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O sucesso do libertário Javier Milei, que lidera as pesquisas para o segundo turno das eleições presidenciais da Argentina, chamou a atenção para uma corrente política ainda pouco competitiva no mundo. No Brasil, apesar da torcida de dezenas de parlamentares de oposição pela vitória do candidato de direita contra o esquerdista Sergio Massa, apoiado pelo governo argentino e por Lula, a bandeira do libertarianismo ainda engatinha. Seus milhares de adeptos, contudo, já sonham com o poder aqui também. No próximo domingo (19), os argentinos voltarão às urnas para escolher o próximo presidente, tendo pela primeira vez um candidato de uma força política incomum.
Os brasileiros adeptos do movimento que prega a redução do papel do Estado para um patamar mínimo na economia, na política e na vida dos cidadãos estão abrigados no partido Novo, em grupos de reflexão e em instituições de pesquisa. Seu representante mais expressivo é o advogado e deputado federal Gilson Marques (Novo-SC), 41 anos, único político com mandato abertamente libertário do país.
“Sem dúvida, o Novo – partido formado pela aliança de liberais, conservadores e libertários – é o mais próximo do que prega Javier Milei. Dentro desse espectro, por ser o único deputado do libertarianismo no Congresso, tenho ainda mais afinidade ideológica com ele”, explicou Marques à Gazeta do Povo.
Mesmo assim, o deputado rejeita o título de "o Milei brasileiro". “Seria muita pretensão minha assumir esse papel. O fato de ter grande identificação com o Milei não significa que possa me tornar o fenômeno que ele se tornou. Afinal, são muitas as variáveis envolvidas neste processo, entre elas o momento que a Argentina vive e o fato de ele ser uma das poucas vozes que enfrenta de cara o establishment por lá. De toda forma, seria ótimo se qualquer libertário alcançasse voos maiores por aqui também”, frisou.
Mesmo com o apoio explícito a Milei, o deputado também nega "admirar" o argentino, “até porque uma premissa dos libertários é não endeusar políticos”. “Trata-se da torcida sincera pela vitória de quem tem excelente bagagem teórica a respeito do libertarianismo e do mal que é o socialismo. Ele comunga ideais muito parecidos com os nossos e pode tirar a Argentina do buraco em que se encontra, caso consiga implementá-los”, disse.
Para Marques, Milei ajuda a sociedade brasileira a conhecer as propostas de sua corrente ultraliberal, ainda confundida com extrema-direita e outras definições. “A maioria não sabe o que é isso (libertarianismo) e nem mesmo entende, de fato, os significados de conservador e liberal. Confundem tudo, infelizmente”, sublinhou.
Em linhas gerais, o libertarianismo é uma visão filosófica que entende que o Estado deve ser mínimo, limitado e só se justifica para cumprir algumas funções elementares, como proteger o cidadão contra ações de força, roubos, fraudes e para garantir que contratos sejam cumpridos, entre outras. "Qualquer papel mais abrangente do Estado viola os direitos das pessoas de não serem forçadas a fazer coisas [que não desejam]", escreveu o filósofo Robert Nozick, um dos principais pensadores dessa corrente, na obra Anarquia, Estado e Utopia, de 1973.
Mordomia dos políticos é o alvo principal de deputado libertário
Eleito para a Câmara dos Deputados, em 2018, com 27.443 votos e reeleito, em 2022, com 87.894, o deputado libertário brasileiro concentra suas ações no combate a privilégios dos políticos. Tal qual os discursos de campanha de Milei, Marques denuncia uma rotina de corrupção e de favorecimentos em torno da coisa pública. Ele entende que os excessos de competências do Estado e o peso dele sobre o bolso dos contribuintes favorecem todo tipo de desvios do dinheiro do contribuinte. "É preciso mudar a concepção de que o Estado é solução para qualquer problema. Pelo contrário, ele cria problema", disse.
Na análise de Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria, o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) destaca-se como o político brasileiro mais apto a representar a figura de um "Milei à brasileira".
Para o cientista político argentino, Gilson Marques, identificado pela bandeira amarela adornada com a silhueta de serpente, símbolo dos libertários, tem atuação explícita como ultraliberal na economia, quase anarcocapitalista. Por outro lado, Van Hattem emerge como um orador polemista, alinhando-se mais explicitamente à postura do presidenciável do país vizinho.
“Mas sua atuação não se limita ao campo econômico, estendendo-se para a agenda conservadora de costumes. Além disso, destaca-se seu engajamento no combate ostensivo contra o que percebe como elites corruptas”, disse à Gazeta do Povo. Van Hattem e Milei, inclusive, já tiveram encontros em eventos internacionais de defesa do liberalismo e durante a campanha presidencial argentina.
O ex-candidato à Presidência da República pelo Novo Luiz Felipe D’Avila disse à Gazeta do Povo lamentar que a política brasileira ainda esteja dominada pela polarização entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sem ter nada no horizonte parecido com Milei. Mas ele também ponderou que o argentino é um personagem atípico, um “candidato antissistema que ganha tração num país à beira do colapso, em razão do nefasto peronismo e de uma inflação anual acima de 140%”, afirmou.
Para D’Avila, que também é empresário e cientista político, a despeito da forma jocosa com que o libertário argentino defende as suas ideias, "elas fazem todo o sentido". “Visto como um maluco pela maior parte da imprensa, sobretudo quando propõe dolarização e fim do Banco Central, Milei tem até um programa de governo sensato”, argumentou, citando o corte radical no número de ministérios, total abertura econômica e privatizações, "que seriam boas propostas para um candidato no Brasil".
Em paralelo, o Novo comemora o fato de ser um dos poucos partidos no país a ampliar seu quadro de filiados desde as últimas eleições. Em outubro de 2022, tinha 30.903 filiados. Um ano depois esse número subiu para 35.135.
Eduardo Ribeiro, presidente da legenda, vê o crescimento como prova do interesse dos eleitores por reais alternativas na política brasileira. “Somos mais que um partido. Somos um time que não tem medo de enfrentar os donos do poder e de combater com veemência a corrupção. Não devemos nada a ninguém e a atuação do Novo na oposição mostra isso”, afirmou.
Libertários divergem sobre "populismo de Milei"
Diogo Costa, diretor-executivo do Instituto Millenium, que defende o liberalismo econômico e as liberdades individuais, avaliou que jornalistas e formadores de opinião não estão de todo errados ao, frequentemente, rotular Milei de "populista". “De fato, o seu discurso tem elementos populistas, mas na verdade o cidadão argentino terá de optar entre um populista ou outro”, disse. Nesse sentido, a escolha ficaria entre a insustentável promessa de “pão e circo” e o desejo de combater "elites políticas".
Magno Karl, diretor-executivo do Livres – movimento político que defende o liberalismo no Brasil – atribui o sucesso de Milei à desinibição para expressar uma visão distinta de mundo. “Ele consegue confrontar o Estado num país onde o serviço público emprega quase 40% da população e xinga políticos com os quais precisará necessariamente trabalhar, caso se eleja presidente”, afirmou à Gazeta do Povo.
Para Karl, a posição estrita de Milei como libertário deverá ser confrontada com a realidade concreta de um mandato, sobretudo de cargo Executivo, caso ele seja eleito. Mas, embora exista o risco de limitações pela institucionalidade, o coordenador do Livres comemora a possibilidade de o argentino fazer história à frente da Casa Rosada. “Mesmo que Milei vença e seja um desastre, o impulso que ele pode dar à divulgação de suas dessas ideias é inestimável”, ressaltou.
Em recente entrevista para o jornal O Estado de S. Paulo, Hélio Beltrão, fundador do Instituto Mises Brasil e um dos principais pregadores das ideias libertárias no país, admitiu ser “surpreendente e excitante” a chance real de Milei se tornar o primeiro presidente anarcocapitalista do mundo. Ele também considera a ascensão do candidato de oposição resultado do caos econômico na Argentina criado pelos peronistas, mas também pela percepção dos eleitores de que ele apresenta uma solução realista.
Beltrão condenou a insistência de parte da imprensa classificar o libertário como ultradireitista, corrente de pensamento que defende o nacional-desenvolvimentismo, com forte interferência do Estado na economia.
Ele também não vê razão para Milei ser chamado de “Bolsonaro argentino”, porque, além da amizade com o ex-presidente e seus filhos, o candidato de A Liberdade Avança tem diferenças de estilo e de pensamento. “Populista? É um acadêmico, que criou uma persona, com aquele cabelo despenteado, fazendo quadros histéricos na televisão, para passar a mensagem dele”.
Libertários defendem uma visão radical do liberalismo econômico
Os libertários afirmam que a propriedade privada é direito inviolável dos seres humanos, fundamentado em valores como o capitalismo, as liberdades individuais e a autossuficiência. Essa linha de pensamento teve origem em Viena, Áustria, no século 19, e foi apoiada por filósofos e economistas notáveis, como Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Hans Hermann Hoppe e Murray Rothbard, da Escola Austríaca de Economia. Em contraste com o liberalismo, a característica distintiva do libertarianismo é a rejeição do Estado.
Para os libertários, os governos se mantêm por meio da violência, expressa principalmente por leis e impostos aplicados sem a anuência dos indivíduos. Alguns consideram que os impostos equivalem a trabalho escravo. Eles enfatizam a importância do consentimento nas relações humanas e advogam pela solução cooperativa de conflitos na sociedade.
O conselheiro de empresas e palestrante Ismar Becker afirmou à reportagem que há ainda várias correntes dentro do liberalismo. "São inúmeras tendências dentro do liberalismo. Do ultraliberalismo do Milei até o Liberalismo conservador”, comentou.