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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se reuniu nesta terça-feira (2) com governadores de 22 estados para discutir o combate ao coronavírus. O encontro teve como resultado uma carta de intenções que pode fazer de Lira um protagonista nas ações contra a Covid-19, ocupando um vácuo deixado pelo presidente Jair Bolsonaro, que não se entende com os chefes dos Executivos estaduais e municipais.
Lira se propôs a liderar a interlocução entre o Congresso, os governadores e o governo federal; redirecionar recursos do Orçamento, que ainda está em discussão no parlamento; e imprimir ações de fiscalização para o cumprimento de objetivos ligados à diminuição dos efeitos da doença.
A deputada Flávia Arruda (PL-DF) também participou do encontro. A parlamentar é presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional — e, portanto, peça-chave no plano de Lira para reforçar os cofres dos diferentes governos. A meta de Lira, Arruda e dos governadores é direcionar R$ 14,5 bilhões do Orçamento de 2021, que ainda não foi aprovado pelo Legislativo, para a Saúde.
Deste montante, R$ 2,5 bilhões comporão o fundo emergencial de combate à pandemia, que foi idealizado por Lira e anunciado pelo presidente da Câmara também nesta terça. Já os demais R$ 12 bilhões terão como origem as emendas parlamentares.
Para chegar a este resultado, Lira espera empenho dos governadores, que deverão convencer os deputados de seus estados. Habitualmente, as emendas são utilizadas pelos deputados para desenvolver projetos em seus redutos eleitorais, atendendo a diferentes segmentos da gestão pública, não necessariamente da saúde. Lira colocou que a ideia é incrementar os investimentos em saúde sem comprometer o teto de gastos.
Presente na reunião, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), falou em entrevista coletiva que a verba representa menos do que o "orçamento de guerra" que o Congresso aprovou no ano passado, em parceria com o governo federal. O gestor capixaba disse considerar positiva a iniciativa anunciada por Lira, mas colocou ser necessária a discussão sobre "dinheiro novo" que possa financiar o fundo emergencial.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), disse considerar positivo o direcionamento de mais recursos para a saúde, mas afirmou que o foco precisa estar na vacinação da população.
Casagrande declarou que a prorrogação do auxílio emergencial não foi debatida na reunião desta terça. Mas o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que coordena o fórum de governadores no assunto vacinação, disse em entrevista à imprensa esperar que o governo federal faça o pagamento retroativo do benefício. A ideia é promover compensações pelos meses iniciais de 2021 em que as parcelas não foram repassadas à população.
Grupo proposto por Lira e governadores vai monitorar avanços da vacinação
Outra determinação da reunião desta terça foi a da criação de um grupo de trabalho que unirá representantes de Câmara, Senado, um governador de cada região do país e um integrante do Ministério da Saúde. O colegiado terá como atribuições acompanhar o cronograma para a vacinação nacional contra o coronavírus.
"E o que é fazer o acompanhamento? É visitar laboratórios, conversar com embaixadores, não deixar faltar o IFA [ingrediente farmacêutico ativo], que é o princípio ativo, acompanhar o Ministério da Saúde, ver se tem alguma relação diplomática que tem que fazer… porque um dia que a gente ganha, é mais de mil pessoas que a gente salva", declarou o governador Casagrande, em vídeo divulgado em suas redes sociais.
Em entrevista dada à imprensa após a reunião, Casagrande foi questionado se o grupo "esvaziaria" o trabalho do governo federal no combate ao coronavírus. A resposta do governador foi na linha da "somatória de forças": "o Congresso tem condições de, junto com o governo federal, junto com senadores, liderar um movimento. O presidente da Câmara ficou de conversar com o presidente do Senado e liderarem, ou organizarem, esse grupo de trabalho para que a gente possa, junto com o Ministério da Saúde, fazer o acompanhamento e facilitarmos para que haja o cumprimento desse cronograma".
Casagrande declarou também que o grupo pode debater outros temas, como a implantação de medidas restritivas de circulação de pessoas e funcionamento da atividade econômica. Reportagem da Folha de S. Paulo publicada na segunda-feira (1) apontou que governadores de diferentes estados pressionam o Ministério da Saúde para a adoção de um protocolo nacional de distanciamento social, mas o presidente Jair Bolsonaro seria contrário à iniciativa.
"Aceno para baixar a temperatura"
Lira disse aos governadores que priorizará a votação, na Câmara, de temas relacionados à pandemia. Tanto Câmara quanto Senado planejam para a semana atual a discussão de projetos ligados à Covid-19 - uma diferença em relação às semanas anteriores, quando a Câmara discutiu primeiro a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e depois a chamada "PEC da imunidade", proposta que busca regulamentar a prisão de deputados federais e senadores.
Tanto o presidente da Câmara quanto os governadores presentes na reunião buscaram utilizar expressões como "abaixar a temperatura" e "trabalho conjunto" para abordar o encontro desta terça. A reunião se deu um dia depois de 19 governadores divulgarem uma carta criticando Bolsonaro, que havia publicado, em suas redes sociais, os valores repassados pelo governo federal aos estados.
Na carta, os governadores disseram que Bolsonaro estava cumprindo suas "obrigações constitucionais" ao redirecionar os recursos. O presidente tem citado o envio de verbas aos estados e municípios como forma de atribuir responsabilidades aos gestores locais pelos problemas no combate à pandemia.
Apesar do discurso conciliatório, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), fez duras críticas a Bolsonaro durante a reunião. O petista disse que Bolsonaro faz "gracinha" e manda "mensagens para a sua tropa de choque ficar atacando governadores e prefeitos".
Costa solicitou que o Congresso vote medidas que permitam aos governos estaduais comprarem vacinas sem intermediação do governo federal. Nesta terça, Bolsonaro sancionou a lei de adesão do Brasil ao Covax Facility, consórcio internacional de vacinação, mas vetou trecho que determinava à Anvisa aprovação das vacinas em cinco dias úteis.
Na noite desta terça-feira, a Câmara aprovou o projeto de lei 534/2021, que autoriza a compra de vacinas contra a Covid-19 diretamente por estados, municípios e pelo setor privado. A matéria seguiu para sanção presidencial.