A "pauta verde" encampada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), na véspera de sua viagem para a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-28), acabou incluindo propostas que beneficiarão o setor de combustíveis fósseis e energias não renováveis.
O marco regulatório das usinas eólicas em alto mar foi aprovado pelos deputados nesta quarta-feira (29) com emendas que permitem a prorrogação da contração de termelétricas a carvão até 2050, além de acabar com o preço-teto para térmicas a gás no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O relator da proposta, deputado federal Zé Vitor (PL-MG), defendeu a inclusão dessas emendas. "Somos da opinião de que as termelétricas a carvão mineral têm um papel relevante a desempenhar em termos de segurança do abastecimento de energia elétrica durante o período de transição energética, bem como dão uma contribuição social importante ao impedir a destruição da economia das regiões carboníferas", afirma.
Porém, os "jabutis", como são chamados no jargão político os acréscimos feitos a determinados projetos que não têm relação com a matéria propriamente dita, foram criticados por entidades do setor energético. A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace Energia), por exemplo, afirmou que o projeto vai no "sentido oposto ao da transição energética e da descarbonização".
"Essa é mais uma decisão que afasta o Brasil de seu potencial de oferecer energia limpa, segura e barata e de recuperar sua produção industrial", opinou a Abrace em seu perfil oficial no X (antigo Twitter).
O deputado Zé Vitor negou que a proposta incentive o uso de combustíveis fósseis. Porém, alguns parlamentares manifestaram preocupação. Um deles, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), afirmou que as mudanças dão um sinal errado para a comunidade internacional às vésperas da COP 28, por não tratar apenas de energia limpa. "O projeto é bom no que se refere à matéria das eólicas em alto mar, que nada mais são do que geradoras de energia através do vento. Há, no entanto, temas não pertinentes a essa matéria", concluiu.
O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) chegou a dizer que a inclusão de regras sobre térmicas teria o objetivo de beneficiar um grande empresário. "O valor da fatura é de R$ 16 milhões", acusou. O parlamentar também mostrou desconfiança com a renovação desses contratos até 2050, como prevê o texto.
O texto aprovado pelos deputados voltará para o Senado. Se lá a maioria também for favorável, o projeto irá à sanção do presidente. Existe a possibilidade de que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vete os pontos mais criticados da proposta, apesar de a bancada governista ter votado pela aprovação.
Outros projetos da "agenda verde" foram pautados por Lira, como o incentivo à produção de hidrogênio verde, também aprovado pelos deputados nesta semana. O intuito do presidente da Câmara é apresentar as propostas na COP-28, que começou nesta quinta-feira (30) em Dubai, como uma mostra do esforço do Congresso brasileiro para a transição energética. Lira viaja para os Emirados Árabes Unidos na segunda-feira (4).
Porém, a aceleração dessas pautas no Congresso é motivo de preocupação para alguns parlamentares. O deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), que foi ministro do Meio Ambiente no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), disse que é preciso ficar atento aos projetos de "um tema que parece puro, mas que é cheio de impurezas".
Ele acrescenta ainda que os projetos de cunho ambiental não podem gerar mais ônus do que bônus para a sociedade brasileira. "Os jabutis custam caro aos brasileiros", alerta.
Incentivo ao hidrogênio verde com baixa emissão de carbono também é aprovado
Ainda como parte da chamada pauta verde, os deputados aprovaram nesta semana o PL 2308/23, dos deputados Gilson Marques (Novo-SC) e Adriana Ventura (Novo-SP). O texto regulamenta a produção de hidrogênio considerado de baixa emissão de carbono, instituindo uma certificação voluntária e incentivos federais tributários.
De acordo com o relatório do deputado Bacelar (PV-BA), será considerado hidrogênio de baixa emissão de carbono aquele que, no ciclo de vida do processo produtivo, resulte em valor inicial menor ou igual a 4 quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido (4 kgCO2eq/kgH2). Esse número representa a intensidade de emissão de gases do efeito estufa, mas deverá ser adotado até 31 de dezembro de 2030, devendo ser regressivo a partir desta data.
O texto também define o hidrogênio renovável como aquele obtido com o uso de fontes renováveis, incluindo solar, eólica, hidráulica, biomassa, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica, das marés e oceânica. Ao longo do tempo, os incentivos tratados no projeto deverão ser gradativamente destinados ao hidrogênio renovável.
O presidente da Comissão Especial da Transição Energética e Produção de Hidrogênio Verde, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), comemorou a aprovação. "Com o marco regulatório para a produção e uso do hidrogênio, o Brasil toma a dianteira desta nova fronteira da economia de baixo carbono", assegurou.
Já na avaliação da deputada Adriana Ventura, uma das autoras do projeto, a Câmara demonstrou, ao longo da semana, que "é possível cuidar do meio ambiente e promover o desenvolvimento econômico respeitando os recursos da natureza." A deputada afirmou ainda à Gazeta do Povo que o meio ambiente pode ajudar a resolver muitos problemas sociais com uma política adequada que incentiva investimentos e geração de emprego e renda, a partir do enorme potencial que o Brasil dispõe.
Plenário aprova urgência e discussão da pauta verde deve seguir na próxima semana
Com a aprovação da urgência para discutir outras matérias da agenda verde, o plenário pode seguir apreciando projetos relacionados ao meio ambiente na próxima semana.
De acordo Ventura, a expectativa é seguir apreciando as matérias. "O PL do lítio verde vamos votar provavelmente na semana que vem e vamos lutar para que o texto seja bom, com uma visão liberal", afirmou.
O projeto trata da certificação voluntária do Lítio Verde, com o objetivo de promover e valorizar o potencial brasileiro na produção de lítio com menor intensidade de carbono.
O lítio é utilizado para a produção de baterias, cada vez mais adotadas em veículos elétricos e no armazenamento de energia renovável, assim como em dispositivos que fazem parte do nosso dia a dia, como é o caso dos telefones celulares. No entanto, a mineração e o processamento do lítio podem ter uma significativa pegada de carbono, contribuindo para as mudanças climáticas. A ideia do PL, portanto, é incentivar a redução das emissões de carbono associadas à produção do metal.
Mercado de Carbono: agro defende mais tempo para discussão
Ainda sobre a urgência em se discutir a pauta verde, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) esteve reunida durante a semana para debater os projetos que poderiam ser analisados e demonstrou cautela com relação ao Mercado de Carbono.
De acordo com o presidente da bancada, deputado Pedro Lupion (PP-PR), é preciso reconhecer o esforço do relator da proposta que pretende regular o mercado de carbono, o deputado federal Aliel Machado (PV-PR), mas ainda há dúvidas sobre o tema. Lupion afirma que o agro já está no mercado voluntário, mas o consenso para fazer parte do modelo regulado ainda não chegou.
“Estamos fazendo as análises para buscar esse entendimento, há vontade, mas ainda não conseguimos condições para isso”, explicou.
Apesar da intenção inicial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de colocar a proposta em votação, Lupion disse que não se pode debater um assunto como esse sem a "paciência necessária", já que as mudanças podem trazer ônus consideráveis aos produtores rurais.
“Nós precisamos de tempo para criar as métricas e entender se o projeto pode ser bom para o setor. Tem duas semanas que o texto está na Casa e, portanto, necessita de diálogo para ser compreendido”, concluiu.
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