Ouça este conteúdo
Líderes dos partidos na Câmara dos Deputados ainda não bateram o martelo sobre o texto do arcabouço fiscal e a votação da proposta deve ficar para a próxima semana. A matéria é prioritária para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e precisa ser votada até o próximo dia 31. Se isso não ocorrer, o Executivo terá que propor o Orçamento de 2024 com um corte expressivo e pedir para o Congresso autorização para gastar mais, caso a inflação cresça. Se for aprovada como veio do Senado, a proposta dará ao governo um espaço fiscal de cerca de R$ 30 bilhões no orçamento.
Após o mal-estar provocado pelas declarações do ministro Fernando Haddad sobre o excesso de poder da Câmara dos Deputados, o presidente Arthur Lira (PP-AL) cancelou um encontro que teria para discutir as mudanças feitas pelo Senado Federal ao texto do novo marco fiscal aprovado pela Casa, e que tentaria aparar as arestas e definir uma data para a votação da matéria.
Numa nova reunião, somente com os líderes na Câmara, Lira definiu outra data para tentar um consenso sobre o arcabouço. Será na próxima segunda-feira (21) o novo encontro com parlamentares e técnicos, para discutir principalmente a questão da modificação do prazo para cálculo do IPCA. “Isso sendo acordado, na terça-feira (22) essa matéria vai a plenário. Não há nenhum tipo de inconstância no tratamento da Câmara às matérias que são essenciais ao Brasil”, disse Lira em coletiva de imprensa.
O novo marco fiscal é um dos temas fundamentais para a agenda do governo, por substituir o teto de gastos como ferramenta de controle das contas públicas. O texto foi aprovado pela Câmara ainda no primeiro semestre, mas sofreu alterações no Senado, e por isso retornou para análise dos deputados.
“Nós vamos consensualizar todo o texto e a partir daí a pauta de quando entrará em votação pelo plenário será definida pelo colégio de líderes e pelo presidente”, disse o relator do novo arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA). Ele defende o texto original aprovado pela Câmara, mas garantiu que não fará "cavalo de batalha" em relação às mudanças feitas pelos senadores.
“Eu acho injusto colocar ciência e tecnologia fora da base de gastos e não colocar despesas com Bolsa Família, ou despesas com saúde. Tudo vai ter impacto no relatório primário, estando ou não na base de gastos. Tecnicamente é aconselhável que tudo fique na base de gastos”, opinou o relator.
Os senadores deixaram de fora da regra de limite de gastos o Fundo Constitucional do Distrito Federal, o Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) e investimentos com ciência e tecnologia, que poderão ultrapassar o teto de gastos.
Outra modificação feita pelo Senado foi a inclusão de uma emenda do líder do governo, Senador Randolfe Rodrigues (sem partido – AP), que permite a previsão de despesas condicionadas no Orçamento do ano que vem, e que só seriam executadas após aprovação de crédito extraordinário pelo Congresso Nacional.
Na prática, a emenda apresentada pelo senador Randolfe permite que o governo gaste mais do que o previsto no Orçamento, desde que o Congresso Nacional autorize a despesa. Isso poderia ajudar o governo a investir em áreas como saúde e infraestrutura, por exemplo, mas também poderia aumentar o risco de desequilíbrio nas contas públicas.
PL dos direitos autorais segue sem consenso
A discussão do projeto dos direitos autorais, desmembrado do Projeto de Lei (PL) das fake news, também foi adiada mais uma vez. A proposta determina que plataformas digitais passem a remunerar veículos de imprensa e artistas que têm seus conteúdos reproduzidos na internet. O texto relatado pelo deputado Elmar Nascimento (PP-BA) tem sido discutido há dias, mas ainda não há acordo para votação. A urgência chegou a ser pautada em Plenário nesta terça, mas o presidente Arthur Lira afirmou que não vai votar o mérito sem acordo.
O Projeto de Lei 2.370/2019, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e relatoria do deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA), atende a uma parcela do que propunha o PL das fake news (2.630/2020), que teve a votação adiada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em maio deste ano. Trata-se de uma tentativa de atualizar a Lei de Direitos Autorais, que é de 1998.
O texto prevê que redes e plataformas com mais de 2 milhões de usuários no Brasil precisarão remunerar empresas jornalísticas pelo uso de seus conteúdos. Em caso de compartilhamento feito por usuários que explorem comercialmente o conteúdo, os veículos jornalísticos também precisariam ser remunerados.
Enquanto anúncio de ministérios não vem, Câmara segue em ritmo morno
Apesar dos poucos avanços nos temas prioritários para a agenda econômica do governo, tanto Lira quanto líderes negam que a Câmara esteja “boicotando” pautas enquanto não sai o anúncio da reforma de ministérios pleiteados pelo Centrão, que inclui o PP de Arthur Lira, Republicanos e União Brasil – este já contemplado com um ministério em julho, quando Celso Sabino (PA) substituiu Daniela Carneiro no Turismo.
O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, chegou a dizer que André Fufuca (PP) e Sílvio Costa Filho (Republicanos) estariam “dentro” do governo, mas as cadeiras ainda não estariam definidas.
Parlamentares desses partidos dizem que o Centrão quer cargos e mais espaço, mas também não quer espaços considerados de pouca importância, o que tem tornado a negociação mais complicada. Também estão em jogo cargos como a presidência da Caixa Econômica Federal, Funasa, Correios, Embratur e outros.
Para o líder da minoria, Carlos Jordy (PL-RJ), essa tensão entre Executivo e Legislativo não vai abalar a governabilidade. Vice-líder do PL, Alberto Fraga, do Distrito Federal, também diz que não vê ameaças ao governo pelos partidos que hoje cobram cargos por apoio. “Aqueles que querem ministérios e emendas perdoam fácil”, afirmou.
Antônio Henrique Lucena, da Universidade Católica de Pernambuco, acredita que “o legislativo utiliza esse poder de barganha principalmente para a liberação de verbas, e pensando já na possibilidade de reeleição. E em virtude do Congresso que tivemos nas últimas eleições, isso gerou uma fortaleza desse Centrão, e obviamente o presidente Lula sabe que precisa desses partidos para governar”.
“Essa corda não pode arrebentar, então só via negociação mesmo para poder organizar esse processo, a grande questão é que o Centrão pode utilizar isso como bloqueio para impedir a atuação de alguma medida, e prejudicar a governabilidade”, acrescenta.
Ainda sobre as trocas de ministérios, a expectativa é que depois dos últimos acontecimentos o presidente Lula volte de viagem e converse com Lira e assessores próximos sobre as mudanças.
Nos bastidores, alguns chegaram a cogitar que, com o apagão registrado em diversos estados brasileiros nesta terça, alguns partidos queiram também o ministério das Minas e Energia, mas nada está confirmado. O ministro Alexandre Silveira inclusive estava no Paraguai com Lula e voltou ao Brasil depois do problema.
O deputado Filipe Barros (PL-PR), disse à Gazeta do Povo que, como membro da oposição, continuará sendo independente de cargos, e falou que Alexandre Silveira “tem apoio de boa parte do parlamento, do seu partido, o PSD, e acha difícil ele sair. “A não ser que seja algo da própria vontade dele. Acho que o PT está batendo cabeça, o PT também está pleiteando um espaço cada vez maior no governo e o governo por sua vez quer abrir mais espaço para os outros partidos”.
O cientista político Alessandro Costa, do Centro Universitário de Brasília, também disse que “a pressão por cargos, por poder e por espaços políticos era esperada e encontra-se no ápice. Mas Lula sabia que isso aconteceria e tem usado sua experiência política para muitas vezes colocar em banho-maria as pretensões de Lira”.