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Considerado o mais poderoso presidente da Câmara desde Ulysses Guimarães (MDB), no fim dos anos 1990, o deputado Arthur Lira (PP-AL) encara o desafio de não repetir a “maldição” dos ex-presidentes da Câmara após deixar o cargo, em fevereiro de 2025. Enquanto a maioria dos seus antecessores foi relegada ao desprestígio, ao esquecimento e até às perdas pessoais, Lira articula para manter a grande influência política que conquistou nos últimos três anos.
Ele deve ter recebido um incentivo extra no último dia 10, durante evento do governo federal em Maceió, seu reduto eleitoral. Ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele ouviu e rebateu vaias da plateia enquanto discursava, sendo defendido por Lula.
O episódio evidenciou a persistente polarização na política nacional e a dificuldade dos líderes partidários em firmarem entendimentos com o Planalto, com exceções da pauta econômica e do socorro ao Rio Grande do Sul, arrasado pelas chuvas.
Lira quer fazer o seu sucessor no comando da Câmara e poderá disputar uma das duas vagas no Senado abertas para o seu estado em 2026, tentando evitar a "maldição" dos ex-presidentes da Câmara. Mas o retrospecto histórico mostra que o grande peso político dos presidentes da Câmara costuma se desmanchar com rapidez logo após deixarem o posto, com raras exceções.
A trajetória dos ex-presidentes da Câmara demonstra o quão fugaz pode ser o poder associado a essa posição. Nomes como Rodrigo Maia, Eduardo Cunha e Marco Maia, uma vez detentores de considerável influência, caíram rapidamente no esquecimento ou foram abatidos por escândalos e perdas políticas.
Poder do presidente da Câmara cresceu, mas ainda continua efêmero
O presidente da Câmara é o segundo na linha sucessória do Executivo, é o único capaz de abrir processos de impeachment contra presidentes da República e teve sua importância ampliada nos últimos anos pelo protagonismo da Câmara na agenda legislativa, nas políticas públicas e, sobretudo, no controle do Orçamento.
Entretanto, trata-se de um cargo de horizonte curto em comparação com a estabilidade dos presidentes da República. Os chefes do Executivo têm mandatos de quatro anos, podendo ser reeleitos mais uma vez seguida. Já os presidentes da Câmara podem chegar a dois mandatos de dois anos seguidos, desde que não sejam na mesma legislatura.
Quando deixar a Mesa Diretora no ano que vem, Lira descerá à planície do plenário, se juntando nessa condição aos colegas Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Aécio Neves (PSDB-MG), únicos dentre os ex-presidentes que ainda têm mandato na Casa, mas sem fazer a diferença. Aécio, ex-governador, ex-senador e segundo na disputa presidencial de 2018, tenta agora ao menos influenciar na sua combalida legenda.
Sob vigência da atual Constituição, esse fenômeno de ofuscamento dos ex-presidentes atingiu quase toda a galeria formada por:
- Rodrigo Maia (2016-2017)
- Waldir Maranhão (2016)
- Eduardo Cunha (2015-2016)
- Henrique Eduardo Alves (2013-2015)
- Marco Maia (2011-2013)
- Michel Temer (2009-2010, 1999-2001 e 1997-1999)
- Arlindo Chinaglia (2007-2009)
- Aldo Rebelo (2005-2007)
- Severino Cavalcanti (2005)
- João Paulo Cunha (2003-2005)
- Efraim de Morais (2002-2003)
- Aécio Neves (2001-2002)
- Luiz Eduardo Magalhães (1995-1997)
- Inocêncio de Oliveira (1993-1995)
- Ibsen Pinheiro (1991-1993)
- Paes de Andrade (1989-1991).
Principal nome da oposição ao regime militar no Congresso, Ulysses Guimarães (MDB-SP) tornou-se lenda para a própria Câmara, sobretudo após o papel histórico de condutor da Assembleia Constituinte de 1987.
A Constituição promulgada no ano seguinte deu ao Congresso poderes parlamentaristas, que rivalizam com o Executivo desde a transição entre regimes feita pelo governo de José Sarney (MDB). O deputado comandou a Casa por dois mandatos, de 1985 a 1989, quando disputou a presidência da República. Apesar da biografia, não teve nem 5% dos votos, ficando em sétimo lugar.
Em 1990, o “doutor” Ulysses foi reeleito deputado, mas não disputou a chefia da Câmara e perdeu a presidência do MDB para o então governador Orestes Quércia (SP). Teve uma morte trágica, com acidente de helicóptero no mar de Angra dos Reis (RJ), em de outubro de 1992. Seu corpo nunca foi encontrado.
Dentre os falecidos ainda estão Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), Paes de Andrade (MDB-CE) e Ibsen Pinheiro (MDB-RS). Em 1998, Magalhães estava em pré-campanha ao governo da Bahia quando morreu de infarto fulminante, aos 43 anos.
Escândalos e mortes trágicas nas trajetórias de seus antecessores
Quanto ao ostracismo, ele se abate sobre o restante da lista: Inocêncio de Oliveira, Efraim de Morais, Valdir Maranhão, Marco Maia e Rodrigo Maia. Alguns foram até mesmo presos, como Eduardo Cunha, Eduardo Alves e João Paulo Cunha. Severino Cavalcanti renunciou para não ser cassado, após ser denunciado por desvios éticos, assim como foi forçado a fazer Ibsen Pinheiro (MDB-RS).
Pinheiro, personagem histórico da abertura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor (PRN), conseguiu provar a sua inocência, mas amargou anos de abandono da classe política. Voltou à Câmara em 2006 e, em 2014, se reelegeu deputado estadual, cumprindo seu mandato na Assembleia Legislativa até 2018. Faleceu em 2020.
Cunha, um dos mais poderosos líderes da história do Centrão e hábil operador político, foi responsável por iniciar a queda da presidente Dilma Rousseff (PT).
Investigado, preso, cassado, condenado, depois absolvido, derrotado nas eleições de 2022, o ex-presidente da Câmara quer voltar a ocupar uma cadeira no plenário em 2026, fazendo companhia à filha deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ). Atualmente, ele exerce novamente a sua influência, mas apenas nos bastidores, sendo apontado até como um conselheiro informal de Lira.
O futuro dos ex-presidentes da Câmara tem destinos variados. Alguns chegaram ao Senado, foram governadores e voltaram à Câmara, mas nenhum deles recuperou o mesmo poder no plano nacional de quando ocupavam o cargo.
A única exceção da "maldição" dos ex-presidentes da Câmara foi Michel Temer (MDB-SP), que comandou a Casa por três mandatos, se tornou vice-presidente da República e assumiu a presidência, com o impeachment de Dilma Rousseff (PT).
O seu curto mandato no Planalto foi marcado por uma agenda reformista e por uma íntima articulação com o Legislativo. O modelo que adotou foi considerado por muitos analistas como um ensaio de um regime semipresidencialista, defendido por Lira.
Lira aposta em estilo pessoal agressivo para perpetuar o seu poder
Para fugir da "maldição" dos ex-presidentes da Câmara e garantir um futuro melhor do que a maioria dos seus predecessores, Lira conta com um estilo pessoal diferente, mais agressivo e aberto.
Ao mesmo tempo que exerce comando decisivo sobre a condução dos trabalhos da Câmara, ele faz suas cobranças ao governo em boa parte em público, descarta negociadores sem carta branca para fechar acordos e promove embates sem sutilezas. Os adversários eleitorais em Alagoas, representados pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), são os que encontram mais versados nesse tipo de enfrentamento.
Lula chamou o estilo de Lira de “nervoso”, definindo assim como interlocutor ideal do governo para com ele “outro nervoso”, o ministro da Casa Civil, Rui Costa. A relação entre Lira e o presidente da República, marcada por altos e baixos, reflete os interesses pragmáticos que moldam a personalidade deles em particular e a política brasileira em geral.
Enquanto ambos buscam maximizar seus ganhos, suas alianças e rupturas variam de acordo com a conjuntura. Lira, determinado a preservar domínio absoluto na Câmara, mantém postura firme na condução da pauta, mesmo diante de pressões do Planalto e da profunda divisão política e ideológica do país, sobre a qual se equilibra.
O chefe do Executivo já tentou driblar a importância de Lira em diferentes situações e já fez apostas na perda de poder do deputado, inclusive sondando candidaturas de rivais do alagoano na sucessão da Câmara. Mas também por várias vezes, desde antes de sua posse no governo, Lula fez negociações diretas com Lira, com ganhos provisórios em votações e pacificações de curto prazo.
No auge das tensões entre os dois, as ameaças deram alento às matérias defendidas pela oposição, incluindo aberturas de comissões parlamentares de inquérito (CPI), e fizeram até ressurgir o fantasma do impeachment de Dilma Rousseff. Pelo menos em relação ao enfrentamento do ativismo do Judiciário, Lira não parece disposto a ir muito longe, seja qual contexto for.
De toda forma, o deputado não abre a mão do jogo sucessório interno, indicando o aliado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) como o seu preferido. Espera com isso se manter importante quando se tornar “apenas” mais um dos 513 deputados.
Lira pode assumir um ministério de Lula, diz analista
O sociólogo, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e consultor Antônio Flávio Testa observa que, assim como qualquer figura política experiente e poderosa, Lira tem uma série de adversários. No entanto, o especialista sugere que, caso o governo do PT persista até o final, é provável que Lira assuma um ministério e expanda a sua influência.
Ele destaca que essa transição de papéis dependerá da habilidade do presidente da Câmara em persuadir a oposição a aceitar concessões ao Planalto, o que exigirá barganhas significativas. Testa enfatiza que isso pode custar caro, inclusive envolvendo sacrifícios políticos, como algum tipo de afronta ao Supremo Tribunal Federal (STF), particularmente ao ministro Alexandre de Moraes, que já está politicamente desgastado.
O consultor prevê um período de “intensas negociações e fortes emoções”, colocando à prova toda a experiência de Lira. Ele destaca que a primeira e mais crucial tarefa do presidente da Câmara será garantir a continuidade de sua influência política por meio da sua sucessão.
“Se ele não conseguir emplacar seu sucessor, há o risco de ser relegado ao esquecimento político, enfrentando a perseguição coordenada por Renan Calheiros, com apoio de Lula, o que certamente complicaria sua vida e a de seu grupo”, sublinha.
O futuro de Arthur Lira como ex-presidente da Câmara permanece incerto, com muitos desafios significativos para tentar manter sua relevância política após deixar o cargo e assim driblar a "maldição" dos ex-presidentes da Câmara, relegados ao esquecimento ou à desgraça política e pessoal.
A habilidade dele em adaptar-se a novos cenários pode determinar não apenas seu próprio destino, mas também o papel que desempenhará na política brasileira.