A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou nesta terça-feira (25) uma liminar para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixasse a prisão. Apesar do resultado desfavorável, Lula ainda pode ser solto pelo STF quanto os ministros retomarem o julgamento do mérito do caso, depois do recesso judiciário.
A decisão da Segunda Turma foi no âmbito do habeas corpus em que a defesa pede a suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro, alegando parcialidade ao conduzir os processos envolvendo o petista. O caso começou a ser julgado em dezembro do ano passado, mas foi adiado por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes.
Na sessão desta terça-feira, Gilmar Mendes propôs que fosse concedida uma liminar para que o ex-presidente aguardasse o desfecho do julgamento do habeas corpus em liberdade. Segundo o ministro, não haveria tempo suficiente para julgar o mérito do caso, já que apenas o seu voto tem mais de 40 páginas, e as sessões do STF entram em recesso nesta semana.
O ministro Ricardo Lewandowski, ao dar seu parecer, afirmou que estava pronto para votar o mérito do caso, mas concordava com a proposta de Gilmar em conceder a liminar para soltar Lula. Os demais ministros do colegiado – Edson Fachin, Celso de Mello e Carmen Lúcia – votaram contra a liminar.
Mérito ainda será discutido
O que os ministros julgaram foi apenas a sugestão de Gilmar Mendes para que Lula aguardasse em liberdade o julgamento do habeas corpus. O colegiado ainda vai voltar a discutir o mérito do recurso.
Como a sessão desta terça-feira (25) foi a última da Turma antes do recesso judiciário, o caso só voltará a ser discutido a partir de agosto. O habeas corpus pede que a condenação de Lula no caso do tríplex no Guarujá seja anulada e o presidente colocado em liberdade, alegando que Moro foi parcial e agiu politicamente ao conduzir o caso.
Em dezembro de 2018, quando teve início o julgamento do mérito, os ministros Edson Fachin e Carmen Lúcia votaram por negar o recurso. A tendência é que os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski discordem e votem a favor da anulação dos processos.
A grande dúvida é o voto do ministro Celso de Mello. Apesar de votar contra a liminar nesta terça-feira, o ministro disse que sua decisão não é uma prévia de seu voto no mérito da questão.
O que a defesa alega
A defesa de Lula elenca uma série de argumentos para mostrar que Moro não teria sido imparcial ao julgar Lula. Os argumentos são os seguintes:
- condução coercitiva ilegal de Luiz Inácio Lula da Silva, já que ele não teria se negado a prestar depoimento antes da medida;
- quebra do sigilo telefônico arbitrária de Lula, familiares e até de advogados;
- violação do sigilo das interceptações e divulgação ilegal dos áudios;
- a condenação imposta a Lula no caso tríplex;
- a atuação do ex-juiz Sérgio Moro para impedir ordem de soltura de Lula em julho do ano passado, quando foi emitido um habeas corpus concedido pelo desembargador Rogério Favretto, do TRF-4. Moro, mesmo de férias e não sendo mais responsável pela execução da pena de Lula, ordenou que a Polícia Federal não cumprisse o mandato de Favreto;
- o fato de o interrogatório do ex-presidente no caso da compra de imóveis pela Odebrecht ter sido adiado, segundo a defesa, com o claro objetivo de impedir que Lula pudesse se manifestar publicamente durante ano eleitoral;
- o fato de, na última semana antes do primeiro turno das eleições, Moro, de ofício, ter levantado o sigilo de parte da delação premiada de Antônio Palocci Filho;
- o fato de que o Juiz Sérgio Moro iria assumir o Ministério da Justiça do governo do opositor político de Lula [Jair Bolsonaro
Recentemente, a defesa também anexou no pedido diálogos atribuídos a Moro e ao procurador da República, Deltan Dallagnol, divulgados pelo site The Intercept. As supostas conversas mostrariam que Moro orientava ações da força-tarefa, indicava testemunhas, cobrava a realização de operações, sugeriu a troca na ordem de deflagrações de fases da Lava Jato e pediu que o Ministério Público emitisse uma nota para se contrapor ao que chamou de “showzinho da defesa” depois do interrogatório de Lula no caso do tríplex no Guarujá.
“Violações são públicas e notórias, que vão desde o cerceamento do direito à prova, ao indeferimento contínuo de todo e qualquer requerimento da defesa. E hoje sabemos que a defesa era meramente tratada de maneira formal. Porque os prestigiados eram os acusadores, desde o início do processo”, disse o advogado Cristiano Zanin em sua sustentação oral no STF nesta terça-feira.
Lula ainda pode ser solto pelo STF
Ainda há uma certa divergência no STF sobre a validade das supostas conversas entre Moro e Dallagnol, divulgadas pelo The Intercept como prova. Com isso, Lula ainda pode ser solto pelo STF. Mas há outra questão que pode fazer com que o voto de Celso de Mello – a grande dúvida entre o colegiado – penda para o lado da defesa: a interceptação telefônica de advogados do ex-presidente, autorizada por Moro.
O ex-juiz Sergio Moro, ao autorizar uma série de grampos telefônicos nas investigações contra Lula, incluiu uma autorização para interceptação telefônica do escritório de advocacia que defende o ex-presidente. O escritório foi grampeado por 30 dias.
A companhia telefônica teria avisado Moro, duas vezes, que o telefone a ser grampeado se tratava de um escritório de advocacia. Ao ser questionado pelo STF sobre o caso em 2016, Moro afirmou que “não percebeu” o erro.
A defesa de Lula alega que foi vigiada por Moro em tempo real enquanto discutia estratégias de defesa de Lula. Os advogados protocolaram no habeas corpus um documento da Polícia Federal que contém anotações sobre as conversas interceptadas no escritório.
Celso de Mello e a suspeição de Moro
Em maior de 2013, antes de a Lava Jato ser deflagrada, Celso de Mello já votou pela suspeição de Moro em outro caso.
A discussão sobre o tema, em 2013, ocorreu no julgamento de um habeas corpus (HC) do doleiro Rubens Catenacci, condenado por remessa ilegal de divisas ao exterior no caso Banestado, que Moro julgou enquanto era titular da 2ª Vara Criminal em Curitiba, em 2003.
A defesa argumentou que Moro monitorava os advogados para garantir cumprimento de mandados. Com parecer também contrário da Procuradoria-Geral da República (PGR), a 2ª Turma rejeitou o pedido em 2013. Celso de Mello foi o único a votar pela parcialidade de Moro.
Apesar de Celso de Mello ter ressaltado, nesta terça-feira, que não estava adiantando seu entendimento em relação ao mérito do processo fica a dúvida se o ministro vai repetir o voto de 2013.
Com suspeição de Moro, Lula ainda pode ser solto pelo STF
Se, ao retomarem o julgamento do habeas corpus, os ministros decidirem que Moro não pode ser considerado suspeito para julgar Lula, nada muda para a Lava Jato. Caso a decisão seja no sentido oposto, porém, as consequências são variadas.
Em tese, o habeas corpus não deve anular toda a operação. Isso porque a defesa alega parcialidade de Moro apenas em relação ao ex-presidente. Mas o fato é que Lula ainda pode ser solto pelo STF: se a decisão da Turma for favorável à defesa, o efeito mais imediato é a liberdade do ex-presidente.
Lula está preso em Curitiba desde abril de 2018 com base na condenação em segunda instância no processo do tríplex. Se os ministros decidirem que Moro não foi imparcial ao julgar o caso e o processo for anulado, não há fundamentos para manter o petista na cadeia.
A decisão dos ministros também pode impactar em outros dois processos de Lula na Lava Jato que foram conduzidos por Moro. O primeiro, referente ao sítio em Atibaia, já teve condenação pela juíza Gabriela Hardt. O segundo, referente à compra de imóveis pela Odebrecht, está aguardando sentença. Os ministros podem decidir que as denúncias do Ministério Público precisam ser analisadas por outro juiz - o que faria os processos voltarem à estaca zero.
A consequência mais desastrosa para a Lava Jato seria os ministros decidirem anular a coleta de provas contra o ex-presidente na operação Aletheia, a 24.ª fase da Lava Jato, que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao petista e um mandado de condução coercitiva contra Lula. Neste caso, as provas seriam inutilizadas e as investigações, denúncias e processos decorrentes delas, anulados.
O tamanho do estrago só vai ser possível de analisar depois do julgamento. Ao proclamar o resultado, os ministros definem as consequências da decisão.