Após as recentes derrotas em votações, o governo se defrontou com o fato de não ter apoio consistente no Congresso e precisou reagir. Chamou líderes partidários para conversar, fez alguns acenos e acelerou o desbloqueio de recursos do orçamento federal a congressistas. Essa reação, contudo, pode ter sido tardia e insuficiente, além de não garantir a ampliação da base governista, sobretudo na Câmara, nem o êxito em futuras votações de interesse do Planalto.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o principal sinal de alerta que levou à mobilização do governo, incluindo o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi a apreciação pela Câmara, na semana passada, do pedido de urgência para se votar o projeto que derrubou decretos do saneamento. Os votos contrários à matéria foram 136 de 513 deputados. Antes disso, o governo amargou a retirada de pauta do chamado "PL das das Fake News" por falta de apoio.
O Siga Brasil, canal do Senado na internet que dá publicidade à liberação de recursos de emendas parlamentares, apontou uma reserva feita pelo governo, na terça-feira (9), de R$ 712 milhões para deputados e senadores, montante bem superior aos R$ 486 milhões registrados desde janeiro. A liberação foi logo percebida como parte do esforço do governo para reorganizar sua base e assegurar a aprovação do marco fiscal. No dia seguinte (10) foram liberados mais R$ 434 milhões, somando em dois dias mais de R$ 1,1 bilhão – mais do que o dobro do verificado nos 138 dias anteriores.
Segundo Eduardo Galvão, coordenador do MBA em Políticas Públicas e Relações Institucionais do Ibmec-DF, os dois episódios no Congresso representaram testes para a base de Lula. “Análises mostram que houve alinhamento de 65% com o governo em 16 votações na Câmara. Mas a derrubada de trechos dos decretos relativos ao Marco do Saneamento provou a necessidade de o presidente avaliar pragmaticamente o seu real apoio e negociar a distribuição de recursos do orçamento”, sublinhou.
Galvão acrescenta que a realidade impôs negociação mais efetiva na busca dos votos necessários em outras matérias. “Veja o impressionante montante liberado apenas na terça-feira: 58% de tudo o que já foi repassado no ano e o maior valor já destinado num só dia. Trata-se de algo proporcional às medidas na agenda de discussão e votação, como o marco fiscal e a reforma tributária. Ao se aproximar do meio do ano, Lula negocia as sus prioridades em forma de lotes”, disse.
Distribuição de verbas é reação pragmática à falta de votos
As duas derrotas da semana passada forçaram Lula a mandar os ministros iniciarem a liberação de dinheiro em suas pastas. No caso dos decretos do saneamento, apenas o PT entregou os votos esperados. O PSD, o MDB e o União Brasil, os outros importantes partidos da base, contribuíram só com oito votos a favor. A liberação das verbas nesta semana faz parte da estratégia do Planalto para manter a base, mas a nova postura ainda enfrenta desafios.
O governo tem 109 deputados efetivamente da base, com as federações de PT, PCdoB e PV e de Rede-Psol, além do PSB, do vice-presidente Geraldo Alckmin. O restante do apoio é condicionado e localizado nos dois grandes blocos partidários encabeçados, cada um, por PP e Republicanos. Eles abrigam outras legendas da base, como MDB, PSD, PDT e União Brasil, que têm cargos de primeiro escalão. Além disso, o Planalto busca negociar acordos pontuais com parlamentares do PP e do Republicanos.
Para viabilizar esse plano de reorganização da base, Lula solicitou a liberação mais rápida de R$ 19 bilhões a deputados e senadores, sendo R$ 10 bilhões referentes ao Orçamento de 2023, e os R$ 9 bilhões restantes relacionados a acordos firmados na gestão de Jair Bolsonaro (PL) dentro do chamado "orçamento secreto". Na segunda-feira (8), o presidente se reuniu com os ministros e os líderes no Congresso – José Guimarães (PT-CE), da Câmara; Jaques Wagner (PT-BA), do Senado; e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), do Congresso – para cobrar os acordos com parlamentares até 6 de junho.
Na quarta-feira (10), o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) iniciou uma série de reuniões com os partidos da base PSB e PSD. Os líderes dos partidos prometeram fidelidade no futuro. Eles expressaram incômodo com o descumprimento de acordos durante a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que abriu espaço fiscal no teto de gastos para o governo tocar programas e ainda pagar emendas.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já havia reclamado de falhas na articulação comandada por Padilha e de uma excessiva centralização na figura do ministro da Casa Civil, Rui Costa, que estaria emperrando a tomada de decisões. À Globo News, Costa admitiu a ausência de diálogo, disse que o governo não atuou com a rapidez requerida no pagamento de emendas e afirmou que "falhas estão sendo corrigidas", e a relação com o Legislativo, melhorada. Também na quarta-feira (10), ele e Padilha foram ao Senado para tratar dos decretos do saneamento.
Apoio em votações futuras no Congresso vai exigir esforços e recursos adicionais do Planalto
De acordo com o cientista político Ismael Almeida, a reação do governo foi tardia e não terá efeito positivo desejado em todas as votações. No caso do Marco do Saneamento, por exemplo, ele entende que a liberação de verbas em nada muda a perspectiva de derrota. “A derrota não deve servir como parâmetro, pois o governo errou ao insistir em legislar por decreto, talvez sabendo que não venceria numa votação desse tema. A liberação de verbas pode, contudo, ter efeito prático na aprovação do marco fiscal, uma vez que há consenso sobre a sua importância. Mas isso não impede alterações do texto já anunciadas pelo relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA)”, disse.
Para Almeida, o marco fiscal se tornará teste crucial para o governo e para Lira, que dita o ritmo da matéria. Isso porque a liberação de recursos com pagamento de dívidas pendentes não garante fidelidade no futuro. “Esse é apenas o começo de um processo para formar uma base aliada e ajustar a articulação política, com o próprio Lula assumindo um papel de destaque”, resume.
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