O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contou com a ajuda do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para aprovar, nesta terça-feira (23), a nova regra fiscal que substituirá o teto de gastos do governo. O texto ainda precisa passar pelo Senado para entrar em vigor, mas resultado já é considerado uma vitória para a equipe econômica de Lula, em especial para o seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Contudo, o governo enfrentará, ainda nesta semana, outro teste de fogo no Congresso: a votação das Medidas Provisórias (MPs) que estão prestes a caducar.
Lira conseguiu mobilizar deputados de partidos da oposição para garantir o resultado de 372 votos a favor da proposta do novo marco fiscal. Juntos, Republicanos e PP, que no ano passado apoiaram a candidatura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), entregaram 73 votos para aprovação da proposta. Até mesmo o PL, que liberou seus deputados para votarem como quisessem, garantiu 30 votos favoráveis ao substitutivo apresentado pelo relator do projeto, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA). Os únicos partidos que votaram contra o arcabouço foram Novo, Psol e Rede.
A principal mudança da nova regra em relação ao atual teto de gastos, do ponto de vista político, é que o presidente da República não responderá por crime de responsabilidade se o governo gastar mais do que o previsto no Orçamento. Algumas punições administrativas foram estabelecidas no substitutivo, mas o presidente poderá enviar uma carta ao Congresso para explicar o motivo, sem correr o risco de perder o mandato ou ficar inelegível por isso.
Mas apesar desta vitória com a ajuda de Lira, o governo enfrentará outro teste de fogo nesta semana no Congresso, diante da articulação dos parlamentares contra diversas Medidas Provisórias (MPs) editadas pelo Executivo. A base governista precisa negociar para que o Congresso não imponha novas derrotas em ao menos oito MPs que vencem no dia 1º de junho.
Governo deve ceder ao agro e ao Centrão na MP da reestruturação do governo
O principal embate ocorre sobre a MP que trata da reestruturação da Esplanada dos Ministérios e que possibilitou a criação de diversas pastas para o governo. O relator da matéria, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) promoveu uma série de mudanças no texto, o que já tem provocado críticas por parte de integrantes do Planalto.
Entre as alterações, Bulhões pretende transferir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda para o Banco Central, assim como era na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Apesar disso, o emedebista acatou o pedido do Planalto e manteve a extinção da Fundação Nacional da Saúde (Funasa).
Esse ponto, no entanto, é alvo de embates por parte de deputados do Centrão que defendem a recriação do órgão. Pelo relatório, o Poder Executivo poderá extinguir a Funasa e parte das atribuições passará para os Ministérios das Cidades, controlado pelo MDB, e pelo Ministério da Saúde.
"Estou convencido de que as políticas públicas estarão com muito mais eficiência no novo modelo. A Funasa vem há anos tendo um custo maior do que sua execução orçamentária", defendeu o relator.
O relatório de Bulhões deveria ter sido votado ainda nesta terça-feira (23) pela comissão mista que analisa a MP. Contudo, deputado que defendem a recriação da Funasa conseguiram adiar essa votação em pelo menos 24 horas.
"Quem vai ser alijado são os pequenos municípios. Essa é a minha luta pela Funasa. É inconstitucional, uma autarquia [como a Funasa] só pode ser extinta por uma lei específica" defendeu o deputado Danilo Forte (União-CE).
Além da comissão especial, o texto precisa ainda passar pelo plenário da Câmara e do Senado até o dia 1º de junho. Governistas temem que, caso o relatório não seja votado ainda nesta semana, a MP perca a validade diante do embate.
Relator esvazia ministérios da pauta ambiental e faz aceno ao agronegócio
Além da mudança do Coaf, o relator da MP que trata da reestruturação da Esplanada promoveu uma série de mudanças nos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. No caso da pasta comandada por Marina Silva, ela perdeu a atribuição do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que foi para o Ministério da Gestão, e também a gerência sobre a Agência Nacional das Águas (ANA), que foi para o Ministério do Desenvolvimento Regional.
Já na pasta dos Povos Indígenas, comandada por Sônia Guajajara, o relator transferiu a atribuição sobre a demarcação de terras para o Ministério da Justiça. Além disso, o relator acatou uma demanda da bancada ruralista e transferiu boa parte das funções Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a pasta da Agricultura, comandada por Carlos Fávaro (PSD).
Com isso, as atribuições sobre a políticas agrícola, comercialização, abastecimento, armazenagem e garantia de preços mínimos deixam o ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado pelo ministro Paulo Texeira. Visto pelos integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) como um braço aliado do Movimento Sem Terra (MST) dentro do governo Lula.
MP do Carf deve expirar antes da aprovação do projeto sobre o tema
Em outra frente, o Palácio do Planalto trabalha para blindar mudanças em outras medidas provisórias editadas por Lula. No caso da MP que trata sobre o Bolsa Família, por exemplo, o relatório, que já foi aprovado pela comissão mista, passou a permitir que o governo retire o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da base de cálculo de renda de possíveis favorecidos, ampliando o escopo do programa.
Já no caso da MP do Minha Casa Minha Vida, o relator, deputado Marangoni (União-SP), avalia acrescentar no relatório a exigência de que questões como sustentabilidade e conectividade sejam incorporadas ao programa. O texto tem validade até o dia 14 de junho, mas ainda não há acordo para votação na comissão mista.
Além disso, o governo dever ver expirar a MP que restabeleceu a regra que prevê vitória da Receita Federal em caso de empate nos julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Sem acordo para tramitação, o Palácio do Planalto enviou um projeto de lei em regime de urgência sobre o mesmo assunto, mas os governistas já admitem que esse dispositivo não será votado a tempo de substituir a MP.
O impasse representa uma derrota para o ministro da Fazenda, Fernando Hadadd, que vê a proposta como essencial para o reequilíbrio das contas públicas. A medida pode render até R$ 50 bilhões aos cofres públicos neste ano. "O governo não teve pressa em mandar e estamos com muitos focos, mas [o projeto] seguirá”, minimizou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Decreto de Lula sobre exigência de visto pode ser derrubado na Câmara
Depois de ver o decreto sobre o Marco do Saneamento ser derrubado pela Câmara, os deputados se articulam para derrubar o decreto de Lula que retomou a exigência de visto para turistas de países como Japão, Austrália, Estados Unidos e Canadá entrarem no Brasil. Na última semana, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), líder do bloco partidário de Lira, apresentou um requerimento que pede urgência para votar a anulação da medida.
"Poucos americanos têm passaporte. A exigência de visto vai fazer que eles deixem de vir ao Brasil, o que impactaria fortemente o setor do turismo", argumentou o deputado.
O deputado, no entanto, indicou que tem buscado um acordo com o Planalto e com o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-SP), para que Lula revogue a medida antes da votação da Câmara.
Em 2019, ano em que o Brasil dispensou a exigência de visto para turistas dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália, a entrada de cidadãos destes países no Brasil aumentou 11% em relação a 2018, enquanto a entrada de turistas dos demais países caiu 5%.
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