Em seu discurso de posse como ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski afirmou que a violência e a criminalidade no país têm raízes coloniais e sociais, e que, portanto, "o combate à criminalidade e à violência, para ter êxito, precisa ir além de uma permanente e enérgica repressão policial, demandando a execução de políticas públicas que permitam superar esse verdadeiro apartheid social que continua segregando boa parte da população brasileira".
Ainda nesse sentido, afirmou que todas as ações serão realizadas com "estrito respeito dos direitos e garantias fundamentais dos investigados e acusados, especialmente, no que concerne o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido [processo] legal".
Levandowski tem uma visão progressista da segurança pública. Quando estava no Supremo foi o responsável pela implementação das audiências de custódia que libertaram mais de 500 mil presos nos últimos oito anos. Ele também apoia, por exemplo, o uso de câmeras corporais por policiais. O aparato vem sendo apontado por analistas como responsável por diminuir a efetividade das forças policiais.
Lewandowski também defendeu que é preciso aprofundar a aliança com os Estados e municípios a quem, constitucionalmente, também cabe a gestão da segurança pública. O ministro defendeu que órgãos como Receita Federal, o Conselho Nacional de Justiça, entre outros, também possam fornecer amplas informações para asfixiar financeiramente as facções criminosas.
O ministro tomou posse na manhã desta quinta-feira (1º) em uma cerimônia no Palácio do Planalto que contou com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT); do vice-presidente, Geraldo Alckmin; do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso; do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Cosa, e do ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Paulo Pimenta, entre diversos outros. Ainda nesta quinta-feira está programada a transferência do cargo de Dino para Lewandowski no Gabinete do Ministério da Justiça, às 16h30.
Também estiveram presentes à cerimônia os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor de Mello, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Assim como no ato "Democracia Inabalada", realizado no Salão Negro do Congresso Nacional em alusão ao 8 de janeiro de 2023, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, não estava presente.
Lula dá a entender que salário de R$ 44 mil de ministros do Supremo é baixo
O último a discursar durante a cerimônia, Lula afirmou que a escolha do sucessor de Dino para o Ministério da Justiça o martirizou, pois não sabia se escolheria uma “mulher, homem, branco, negro de que estado, qual personalidade. Isso é uma coisa que martiriza a gente, sabe que você não pode ficar pensando em escolher amigo”. Em seguida, o presidente afirmou que conhecia Lewandowski de São Bernardo do Campo e que era importante dizer para a plateia que conhecia mais a mãe do magistrado do que ele. “A mãe dele, uma senhora extraordinária”.
Ainda ao comentar sobre suas inquietações para a escolha de Lewandowski, Lula afirmou que “todo mundo que deixa uma atividade pública, que é de uma importância monumental, mas que tem um salário, às vezes, irreal, em função da qualidade, quando deixa a Suprema Corte, o cidadão pensa, bom, agora, eu vou ganhar um pouco de dinheiro, vou trabalhar em outras coisas”.
Com a aprovação da lei 14.520/2023, o salário dos ministros do STF teve aumento de 18% parcelados ao longo de três anos. Na prática, o salário passou de R$ 39.293,32, que era o teto em 2022, para R$ 41.650,92, no dia 1º de abril de 2023. Nesta quinta-feira, 1º de fevereiro, está programado um novo aumento, subindo para R$ 44.008,52, e, na mesma data em 2025, será reajustada para R$ 46.366,19.
O presidente ainda disse que o governo e a Polícia Federal (PF) não perseguem ninguém. A afirmação ocorre na semana em que a PF deflagrou operação contra vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro. Aliados e apoiadores do ex-presidente alegaram que têm sido alvo de perseguição política do governo e da PF.
Em outro momento de sua fala, Lula disse que o Senado é um lugar extraordinário para os políticos, pois, em razão do mandato de oito anos, "não tem que ficar a cada quatro anos indo pra rua, pedir votos, sendo xingado, às vezes, maltratado". Ele ainda disse que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, estava "com uma cara de quem está no céu".
Amanhecer e ocaso
Em seu discurso logo na abertura da cerimônia, Dino disse que a ele cabe um discurso de "ocaso", de pôr-do-sol, mas que a Lewandowski cabe um discurso de alvorecer, de quem inicia seus trabalhos. Ele ainda elencou diversos dados divulgados na quarta-feira (31 de janeiro), quando fez um balanço de sua gestão nos 13 meses em que ficou à frente do Ministério da Justiça e agradeceu à Lula por seu serviço à frente do órgão e futuro no STF.
"Quero agradecer a Lula, por sua confiança tive a honra de ser ministro do Ministério da Justiça e Segurança Pública e tenho muito orgulho da sua atenção àquilo que o senhor chama de suprema corte", disse Dino, que ainda desejou "força, clareza e paz" para Lewandowski.
Lewandowski foi indicado por Lula ao STF
Lewandowski se aposentou do Supremo Tribunal Federal (STF) em março do ano passado e, desde a confirmação da ida de Flávio Dino para o STF, sempre foi o nome mais cotado e favorito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assumir a gestão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP). Não é para menos, já que Lewandowski foi indicado para o Supremo por Lula durante seu segundo mandato, em março de 2006.
Nos 17 anos em que integrou a Suprema Corte, o ministro presidiu o Tribunal Superior Eleitoral entre 2010 e 2012, quando coordenou as eleições gerais presidenciais, nas quais Dilma Rousseff foi eleita para seu primeiro mandato como presidente da República. Em 2016, Lewandowski estava na presidência do STF e, conforme previsto por lei, foi incumbido de presidir o processo no Senado que resultou no impeachment de Dilma, já em seu segundo mandato.
Não obstante sua atuação até mesmo protocolar diante de um dos episódios mais emblemáticos da história do PT e do país, que apesar do impeachment manteve os direitos eleitorais da ex-presidente, Lewandowski sempre se mostrou afeito às causas defendidas pelo partido.
Políticas de desencarceramento
Durante sua presidência no STF e no Conselho Nacional de Justiça (STJ), por exemplo, foram implementadas no país as Audiências de Custódia. O mecanismo integra o rol de políticas de desencarceramento, que são tão celebradas pela esquerda - Flávio Dino defendeu vocalmente essa “visão de governo” durante apresentação na qual se despediu do MJSP.
Durante a presidência de Lewandowski o CNJ foi responsável pela edição da Resolução 213, que estabeleceu as regras para a realização das Audiências de Custódia nos casos de prisão em flagrante. Em dezembro de 2015, ao julgar as ADI 5240 e a ADPF 347, o STF confirmou sua validade.
À época, o ministro e presidente da Suprema Corte afirmou que a medida conferiria efetividade a um dos princípios do texto constitucional: o da dignidade da pessoa humana, referindo-se à condição dos criminosos. No entanto, como costuma ocorrer nos casos de defesa dos direitos humanos dos presidiários, não houve menção aos direitos das vítimas de seus crimes.
Em outra decisão que demonstra sua visão favorável a ações de desencarceramento, Lewandowski foi o relator da Segunda Turma do STG que impetrou o Habeas Corpus coletivo que substituiu a prisão preventiva pela domiciliar para todas as mulheres presas que sejam gestantes, puérperas ou mães de crianças e/ou deficientes sob sua guarda. A exceção é para as aquelas mulheres cujos crimes tenham sido praticados com uso de violência ou grave ameaça contra seus descendentes e em outras situações excepcionais.
Cotas e liberdade de manifestações
Lewandowski também foi o relator da Ação Direta da Inconstitucionalidade que reverteu veto do antigo governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, proibindo manifestações com a utilização de carros aparelhados e objetos sonoros na Esplanada dos Ministérios, Praça dos Três Poderes e Praça do Buriti e vias adjacentes em Brasília. A ação foi movida pelo PT, pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras confederações.
Outra medida defendida pelo então ministro do STF foram as cotas raciais no ensino público, largamente apoiadas pelo PT e pelo presidente Lula. Lewandowski também foi relator das ações do partido Democratas (DEM) que contestavam a legalidade da reserva de vagas na Universidade de Brasília (UnB) com base em critérios sociais e de raça. Seu voto foi pela validação de tais ações em abril de 2012, seguido por unanimidade pelos outros integrantes no plenário do Supremo.
Facilitar a demarcação de terras indígenas e regulação das Big Techs
Lewandowski também pode auxiliar o governo em duas questões que têm sido amplamente debatidas e encontrado resistência, principalmente no Congresso Nacional: a demarcação de reservas indígenas e a regulação das Big Techs, as grandes empresas de tecnologia.
No primeiro tema, o Ministério da Justiça é responsável pela fase do processo administrativo que antecede a homologação das terras indígenas no Brasil. O ministro decide sobre as demarcações que aguardam apreciação. Quando julgar que os processos são cabíveis é ele quem declara os limites e determina a demarcação física da área que será convertida em reserva, mediante publicação de portaria no Diário Oficial da União.
Apesar de não ter participado do julgamento que tratou do marco temporal para demarcação de terras indígenas, o ministro já se posicionou de forma favorável à demarcação de terras em outros julgamentos, como o da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Dentro dessa reserva, que fica em Roraima, ele ainda inaugurou o primeiro polo de conciliação indígena em um Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania no país, localizado na comunidade Maturuca.
Lewandowski também é favorável à regulação das redes sociais no país, outra bandeira amplamente defendida por Dino. Em fevereiro do ano passado, durante sua participação na Conferência Lide Brasil, em Lisboa, ele afirmou que a regulação das redes era necessária para evitar novos atos de vandalismo no país, como os de 8/1.
“Eu penso que essa é uma necessidade urgente. Nós precisamos regulamentar as redes sociais, sobretudo para que não sejam disseminadas mensagens de ódio, de preconceito e também as fake news, que são extremamente perniciosas. Mas eu estou convencido de que, embora seja importante que os distintos países ou Estados soberanos editem legislações nesse sentido, é preciso que haja uma regulação internacional”, afirmou.
A fala provocou desconfiança da oposição, pois o que o governo chama de regulação pode na prática resultar em censura da liberdade de expressão nas redes sociais.
Lewandowski recebeu carta branca para montar equipe do ministério
Homem de confiança de Lula, Lewandowski recebeu carta branca do presidente para montar sua equipe. Durante seu discurso na posse de Lewandowski, Lula afirmou que ele "não tem compromisso com ninguém que está lá do Flavio disno, a partir da montagenm da sua equipe, é você vai respondender pela glória e acertos, e pelo sofrimento dos erros cometidos".
Ainda assim, Lewandowski manteve dois nomes da gestão de Dino: o diretor-geral da Polícia Federal, delegado Andrei Rodrigues, e o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous.
Para ocupar a posição número dois no Ministério, Lewandowski escolheu o jurista e professor Manoel Carlos de Almeida Neto, amigo de anos do ministro, inclusive fora dos tribunais. Ele substitui Ricardo Cappelli, que foi o braço direito de Dino e que agora presidirá a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço (MDIC), que é comandado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin.
Na Secretaria Nacional de Segurança Pública, Francisco Tadeu Barbosa de Alencar foi exonerado para dar lugar ao procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Luiz Sarrubbo. Em entrevista em janeiro, Sarrubbo disse que pretende criar um Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) de caráter nacional para integrar os trabalhos dessas equipes estaduais.
O atual secretário de Justiça do Espírito Santo, André Garcia, chefiará a Secretaria Nacional de Políticas Penais, no lugar de Rafael Velasco Brandani. A Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), será liderada por Jean Uema, atual chefe da Assessoria Especial da Secretaria de Relações Institucionais.
Também já foram confirmadas a chefia de Gabinete do ministro, que ficará com Ana Maria Alvarenga Mamede Neve, e dois de seus assessores especiais: Marcelo Pimentel de Oliveira e Lílian Manoela Cintra de Melo.
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