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Após fracassar em impor a aceitação diplomática da Venezuela entre os países vizinhos do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está tentando costurar novas alianças na América do Sul baseadas em alinhamento com outros governantes de esquerda. Neste sábado (8), Lula estará na Colômbia, onde terá uma reunião com o presidente Gustavo Petro para discutir a preservação da Amazônia. Para especialistas, no entanto, o compromisso não passa de mais “uma reunião ideológica”.
"Lula tem priorizado a agenda internacional mais que a nacional, pois existe nele uma motivação para ser um líder internacional reconhecido. O Petro é aliado de Lula na Colômbia com uma agenda de esquerda bem parecida. Em vista disso, acredito que seja muito mais uma reunião de estreitamento de laços e de uma agenda obsessiva de Lula pela política externa", analisa a cientista política Deysi Cioccari, autora do livro Fake News na Política (ed. Edições 70).
O presidente da Colômbia lidera, ao lado de Lula, um encontro com diplomatas e lideranças comunitárias de países que formam a floresta amazônica. O evento acontece na cidade de Leticia. Conforme informou o próprio Petro em suas redes sociais, cerca de 600 líderes vão participar do evento, que diz buscar encontrar soluções para o desmatamento da floresta.
O encontro tem a intenção de antecipar a Cúpula das Florestas, marcada para acontecer nos dias 8 e 9 de agosto, em Belém, no Pará. O evento organizado em solo brasileiro vai reunir os chefes de Estado dos oito países que compõem a floresta amazônica.
“Utilizando as ideias de defesa ambiental da Amazônia e o modo de ver brasileiro, acredito que o presidente Lula tem procurado uma espécie de unidade entre os países [que compõe a floresta amazônica] para que possam ter o mesmo discurso. Vale lembrar que Gustavo Petro também é um presidente de esquerda. Então, o desejo de Lula é projetar a sua visão de defesa do meio ambiente e, mais uma vez, como ele mesmo disse, projetar o Brasil como uma liderança regional”, avalia o doutor em Relações Internacionais e membro da Associação Portuguesa de Ciência Política, Igor Lucena.
Aproximação dos dois países pode ser mais interessante para a Colômbia
Para além da identificação ideológica, os especialistas explicam que Brasil e Colômbia têm poucos assuntos em comum para discutir. "Diria que [Brasil e Colômbia] têm mais discrepâncias que similaridades. Talvez as nossas maiores ligações sejam no combate ao crime organizado e a preservação da Amazônia", salienta Lucena.
A expectativa para o encontro deste final de semana é que os líderes assinem um acordo em conjunto visando o bem da Amazônia. "Pode-se esperar um pré-acordo firmando compromisso para preservação da Amazônia, principalmente do lado colombiano que preocupa por ser responsável por uma das maiores perdas de hectares de floresta. É uma situação muito complicada por causa da presença das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)", pontua Deysi Cioccari.
Um estudo de 2021, que contou com a participação de diversas organizações ligadas ao meio ambiente, concluiu que a maior parte da devastação na Amazônia colombiana é promovida por grupos armados ilegais, atores privados e funcionários públicos corruptos. No mesmo ano, uma reportagem da BBC ainda revelou que integrantes da Farc invadiam a área florestal brasileira para extorquir garimpeiros ilegais.
A especialista explica que a Colômbia tem tentado arcar com o compromisso de lutar contra o desmatamento ilegal. "Se aqui no Brasil temos problemas com a grilagem, lá não é nada diferente. O governo mesmo admite que quase metade da derrubada de florestas foi causada pela grilagem", explica a cientista política à Gazeta do Povo.
Nesse sentido, Igor Lucena avalia que Lula e Petro também podem firmar um acordo no que diz respeito à segurança contra o crime organizado na região da Amazônia colombiana. "Talvez entre na pauta uma ajuda coletiva da Polícia Federal para a defesa da região e, principalmente, no combate aos laboratórios de cocaína. Sabemos que a floresta, seja colombiana ou brasileira, não tem limites físicos e, portanto, esse é um problema para os dois lados", explica.
Um outro ponto que pode ser abordado no encontro entre os presidentes é a discussão sobre a criação de um Fundo Amazônia colombiano. Lucena explica que é do interesse de Petro discutir sobre o tema com Lula e reproduzir a estratégia brasileira na Colômbia.
Colômbia pode ser esperança para Lula após mal-estar criado na América do Sul
Desde que assumiu seu terceiro mandato como presidente do Brasil, Lula tem buscado estreitar os laços com a América do Sul. O petista, porém, deixou seus interesses ideológicos atrapalharem a retomada de diálogo entre os países do sub-continente. Em algumas ocasiões, Lula saiu em defesa do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e chegou a fazer vista grossa para a crítica situação enfrentada no país vizinho.
Após encontro bilateral com Maduro em Brasília neste ano, o petista chegou a dizer que a Venezuela era “vítima de uma narrativa antidemocracia e autoritarismo”. O líder venezuelano, porém, é investigado pelo Tribunal Internacional por crimes contra os direitos humanos e por fazer presos políticos e assassinar opositores. À frente da Venezuela há 10 anos, Maduro realiza eleições fraudulentas não reconhecidas pelos órgãos internacionais.
As alegações de Lula causaram descontentamento em outros presidentes sul-americanos que repreenderam as falas do mandatário brasileiro. Na última semana, durante a Cúpula do Mercosul, novas críticas foram feitas ao petista. Na ocasião, o presidente uruguaio, Luís Lacalle Pou (Partido Nacional), questionou o posicionamento que Lula tem adotado sobre a Venezuela.
Além da tentativa de vista grosa, o petista defende que o país seja reintegrado ao Mercosul e disse que o bloco "não pode isolar" a Venezuela. Após a frustrada tentativa em ser um "correspondente" da paz para a Venezuela, Lula pode se focar na Colômbia para ganhar capital político na América do Sul. O petista assumiu a presidência do Mercosul na última semana.
"A Colômbia [dentre os países que formam a Amazônia] talvez seja o país mais estável e mais economicamente desenvolvido, e o Brasil tem pouca influência sobre ele", avalia Lucena. Na concepção do especialista, também pode existir algum tipo de interesse econômico nessa aproximação.
"Ainda que a Colômbia não esteja no Cone Sul da América Latina, ela é líder da Aliança do Pacífico [bloco comercial formado por Chile, Colômbia, México e Peru]. Acredito que o presidente Lula possa estar visando aproximar o bloco com o Mercosul, algo que era defendido nos seus primeiros mandatos", afirma Lucena.
"Vale lembrar que a Aliança do Pacífico é um órgão comercial muito menos ideológico e mais avançado que o Mercosul. A dinamicidade econômica da Aliança é muito superior e talvez isso seja uma maneira de amplificar o poder econômico do Mercosul, até mesmo visando neutralizar críticas como as do presidente uruguaio", pontua o especialista.