Os empresários estão usando as redes sociais para dar suas impressões sobre a quarentena decretada por vários governadores e prefeitos. Muitos deles afirmam que o fechamento do comércio e do setor de serviços por tempo indeterminado e as medidas restritivas de circulação de pessoas podem ter efeitos piores para a economia do que a própria pandemia em si. E defendem que o governo limite a duração das restrições ou adote a quarentena vertical, destinada somente aos grupos de risco – exatamente a ideia que o presidente Jair Bolsonaro vem defendendo.
O mais recente adepto dessa corrente foi o empresário Abílio Diniz, fundador do Grupo Pão de Açúcar e atualmente presidente do conselho de administração da Península Participações e membro do conselho do grupo Carrefour. Diniz afirmou em um texto compartilhado no LinkedIn que a quarentena precisa ter um prazo para acabar.
“As pessoas ficarão cada vez mais desesperadas. Elas estão perdendo emprego, vendo seus negócios naufragarem e ficando sem recursos até para comprarem alimentos e produtos básicos. Por isso é importante trabalhar com uma parada de semanas, não de meses. E, se possível, com uma data para seu término.”
Ele diz, ainda, que deixar milhões de pessoas por meses sem renda, sem emprego, confinadas em residências muitas vezes precárias e sem conforto, pode ser pior que a própria doença. “Se nós dermos um horizonte de retorno ao trabalho, à renda vital, daremos ânimo às pessoas para enfrentarem este momento de tantas perdas e incertezas. (...). A decisão de retomar a vida produtiva do país após esse período de parada radical precisa ser tomada agora, para estarmos prontos.”
Diniz não é o único que pensa assim. O investidor e empresário brasileiro Winston Ling é um dos maiores defensores da quarentena vertical, ou seja, do isolamento somente de idosos e demais pessoas pertencentes ao grupo de risco ao Covid-19.
Ling afirma que a economia quebra em duas semanas de quarentena horizontal (total). Com a quarentena vertical, por outro lado, o nó econômico se desfaz e a curva da epidemia alcança achatamento natural e verdadeiro em menos de 30 dias, segundo ele. Ling é um dos empresários apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e foi o responsável pela aproximação entre Bolsonaro e Paulo Guedes, atual ministro da Economia.
O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu o isolamento vertical no dia 16 de março, quando deu uma coletiva para anunciar um primeiro pacote de medidas econômicas contra os efeitos do coronavírus.
"Os mais idosos evidentemente devem se recolher. Os idosos vão para casa, os mais jovens podem circular, têm mais saúde, têm mais defesa imunológica, e a economia consegue encontrar o meio termo, porque se ficar todo mundo em casa, o produto [interno bruto] colapsa. Se ficar todo mundo na rua, a velocidade de contágio é muito rápida e você atinge no nosso sistema de saúde”, afirmou na ocasião.
Dono da Havan, uma das maiores redes de departamento do país, Luciano Hang acredita que o coronavírus pode causar “mais mortos de fome do que da doença em si”.
“Dizem que o pico talvez da nossa doença seja no mês de maio. Nós estamos no mês de março. Você já imaginou se o Brasil começar a parar agora, no mês de março, abril, maio e vamos dizer que continue, junho. Vai ser a tragédia do século”, afirmou em live transmitida no dia 19 de março. “Nós podemos causar nesse país um caos econômico muito maior a epidemia de coronavírus”, completou.
Em outra publicação, Hang disse ainda que o remédio que está sendo adotado para conter a pandemia pode resultar em desemprego, miséria, depressão e caos social. “Por isso o bom senso é fundamental. Não podemos tratar um problema e excluir outro. É preciso trazer a questão econômica para o debate, porque a economia também atinge a todos.”
O fundador e presidente da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, não chegou a defender o fim ou a flexibilização da quarentena, mas cobrou do governo um plano econômico ousado para combater a crise que será gerada com o coronavírus.
Benchimol afirmou durante uma videoconferência no último domingo (22) que não é improvável que o Brasil chegue a ter 40 milhões de desempregados até o fim de junho. Ele usou como referência a previsão feita pelo presidente do Banco Central (Fed) americano, James Bullard, de que a taxa de desemprego nos Estados Unidos poderá chegar a 30%. “No Brasil, onde há mais de 10 milhões de desempregados, acredito que o impacto será muito maior.”
Ele também cobrou que o governo lance um “Plano Marshall” para reconstruir o país depois da crise. "O risco é aumento de pessoas passando fome e no número de assassinatos.” Marshal foi o nome dado ao plano de reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra Mundial.
Declarações fortes
As declarações mais contundentes vieram de Alexandre Guerra, agora ex-sócio da rede de restaurantes Giraffas, e de Junior Durski, fundador do Madero.
Guerra usou seu perfil no Instragram para dizer que o custo da quarentena será alto. “Daqui a três, quatro meses, quando essa crise inteira acabar, qual vai ser o custo para você? Porque se você pensa que o custo vai ser de pessoas infectadas, de mortes em razão desse vírus, esse não vai ser o maior custo para a população brasileira, porque isso está sendo tratado. Agora o que não está sendo tratado nem conversado é o custo que as medidas remediadoras vão ocasionar para as pessoas.”
O empresário lembrou que em nenhuma outra crise houve, na sua visão, suspensão da atividade econômica. “Nessa semana, a gente teve suspensão do comércio. Suspensão é o seguinte, de um dia para o outro não posso abrir. Não tenho faturamento – zero faturamento –, só que tenho boletos, tenho funcionários, tenho conta para pagar”, reclamou. E deixou um alerta para os funcionários, o que causou bastante crítica nas redes sociais.
“Você que é funcionário, que talvez esteja em casa numa boa, numa tranquilidade, curtindo um pouco esse home office, esse descanso forçado, você já se deu conta de que, ao invés de estar com medo de pegar esse vírus, você deveria também estar com medo de perder o emprego? Será que sua empresa tem condições de segurar o seu salário por 60, 90 dias? Você já pensou nisso?”, afirmou.
Depois que as declarações vieram a público, Guerra foi afastado do Giraffas por seu pai, Carlos Guerra, fundador da empresa. "Concordamos que ele deixe de ser acionista da empresa e deixe o cargo de membro do conselho de administração", explicou o fundador. Segundo Carlos Guerra, o posicionamento do Giraffas é de cuidado com os funcionários e obediência às autoridades médicas responsáveis.
Durski, fundador do Madero, também usou seu perfil no Instagram para dizer que o Brasil não pode parar, pois a consequência será o desemprego em massa. Escreveu que haverá 30 milhões ou 40 milhões de desempregados no ano que vem se não for interrompido "este lockdown insano", e que morrerão de 300 mil a 500 mil pessoas no país em dois anos em consequência do dano econômico provocado pela interrupção das atividades.
Ele também disse que as consequências econômicas serão piores que as causadas pela pandemia em si. "As consequências que nós vamos ter economicamente, no futuro, serão muito maiores do que as pessoas que vão morrer agora com coronavírus. (...) Eu sei que nós temos que chorar, e vamos chorar. Mas nós não podemos [parar], por conta de 5 mil pessoas, ou 7 mil pessoas que vão morrer."
Depois da repercussão negativa, Durski voltou as redes sociais para dizer que foi mal interpretado e reafirmou que é preciso pensar nas consequências econômicas. “Não quero ser mal interpretado. Me preocupo com as pessoas que vão morrer com o coronavírus, não podemos deixar ninguém pra trás. Tem que cuidar de todo mundo. Mas não pode ser desproporcional.”
Muito do que os empresários dizem coincide com a postura do presidente Jair Bolsonaro. Na noite de terça (24), em pronunciamento na tevê, Bolsonaro criticou governadores e prefeitos por adotarem medidas de isolamento social. Cobrou o fim "da proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa" e defendeu que o país deve "voltar à normalidade".
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