcentagem orçamentária mínima para atender aos serviços de segurança pública dos municípios.

Alberto Fraga também compartilha dessa visão e disse que, se Lewandowski implementasse uma mudança como essa, poderia, de fato, fazer algo pela Segurança Pública do país. “A Saúde tem um percentual, a Educação tem um percentual e a Segurança Pública está sempre com o pires na mão. Portanto, se realmente o ministro quer ajudar, pode começar por aí. Outras coisas são ideias mirabolantes. A gente sabe que existem os oportunistas de plantão que não conhecem nada de segurança pública”, afirmou.

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O governador de Goiás, no entanto, se disse contrário a medidas como essa, que, na sua visão, podem acabar engessando ainda mais os orçamentos estaduais que já contam com pouca margem para os gastos necessários. Na prática, governadores perderiam poder com a medida.

Ele afirmou que o investimento em segurança pública tem que ser prioridade em qualquer governo democrático, já que não existe democracia onde o crime organizado toma conta. “Essa questão de porcentual mínimo é uma excrescência. O governo federal tem é que deixar de ser omisso e apoiar mais os estados, fornecendo recursos e desburocratizando o acesso aos fundos existentes. Não engessar ainda mais as gestões estaduais”, disse.

Medidas centralizadoras podem gerar impacto na opinião pública

A Segurança Pública tem sido um dos pontos mais fracos do governo Lula, com alto índice de desaprovação popular. Em uma pesquisa de opinião divulgada pelo instituto Ipec em 21 de abril, a área foi avaliada como ruim ou péssima por 42% dos brasileiros, perdendo apenas para a inflação, cujo percentual de desaprovação foi de 46%.

Em novembro do ano passado, uma pesquisa realizada pela Atlas Intel, feita por meio da participação digital de 5.211 pessoas, revelou que, para 60,8% dos brasileiros, a criminalidade e o tráfico de drogas eram o principal problema do país. Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou seu terceiro mandato, não faltaram crises de segurança, como ondas de violência na Bahia, no Rio Grande do Norte e no Rio de Janeiro. Esta última levou à decretação da uma operação de Garantia de Lei e Ordem (GLO) em portos e aeroportos do sudeste do país, amplamente criticada por especialistas do setor e que se alonga até o momento.

Mas o anúncio da elaboração de um plano federal para a Segurança Pública, no fundo, pelo aparente caráter técnico, pode ser capaz de reverter esse cenário de descontentamento popular por um determinado período. Fabrício Rebelo avalia que a população pode acreditar que a centralização é um sinal de preocupação do governo com a área e não uma ideia de puro controle. Assim, tenderia-se a acreditar que há uma melhora no setor, quando, na verdade, isso não ocorre. “Só se percebe o erro algum tempo depois de implementada [a centralização]”, afirmou.

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