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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), quer votar a regulamentação da reforma tributária ainda nesta semana. A intenção é que haja um esforço concentrado até quarta-feira (10) para a votação em plenário, em acordo com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que enviou um pedido de urgência para a tramitação da proposta. Se aprovada, a regulamentação, além de uma vitória de Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também será uma demonstração da influência de Lira, que vê a reforma como um legado de sua presidência na Câmara.
Em maio deste ano, Lira criou dois grupos de trabalho (GT) para analisar a regulamentação da proposta, demonstrando, mais uma vez, seu engajamento com a pauta.
Um dos grupos apresentou o seu relatório na semana passada, estimando que a alíquota padrão dos futuros Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) possa ficar entre 22% e 25% – antes das mudanças na Câmara, o Ministério da Fazenda previa uma alíquota de 26,5%. Estes impostos substituirão PIS/PASEP, Cofins, IPI, ICMS e ISS a partir de 2027. Os deputados também definiram, no escopo do PLP 68/2024, uma lista de produtos que sofrerão uma taxação extra, o Imposto Seletivo (IS), conhecido como “imposto do pecado”.
O segundo grupo de trabalho está analisando a proposta do governo para a regulamentação da distribuição das receitas do imposto entre estados e municípios, o IBS, e do comitê gestor que vai gerenciar a divisão de recursos. O relatório final desta proposta (PLP 108/2024) está previsto para ser apresentado nessa segunda-feira (8).
O deputado Vitor Lippi (PSDB-SP), que integra o GT, avalia que ainda há alguns pontos a serem discutidos como a tributação para as cooperativas e para alguns itens da cesta básica. Também afirma que há resistência de alguns setores, como o automotivo, em relação ao Imposto Seletivo, que traria mais tributação para os automóveis e impactaria no preço dos veículos.
Ainda assim, ele avalia que há um ambiente favorável à aprovação da regulamentação da reforma nesta semana, afirmando que a intenção dos projetos é reduzir a judicialização e simplificar o sistema tributário brasileiro. O deputado Luiz Carlos Haully (Pode-PR), que também integra o grupo de trabalho que entregará o relatório nesta segunda-feira, concorda. “Não há nenhum motivo para não votarmos”, afirmou.
O pedido de Lula para tramitação de ambos os projetos em regime de urgência foi visto como uma sinalização de concordância com os rumos que a Câmara está dando ao tema, além de ser um reforço à celeridade que o Planalto espera na tramitação.
Analistas políticos ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que a regulamentação da reforma tributária sinaliza uma cooperação entre Legislativo e Executivo, em meio a um clima mais conflituoso em relação a outros temas, como as pautas de costume. Essa cooperação provém, em parte, do interesse de Lira em finalizar a reforma tributária durante seu mandato como presidente, que termina em fevereiro de 2025.
“No último ano da gestão dele, a regulamentação da reforma tributária mostra que o prestígio do Lira, a força interna do líder na casa, também permanece alta”, disse o cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice.
Regulamentação serve como uma barganha para benesses futuras
Também há quem avalie a regulamentação da reforma tributária como uma movimentação estratégica do presidente da Câmara. O cientista político e consultor independente Antônio Flávio Testa entende que Lira é um político experiente que sabe que a reforma será não somente um legado, mas uma moeda política para futuras trocas.
“Lula ficará em dívida com ele”, afirma.
Ao demonstrar sua força com a regulamentação da reforma, Lira pode conseguir avanços na negociação com os partidos, em plenário, podendo consolidar seu projeto de eleger seu sucessor na presidência da Câmara – ainda não anunciado.
“Na prática já começam os loteamentos de cargos, com promessas e compromissos futuros", diz Testa, comentando ainda que há possibilidade de Lira ganhar um ministério importante no governo.
Oposição se contrapõe aos projetos de regulamentação
Apesar dos esforços do governo, do Centrão e de Lira para uma votação rápida nesta semana, parlamentares da oposição prometem se contrapor por verem problemas nos projetos de regulamentação.
O deputado federal Zucco (PL-RS), destaca que, mesmo com a reforma, o país continuará tendo uma das maiores cargas tributárias do “planeta”. Ele afirma que, por essa razão, votou contra a PEC da reforma tributária, aprovada no ano passado.
"Os problemas persistem agora na regulamentação. Uma sucessão de lobbies de última hora vão deixar ainda pior o que era ruim. Quando as pessoas se derem conta será tarde demais. A única solução para resolver esse Frankenstein seria a edição de uma nova PEC", declarou o parlamentar.
Liberação recorde de emendas pode auxiliar na aprovação da regulamentação da reforma
A votação da regulamentação da reforma tributária ocorre num momento de pagamento recorde de emendas parlamentares – quase 9 bilhões na primeira semana de julho. Embora seja fruto de um acordo entre Lula e o Congresso no começo do ano, o cientista político Valdir Pucci avalia que a liberação dos recursos pode refletir em maior apoio ao governo dentro do Congresso Nacional.
No início deste ano, houve uma controvérsia sobre as emendas, pois o Congresso incluiu um calendário de pagamentos no Orçamento anual, mas que foi vetado por Lula. O veto foi mantido pelos parlamentares diante do compromisso do governo de pagar R$ 20 bilhões em emendas de transferência especial (as chamadas emendas pix, em que a transferência é feita diretamente da Fazenda para o caixa de prefeituras e estados) e recursos para a saúde até 5 julho, data limite para transferências da União a estados e municípios em ano eleitoral – ou seja, três meses antes das eleições.
Regulamentação da reforma também terá que passar pelo Senado
Se aprovada na Câmara, a regulamentação da reforma tributária precisará ser debatida no Senado. Segundo o analista político e assessor legislativo pela Malta Advogados, Luiz Felipe Freitas, cabe ao presidente da Casa Alta, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fazer um despacho para que a regulamentação tramite pelas comissões que devem avaliá-la, tais como as de Assuntos Econômicos (CAE) e, possivelmente, a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
A proposta está em estado de urgência constitucional, portanto, pode haver uma aceleração dos trabalhos, assim como a promovida por Lira na Câmara. O consultor avalia que Pacheco também possa abrir uma comissão especial para a análise dos projetos, mas que o mais provável é que eles sejam encaminhados para o Comissão de Assuntos Econômicos.
De toda forma, a perspectiva é de que isso somente ocorra no segundo semestre, após o recesso legislativo. E, caso o Senado altere o texto, ele terá que voltar para nova apreciação da Câmara.
Lira e Congresso tomaram para si aprovação da reforma tributária cujas discussões se alongaram por anos
A regulamentação da reforma chega em um momento no qual inúmeras controvérsias pairam sobre o governo. Na semana passada, Lula teve que modular seus discursos contra o mercado financeiro e sobre responsabilidade fiscal, diante de altas consecutivas no dólar.
Além disso, pontos específicos da reforma também têm sido amplamente questionados, como o "imposto do pecado" e a manutenção da taxação sobre as proteínas, mantidas por Lira.
Por outro lado, o governo acumula derrotas no Congresso Nacional, principalmente em relação as pautas de costume, como a derrubada dos vetos de Lula às saidinhas de presidiários e ao marco temporal.
A devolução da MP do “Fim do Mundo” também foi um revés para o Planalto. Além disso, declarações de Lira sobre autoridades do governo - ele afirmou que o ministro das relações institucionais, Alexandre Padilha (PT) era incompetente - tem acalorado ainda mais as discussões.
Diante desse cenário, Pucci analisa que a aprovação e regulamentação da reforma não muda a relação conturbada entre o governo e Câmara. De acordo com ele, o Congresso tomou para si a reforma, que já vinha sendo discutida há anos e nunca havia sido viabilizada.
Em dezembro de 2023, quando da aprovação da PEC da reforma tributária na Câmara, Lira afirmou que era resultado de um trabalho coletivo.
“Em nome de todos, eu queria dizer que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal marcam definitivamente com essa votação um grande feito”, disse na ocasião. O parlamentar ainda declarou que a proposta final não era a ideal, mas a possível diante das negociações.
Pucci destaca que, quando a reforma foi aprovada, Lira tomou como uma vitória sua porque é uma discussão que está há muitos anos no Congresso e nunca tinha andado.