Arthur Lira e Ciro Nogueira são dois dos principais caciques do PP, um dos principais partidos do Centrão e da base de sustentação do governo no Congresso.| Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados
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As suspeitas envolvendo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, em supostas irregularidades no Ministério da Educação (MEC) vêm causando desgastes ao governo de Jair Bolsonaro (PL). Lira e Nogueira são acusados de destinar recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento à Educação (FNDE) para fins políticos por meio das emendas de relator, popularmente chamado no Congresso de "Orçamento secreto".

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Na última quarta-feira (13), o Psol protocolou um pedido de convocação para que Nogueira preste esclarecimentos à Câmara sobre a distribuição de recursos da educação em sua base eleitoral, o Piauí. O chefe da Casa Civil, que é um dos coordenadores políticos de Bolsonaro, também é alvo de outro requerimento de convocação. Já Lira é o principal aliado do governo no Congresso e um dos articuladores da liberação das emendas de relator.

A oposição tenta – por enquanto, sem sucesso – abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a influência de pastores na distribuição de recursos do MEC. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse ser contra a realização de investigações no âmbito do Congresso com fins eleitoreiros – ele precisa submeter a criação da CPI ao aval da mesa diretora da Casa.

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Quais são as suspeitas sobre Lira envolvendo os recursos do FNDE

O presidente da Câmara é suspeito de ter intervido a favor da liberação de recursos do FNDE para a empresa Megalic, que é dirigida por Edmundo Catunda, pai do vereador João Catunda (PP), de Maceió (AL). O legislador municipal chegou a informar em suas redes sociais a liberação de recursos para municípios alagoanos em uma iniciativa atribuída a ele e Lira.

Segundo reportagem da Agência Pública, a Megalic recebeu R$ 54,7 milhões do FNDE em emendas de relator em 2021. A empresa fechou contratos custeados pelos recursos públicos federais através do programa Educação Conectada, do MEC, criado para ampliar o acesso à internet de alta velocidade e uso de tecnologias digitais na Educação Básica.

De 22 municípios alagoanos que destinaram recursos das emendas para o programa em 2021, ao menos 13 firmaram contratos com a Megalic para a distribuição de "kits de robótica". A prestação de serviço inclui o Consórcio Intermunicipal do Agreste Alagoano (Conagreste), que é presidido por um aliado de Lira, o prefeito de Limoeiro de Anadia (AL), Marlan Ferreira (PP), informa a Agência Pública.

Reportagem da Folha de S. Paulo informou que o FNDE liberou R$ 26 milhões para a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades alagoanas que "sofrem com uma série de deficiências de infraestrutura básica", como falta de salas de aula, computadores, internet e até de água encanada.

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Também segundo a Folha de S. Paulo, a Megalic vendeu os kits de robótica aos municípios em um valor 420% mais caro do que comprou. Apesar de fechar contratos milionários, a empresa é intermediária e, portanto, não produz kits de robótica. Os kits custaram R$ 14 mil aos municípios, sendo que a empresa adquiriu unidades por R$ 2,7 mil de uma empresa fornecedora de São Carlos (SP), a Pete.

A secretária de Educação de Flexeiras (AL), Maria José Gomes, uma das cidades beneficiadas com recursos do FNDE, afirmou à Folha que Lira atuou para liberar os recursos para a compra dos kits de robótica da Megalic. Segundo a secretária, a prefeitura também contou com a consultoria de uma assessora parlamentar municipal ligada a João Catunda, que teria colaborado nos trâmites burocráticos para a liberação dos recursos.

A secretária diz que o município preencheu as informações do sistema do governo para solicitar transferências, mas sugere que a celeridade para a liberação do recurso só foi possível com a ajuda do presidente da Câmara dos Deputados. "Para chegar na execução, a gente precisou de um parlamentar, o Arthur Lira", disse. Ela própria afirma ter mantido contato com uma pessoa da assessoria de Lira. A prefeita de Flexeiras, Silvana Maria Cavalcante da Costa Pinto (PP), também articulou.

A liberação de recursos aos municípios alagoanos para a compra dos kits de robótica foi a toque de caixa, aponta a Folha. Em quatro casos, os empenhos — primeira etapa da execução orçamentária em que o governo reserva o dinheiro que será pago quando uma obra ou serviço estiver concluído — ocorreram em dezembro e, nos outros, entre agosto e outubro. O dinheiro foi depositado para os municípios entre fevereiro e março.

A título de comparação, há cidades que aguardam há mais de dois anos a liberação de recursos já empenhados, como Aporá (BA), que segundo o jornal, espera desde fevereiro de 2020 uma parcela de R$ 7,9 milhões para finalizar uma obra de creche e pré-escola.

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O que dizem Lira e a família Catunda sobre os recursos pagos pelo FNDE

Ao jornal Folha de S. Paulo sobre ter atuado para liberar os recursos para o município alagoano, Lira afirmou, em nota, que "desde 1978, a família Lira participa ativamente da vida política de Flexeiras" e que "os recursos para as prefeituras são liberados através das emendas de bancada seguindo seu curso regular".

Lira também disse não ter envolvimento com a contratação de empresas pelos municípios e nega ter solicitado a aceleração de liberações de recursos e que os processos obedecem a critérios técnicos do FNDE. "Não compete ao presidente da Câmara avaliar qualquer compra ou licitação de quaisquer outros entes federativos. Isso deve ser feito pelos órgãos de controle competentes", informou.

Sobre a relação com João e Edmundo Catunda, a Megalic e a liberação de emendas do FNDE a aliados políticos, Lira disse por meio da assessora à Agência Pública que "as ilações não são verdadeiras".

À Agência Pública, Edmundo Catunda negou que exista influência política na contratação de sua empresa. "Na hora que participamos do pregão, da licitação, ou quando a prefeitura nos procura para contratar através de um registro de preço que a gente fez, não procuramos saber quem é que indicou a emenda. Não sei se é emenda de relator, quem é o autor", disse.

O dono da Megalic também disse ter boa relação política com todos os "campos políticos" e que sua empresa é a "maior fornecedora de tecnologia educacional do estado". "A gente mora num estado muito pequeno que todo mundo se conhece, que é impossível eu ter um contrato que não tenha uma ligação política com alguém que eu conheço", justificou. "A minha relação empresarial eu não deixo misturar com política, se eu tiver essa ligação, eu termino perdendo contrato dos outros", complementou.

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Também à Agência Pública, João Catunda negou por meio de sua assessoria de imprensa ter atuado em liberações de recursos para a Megalic. "Sua atuação como parlamentar é restrita ao Município de Maceió. Conflito de interesses seria o vereador João Catunda destinar suas emendas ao orçamento de Maceió para essa finalidade, o que nunca ocorreu", diz, em nota.

"A empresa Megalic participa de pregões eletrônicos e só é vencedora quando oferece o menor valor. Sendo assim, a tentativa de afirmar que há um suposto direcionamento de recursos, é falsa", aponta a nota. O vereador também nega um "histórico de encontros" com Lira. "Não é verdade a afirmação, muito menos para tratar de assuntos relacionados à liberação de verbas do FNDE. Nenhuma das ações divulgadas pelo vereador tiveram a Megalic como beneficiária", acrescentou.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Quais são as suspeitas sobre Ciro envolvendo os recursos da Educação

As suspeitas envolvendo a liberação de recursos do FNDE também chegam ao chefe da Casa Civil. O jornal O Estado de S. Paulo informou que o FNDE autorizou a construção de 52 escolas no Piauí em detrimento ao abandono de 99 obras de colégios, creches e quadras poliesportivas que estavam em andamento no estado.

A maior parte dos contratos para as obras foi fechada com prefeituras piauienses comandas pelo PP, partido do qual Ciro Nogueira é presidente nacional licenciado. A reportagem acusa o ministro de usar dinheiro da educação para "turbinar" a campanha eleitoral de aliados em seu reduto eleitoral, entre elas, a de sua ex-mulher e deputada federal Iracema Portella (PP), pré-candidata a vice-governadora do Piauí na chapa com o médico Sílvio Mendes (União Brasil).

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O Estado de S. Paulo classificou esse uso da máquina pública operada pelo FNDE como um esquema de "escolas fake". Segundo o jornal, apesar de haver 3,5 mil obras paradas pelo país, o governo deu prioridade à construção de 2 mil novas escolas, mas repassando recursos insuficientes para a sua execução.

Ao todo, o governo precisaria aplicar R$ 7,6 bilhões para executar as antigas e futuras construções. Em audiência na Comissão de Educação do Senado na quinta-feira passada (7), o presidente do FNDE, Marcelo Ponte, disse que o órgão dispõe de R$ 114 milhões para obras paradas. O valor poderá chegar neste ano a R$ 367 milhões com as verbas das emendas de relator.

Das 99 obras paradas no Piauí, em 51 dos casos não há desembolso do FNDE, aponta a reportagem. Elas foram iniciadas em governos passados e, pela legislação, deveriam ter prioridade. Nos outros 48 casos, o contrato para construção foi encerrado sem que elas fossem concluídas. Procurados pela reportagem, Nogueira e o FNDE não se posicionaram.

Qual é a ligação entre o FNDE e o Centrão, grupo liderado por Ciro e Lira

A influência de Arthur Lira e Ciro Nogueira sobre o FNDE é admitida nos bastidores por aliados do governo. É dito como um conhecimento geral entre parlamentares da base governista que o presidente do fundo Marcelo Ponte é um apadrinhado do PP, especialmente do ministro da Casa Civil.

Na educação, as emendas de relator, que viraram "moeda de troca" entre o governo e o Congresso, passam, sobretudo, pelo FNDE. É o fundo que irriga as bases eleitorais de aliados e ajudou o governo a ampliar sua base junto a deputados federais e senadores desde 2020.

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Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação, admitiu na última terça-feira (12) que o FNDE era um alvo de cobiça do Centrão, grupo liderado por Nogueira, Lira e pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, quando ele ainda estava no comando do MEC.

Segundo Weintraub, ele recebeu de Bolsonaro, em 2020, a ordem para que "entregasse o FNDE ao Centrão". "Quem vai me dar uma ordem dessas? O meu chefe. Ele falou: ‘você vai ter que entregar o FNDE pro Centrão’ e eu falei: ‘presidente, não faça isso’. ‘Mas eu preciso’. Daí eu fiquei, tá até no jornal documentado, eu fiquei adiando o máximo que eu podia. Por quê? Isso também dá pra checar. Eu subi toda a governança, as regras, do processo decisório do FNDE", disse em entrevista à CNN Brasil.

Em audiência na Comissão de Educação do Senado, o presidente do FNDE negou qualquer irregularidade em relação à distribuição de recursos do fundo. Em seu depoimento, Ponte ressaltou que todos os processos de liberação de recursos obedecem a critérios técnicos e que não houve nenhum tipo de favorecimento a prefeitos.

O que a oposição diz sobre as suspeitas envolvendo Ciro e Lira

As suspeitas envolvendo a influência do presidente da Câmara e o ministro da Casa Civil sobre a liberação de recursos do FNDE para suas bases eleitorais municiaram a oposição nas redes sociais. Desde a semana passada, o principal alvo no Twitter é Arthur Lira.

O presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros, acusa o "governo Bolsonaro" de ter adquirido, "com preços superfaturados", os kits de robótica distribuídos a escolas de Alagoas. "As escolas selecionadas não tem sequer internet! Elas estão localizadas em redutos eleitorais de Arthur Lira, aliado de Bolsonaro. É o 'robolão'!", declarou.

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A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, (PR), disse que o "governo Bolsonaro gastou R$ 26 milhões em kit robótica em centro de ensino sem água e computador". "Detalhe, a verba foi para empresa do amigo de Arthur Lira. Para quem dizia que ia acabar com a patifaria, Bolsonaro faz muito pior", criticou.

O senador Humberto Costa (PT-PE), classificou as suspeitas envolvendo a compra dos kits de robótica como uma "nova denúncia de corrupção" no MEC. "Bolsonaro destinou R$ 26 milhões em kit robótica para escolas sem água e computador. Cerca de 80% dos repasses foram para aliado de Arthur Lira. Os kits foram adquiridos por um valor bem acima do mercado. Precisamos investigar!", disse, ao levantar uma hashtag em apoio à CPI do MEC.

O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) foi outro a associar a compra dos kits com corrupção. "A empresa beneficiada é de aliado do Arthur Lira em Alagoas. O orçamento é secreto, mas a corrupção é escancarada", disse. "Não é o vale do silício, é o vale do cinismo: sete pequenos municípios de Alagoas e dois de Pernambuco concentram 79% do total para kit robótica que o governo distribui a todo o país. São compras superfaturadas com aliados do Arthur Lira!", criticou.

Já o ministro da Casa Civil foi criticado e acusado de corrupção na quarta-feira pela líder do Psol na Câmara, deputada Sâmia Bomfim. "Ciro Nogueira é conhecido por estar atolado em denúncias de corrupção e agora parece ter usado verba pública do FNDE para abastecer cidades comandadas pelo seu partido (PP) no Piauí", declarou, em nota do partido.

"Não por acaso este é o estado de atuação política do ministro. O FNDE é presidido por Marcelo Pontes, que foi chefe de gabinete de Ciro Nogueira. Tudo nessa história parece muito estranho e cheira a esquema de corrupção visando a campanha eleitoral. O governo e o ministro precisam se explicar", complementou.

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A deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RS) também defender a convocação de Nogueira à Câmara. "Ciro Nogueira precisa explicar a autorização para a construção de 52 "escolas fake" no Piauí, sendo que há 99 obras de colégios, creches e quadras poliesportivas inacabadas no estado. É escândalo atrás de escândalo com o dinheiro da educação!", declarou.

Oposição ignora inquérito da PF sobre suposta propina a Ciro em 2014

A oposição segue uma estratégia fixa em associar Ciro Nogueira e Arthur Lira apenas a supostos esquemas de corrupção cometidos na gestão Bolsonaro. Os presidentes de PT e Psol, bem como lideranças no Congresso, ignoraram, por exemplo, o inquérito da Polícia Federal (PF) que denuncia o ministro da Casa Civil por suposta propina recebida da empresa J&F.

A PF afirmou que Nogueira recebeu propina do grupo J&F para levar o seu partido, o PP, a apoiar a candidatura da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) à reeleição em 2014. Segundo a investigação, o chefe da Casa Civil cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

No inquérito, a PF conclui que o empresário Joesley Batista, executivo da J&F à época, fez repasses de vantagens indevidas para Nogueira "visando a garantir o apoio do Partido Progressista às eleições de Dilma Roussef, em 2014". Segundo a investigação, os repasses teriam sido feitos por por solicitação de Edinho Silva, então tesoureiro da campanha do PT e atual prefeito de Araraquara (SP).

Em 2017, Batista disse em sua delação que transferiu para contas no exterior um total de US$ 150 milhões para Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pré-candidato à Presidência da República. Segundo ele, foram destinados US$ 70 milhões a Lula e mais US$ 80 milhões a Dilma.

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Em nota, a defesa de Nogueira disse "estranhar" o relatório da PF por entender que a investigação se baseia "totalmente" em "delações que não são corroboradas com nenhuma prova externa. Até porque a narrativa das delações não se sustenta", apontou. "A defesa tem absoluta confiança que o tempo das delações sem nenhuma fundamentação já está devidamente superado pelas decisões independentes do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal", acrescentou.

Sobre os supostos recebimentos por Lula, a defesa afirmou à época que "as afirmações de Joesley Batista em relação a Lula não decorrem de qualquer contato com o ex-presidente, mas sim de supostos diálogos com terceiros, que sequer foram comprovados". "A verdade é que a vida de Lula e de seus familiares foi ilegalmente devassada pela Operação Lava Jato", disse.

A assessoria de imprensa de Dilma disse à época que são "improcedentes e inverídicas" as afirmações de Batista. "Dilma Rousseff jamais tratou ou solicitou de qualquer empresário ou de terceiros doações, pagamentos e ou financiamentos ilegais para as campanhas eleitorais, tanto em 2010 quanto em 2014, fosse para si ou quaisquer outros candidatos", comunicou.