O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu, logo após ser eleito para o terceiro mandato, pacificar o país, que emergiu das últimas eleições dividido pela maior polarização política da sua história. A intenção de formar uma frente ampla com as forças do centro se desmanchou logo com a realidade de um Congresso de perfil conservador e diante do próprio discurso do petista - ainda em tom de campanha -, além dos seus gestos carregados de desejo de vingança. Quase um ano depois, o legado que a atual gestão vem construindo é o de uma divisão ainda mais profunda na sociedade e na política - uma armadilha que o próprio Lula criou e dela não consegue sair.
A publicidade oficial do Planalto anunciada para o fim do ano, sob o slogan “O Brasil é um só povo”, parte da compreensão de que a reconciliação ainda está distante e, por isso, a comunicação oficial prega a paz social. Contudo, contraditoriamente, para manter a militância ativa, o presidente da República e os líderes do seu partido não conseguem amenizar as reações contra os adversários. Eles retratam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o grupo de seus apoiares como a maior ameaça ao status quo do governo.
Nas últimas semanas, pesquisas de opinião com eleitores e livros sobre o cenário político confirmam a imagem de um país dividido além do jogo eleitoral.
A partir de 27 levantamentos de intenção de voto realizadas pelo instituto Quaest a pedido da Genial Investimentos, o livro recém-lançado “Biografia do Abismo” concluiu que a dicotomia direita e esquerda transcendeu o espectro político, infiltrando-se no dia a dia. A obra foi escrita pelo jornalista Thomas Traumann, ex-porta-voz no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e pelo cientista social Felipe Nunes, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para os autores, não se trata mais da polarização política comum em disputas eleitorais de dois turnos, mas da “calcificação” do racha que tomou a sociedade brasileira, indo até laços familiares, ambientes escolares e relações empresariais.
No dia 1º de janeiro de 2023, o então recém-empossado Lula subiu ao parlatório do Palácio do Planalto prometendo unir o país, que havia saído de uma disputa eleitoral apertada, na qual Lula foi eleito com uma diferença de menos de 2% dos votos. “Vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para quem votou em mim. A disputa eleitoral acabou”, discursou à época.
Mas o retrato de hoje é bem diferente do prometido. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada em 19 de dezembro de 2023, 90% dos eleitores dizem não se arrepender do voto no segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Dos arrependidos, 9% mudariam o voto dado em Lula e 7% disseram o mesmo em relação ao apoio dado a Bolsonaro.
Clima de confronto permanece muito tempo após as eleições
Para Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral (FDC) e autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder”, as tendências do eleitorado brasileiro nas últimas duas décadas vieram para ficar, inclusive em termos geográficos. “Lula mudou o mapa político do Brasil após 2006, ganhando o apoio da população mais pobre e consolidando poderio territorial que vai do norte de Minas, passando pelo Nordeste e chegando ao interior da Amazônia”, disse. Pelas falas recentes de Lula, de sua esposa, Rosângela Lula da Silva, a Janja, e da presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), o clima de confronto contra os apoiadores de Jair Bolsonaro seguirá firme.
Marcus Deois, diretor da consultoria Ética Inteligência Política, acrescenta que as derrotas contundentes sofridas pelo governo na sessão conjunta do Congresso, em 14 de dezembro de 2023, com derrubadas de vetos presidenciais, como o da desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos e o do marco temporal das terras indígenas, sinalizam que “2024 também não será um ano fácil para a articulação política do governo”.
Prova disso está no placar de votação: no veto da desoneração, o Senado deu 60 votos pela derrubada contra só 13 pela manutenção. Já na Câmara foram registrados 378 votos pela derrubada do veto e 78 pela manutenção.
Na derrubada do veto ao marco temporal, pauta cara ao governo, os senadores registraram 58 apoios pela derrubada a 19 pela manutenção; na Câmara, foram 321 votos contra e 137 a favor.
“O governo se movimentou de forma estratégica, calculou derrotas e, com a aprovação da Reforma Tributária e da vitória das suas indicações para o Supremo Tribunal Federal (STF) e para a Procuradoria-Geral da República (PGR), já pode se dar por satisfeito em relação a 2023”, comentou.
Polarização será testada no Congresso e nas urnas em 2024
Arthur Wittenberg, professor de Relações Institucionais e Políticas Públicas do Ibmec-DF, salienta que a gestão Lula sente os efeitos práticos da polarização política na relação cotidiana com o Congresso, dominado pela centro-direita. “É um sufoco permanente, mesmo com composições ministeriais. A pauta ideológica do governo não se sustenta e as pautas para aumentar o tamanho do Estado e a carga de impostos enfrentam resistência muito forte”, disse.
Por outro lado, matérias que aumentam a produtividade do país tendem a ter apoio parlamentar substantivo. “Nesse conflito de agendas, espaços para negociar são mínimos”, observou.
O lema “União e Reconstrução”, do governo federal, está longe de superar a ainda dominante dicotomia “nós contra eles” no debate público. Nesse contexto, as eleições municipais de 2024 servirão de teste para o nível de polarização política que profundamente divide a sociedade.
No cenário de hoje a maioria das prefeituras é controlada por partidos de centro – PSD (968), MDB (838), PP (712) e União Brasil (564). Nos polos do espectro político estão o PL de Bolsonaro, com 371 prefeituras, e o PT, de Lula, com 227. Mas PL e PT se mobilizam com aliados para disputar o maior número possível de prefeituras, sobretudo nas capitais. Com essa corrida, o cenário de polarização pode se repetir nos municípios nas eleições deste ano.
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