Alguns deputados estarão bem tranquilos, ainda que atentos, na análise da reforma da Previdência no plenário da Câmara que começa nesta terça-feira (9). Graças ao lobby da bancada ruralista, a categoria responsável pela maior parte do rombo do INSS saiu como a grande vitoriosa da votação da reforma na comissão especial da Câmara.
As mudanças propostas pelo governo para a aposentadoria rural saíram do texto e a bancada conseguiu ainda manter a atual isenção da contribuição previdenciária de 2,6% da receita de comercialização a produtores rurais, empresas e cooperativas que exportam pelo menos uma parte da produção. Além disso, conseguiu retirar uma trava que impedia o perdão da dívida do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
“Isso foi um ganho extraordinário. Vamos para plenário para aprovar como está. E se possível inserir uma emenda para verticalizar [a reforma] com a inclusão de estados e municípios”, adiantou à Gazeta do Povo o deputado Neri Geller (PP-MT), ex-ministro da Agricultura (2014-2015) e uma das lideranças da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), que reúne 270 parlamentares.
Com essas concessões, o governo vai deixar de economizar R$ 193,3 bilhões ao longo de dez anos. Contudo, a retirada das mudanças propostas para a aposentadoria trabalhador do campo já era esperada.
O primeiro blefe do governo foi elevar a idade mínima da aposentadoria rural: de 55 para 60 anos, assim como já era com os homens. O segundo foi o aumento no tempo de contribuição de 15 para 20 anos para ambos os sexos. A economia projetada era de R$ 92,4 bilhões em uma década.
Contraproposta ruralista
Desde o início, partidos de centro e de esquerda se posicionaram contra essa parte do texto do governo. Nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, muito menos os representantes do agronegócio permitiram mexer na idade da aposentadoria rural. Mas o texto enviado pelo governo, no inciso 11 do artigo 195, acabava com a isenção previdenciária para exportadores, o que geraria R$ 84 bilhões em economia durante dez anos.
Além disso, o governo proibia instituir uma alíquota de contribuição reduzida e vedava anistia a quem deve para a Previdência. Esse último item atingia diretamente o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), contribuição paga pelo produtor rural para ajudar a custear a aposentadoria dos trabalhadores: uma dívida de R$ 17 bilhões que, inclusive, os produtores não reconhecem. Foi quando entrou em ação o lobby da bancada ruralista.
“O Funral mudou. O produtor pode pagar na folha [a Previdência do trabalhador do campo] ou na comercialização do produto final. Portanto, ele já está sendo tributado. Agora, se pagar ainda mais para exportar, teria uma bitributação em cima disso. Portanto, se ele não paga o Funrural, mas paga o imposto [previdenciário] sobre a folha, já que hoje existe essa opção, o produtor já está recolhendo [para a Previdência]”, justifica Neri Geller.
Nesses casos, a proposta do governo não era blefe: o relator da proposta na comissão especial, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), manteve o texto do governo em relação a esses pontos, retirando apenas as mudanças na aposentadoria rural. O relator ‘desafiou’ a frente até o último momento, mesmo com um oficio enviado pelo presidente da FPA, deputado Alceu Moreira (MDB-RS).
“A bancada entende que a legislação não pode vedar por completo instrumentos necessários para dar continuidade a políticas públicas sociais e econômicas de fomento ao desenvolvimento do Brasil”, destacou Moreira em nota.
Lobby da bancada ruralista: na calada da madrugada
A frente ganhou a queda de braço. O lobby da bancada ruralista já vinha sendo trabalhado desde fevereiro (quando o governo encaminhou a reforma ao Congresso) e intensificou as negociações na semana de votação da reforma da Previdência na comissão especial. Eles, na condição de maior bancada do Congresso, articularam o apoio do presidente Jair Bolsonaro (PSL), de líderes partidários e dos líderes do governo no Congresso e na Câmara, deputada Joice Hasselman (PSL-SP) e Major Vitor Hugo (PSL-GO).
O acordo foi fechado na madrugada de quarta (3) para quinta-feira (4) da semana passada, véspera da votação. Os partidos PP, MDB e PTB toparam apresentar, em conjunto, um destaque que mantinha a isenção previdenciária e a possibilidade de perdão da dívida do Funrural. O destaque foi apresentado no último momento possível: pouco antes das 10 horas da quinta-feira (4), antes de começar a votação do texto-base.
O destaque foi o último a ser votado: às 2 horas da madrugada de sexta-feira (5). Foi aprovado por 23 votos contra 19. A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), ao orientar o voto do governo, confirmou que foi fechado um acordo com os partidos de centro para a mudança e que a orientação era para votar sim ao destaque.
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Segundo o líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA), o governo ficou sem saída, devido ao tamanho da bancada ruralista. Caso contrário, correria risco de perder votos no plenário. “Ali foi construído maioria e não tinha muito o que o governo fazer com a mobilização da FPA”, afirmou à reportagem. “Essa discussão ficou para o final porque é uma coisa óbvia, e que não faz sentido. Acaba prejudicando a economia. O resultado da balança comercial se deve às exportações principalmente do agro”, destaca Geller.
Na comissão especial, a oposição votou, inclusive, com partidos adversários, como o Novo. “O argumento da reforma acabou quando tirou a pensão de quem ganha um salário mínimo e deu R$ 84 bilhões para o agronegócio. Essa reforma não tem sentido fiscal para os de cima, apenas para os pobres. Quando quisemos garantir R$ 84 bilhões para os cofres da previdência, o governo deu para os empresários rurais. Não tem coerência”, afirmou a líder da minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), nesta segunda (9), em coletiva.
Geller contra-argumenta: “Quando a cooperativa ou a trade compra a produção, se ela tem que pagar Funrural e contribuição previdenciária, repassaria isso porque trabalha com margem de lucro. Se essa margem não for compatível, ela paga menos ao produtor. Se o governo colocar imposto, isso aumenta o custo do produto. Então, no final das contas, quem paga é a ponta, o produtor”.
Baixa arrecadação: o problema da aposentadoria rural
O Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que engloba as aposentadorias da iniciativa privada do regime urbano e rural e que é gerenciado pelo INSS, é deficitário há anos devido, principalmente, à aposentadoria rural. No ano passado, o déficit do regime geral chegou a seu maior patamar: R$ 195,2 bilhões no total, sendo R$ 113,8 bilhões oriundos da Previdência rural.
O grande problema da aposentadoria rural é a baixa contribuição, já que os trabalhadores, em sua grande parte, não precisam recolher. É necessário apenas provar o “efetivo exercício de atividade rural”. Segundo dados da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, a arrecadação do rural somou apenas R$ 9,9 bilhões em 2018. Já os benefícios pagos atingiram R$ 123,7 bilhões. Resultado: déficit de R$ 113,8 bilhões (em valores nominais), que teve que ser coberto pelo Tesouro (dinheiro público).
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