Censurada nas redes sociais e aposentada compulsoriamente por criticar o Supremo Tribunal Federal (STF), a juíza Ludmila Lins Grilo resolveu oferecer um treinamento jurídico a senadores para a sabatina de Flávio Dino, indicado do presidente Lula (PT) para ocupar uma cadeira no Supremo.
Ao conversar com a Gazeta do Povo, nesta quinta-feira (30), a juíza disse que foi procurada por um parlamentar em busca de suporte jurídico para a sabatina e resolveu se colocar à disposição gratuitamente.
“Acompanhei as outras sabatinas. Na sabatina do (Cristiano) Zanin eu vi flancos que não foram explorados pelos senadores e que se eu estivesse ali, se eu fosse uma assessora deles, teria imediatamente orientado para rebater ou fazer logo uma pergunta em seguida. Então, eu vi muitas oportunidades sendo perdidas nas sabatinas anteriores. Desta vez, resolvi me colocar à disposição dos senadores caso queiram receber minha assessoria”, explicou Ludmila.
Questionada sobre as possíveis consequências de ter a indicação de Flávio Dino aprovada no Senado, a juíza disse que “não precisa ser um grande analista político para prever o que vai acontecer”.
“A reunião com as Big Techs… Aquilo ali é um episódio que deverá entrar nos livros de história. É uma cena que a gente conseguiria ver perfeitamente em episódios ocorridos, por exemplo, na União Soviética [...] Está claro que será censura total. O Dino já tem esse método ditatorial de atuar mesmo sem ser ministro do STF, mesmo dependendo de cargos eletivos e de cargos no Executivo. Agora, imagine Dino com cargo vitalício no STF. Ele simplesmente não vai ter nada mais o que temer. Hoje, ele ainda depende de votos, de nomeações, ainda tem essa dependência de terceiros para estar no poder. No STF, o cargo é vitalício, então a coisa vai piorar monumentalmente”, disse.
A fala da juíza faz referência a declarações do ministro da Justiça durante uma reunião com representantes do Twitter, Meta, TikTok, Kwai, WhatsApp, Google e YouTube, em abril deste ano.
Na ocasião, Dino ameaçou as Big Techs caso as empresas não mudassem os termos de uso para se adequarem às novas diretrizes de controle do governo e disse que “esse tempo da autorregulação, da ausência de regulação, da liberdade de expressão como um valor absoluto, que é uma fraude, que é uma falcatrua, acabou no Brasil”.
Para a juíza, o Senado ainda não reagiu ao STF como deveria, mas vê as movimentações recentes como positivas.
“O que está havendo agora, ao me ver, é um início ainda muito tímido (de reação). Há muito o que se fazer. A questão é que parte dessas pessoas (dos senadores) são incapazes de perceber a ditadura que já se instalou e são incapazes de perceber o seu papel nesse momento. Enquanto não perceberam a gravidade da situação, eles não vão agir porque isso tem um custo político”, disse Ludmila.
A juíza também lembrou da falta de reação política quando o jornalista Allan dos Santos precisou se exilar dos Estados Unidos e teve sua empresa de jornalismo fechada por ordem do ministro do STF, Alexandre de Moraes, em 2021.
“Alguns estão começando a perceber que não vai parar no Allan dos Santos. Devem ter visto agora que vai mesmo entrar em vigor aquele dispositivo que as emissoras irão responder pelas falas de seus entrevistados. Então, é claro que não vai parar no Allan, já está chegando neles (jornais com viés de esquerda)", declarou Ludmila ao lembrar que os mesmos jornais que hoje reclamam da decisão do STF fizeram vista grossa para abusos da Corte nos últimos quatro anos.
Ludmila foi “cancelada” por criticar o STF e por ser amiga de Allan dos Santos
Em maio deste ano, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decretou a aposentadoria compulsória de Ludmila Grilo, que atuava como juíza na Vara Criminal e da Infância e da Juventude da comarca de Unaí.
A decisão se deu em decorrência de processos que a juíza respondia no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ludmila virou alvo do CNJ por fazer análises críticas sobre decisões do STF em publicações na internet e em aulas fechadas; por participar de eventos conservadores; e por ser amiga do jornalista exilado, Allan dos Santos.
Segundo o corregedor do CNJ, ministro Luís Felipe Salomão, "além de aparentar desrespeito à ordem do Supremo”, as ações da juíza podem “configurar crimes tipificados no Código Penal” por ter, supostamente, violado “deveres funcionais inerentes à magistratura, notadamente o de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.
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