De volta ao seu berço político, o Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo (SP), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou evidente a intenção de começar desde já a campanha petista à presidência da República em 2022. Em discurso de cerca de 45 minutos, ele criticou duramente governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), principalmente os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sergio Moro; a Lava Jato e a mídia. O petista chegou a associar Bolsonaro a milicianos e chamou os militantes às ruas para protestar contra o governo.
Lula deixou a cadeia em Curitiba, onde permaneceu por um ano e sete meses, na sexta-feira (8), após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou ilegal a prisão após condenação em segunda instância.
O ex-presidente deu a entender que buscará costurar uma aliança de esquerda para as eleições presidenciais. “Se a gente trabalhar direitinho, em 2022 a chamada esquerda que o Bolsonaro tanto tem medo vai derrotar a ultradireita nesse país”, disse Lula. “A gente tem que ter a seguinte decisão: esse país é de 210 milhões de habitantes e a gente não pode permitir que os milicianos acabem com esse país”, provocou.
Em nenhum momento, porém, disse que ele será o candidato da esquerda. O ex-presidente está impedido de disputar as eleições com base na Lei da Ficha Limpa, em virtude da condenação por órgão colegiado no processo do tríplex.
Lula disse que não irá incentivar o PT a pedir o impeachment de Bolsonaro. “O cidadão foi eleito democraticamente. Nós aceitamos o resultado da eleição. Esse cara tem um mandato de 4 anos”, disse. Mesmo assim, não poupou Bolsonaro de duras críticas. “Ele foi eleito para governar para o povo brasileiro e não para governar para os milicianos do Rio de Janeiro”, disparou Lula, insinuando uma ligação do presidente com grupos de milícia armada.
Ao lado do deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ), citado diversas vezes por Lula em seu discurso e que fez carreira política no combate à milícias no Rio, Lula cobrou uma solução para a investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco (Psol), assassinada em março de 2018. Freixo também era próximo da vereadora, que foi sua assessora na Assembleia Estadual do Rio (Alerj).
“Não é a gravação do filho dele que vale, é preciso que haja uma perícia séria”, disse Lula. O petista fez referência às gravações da portaria do condomínio da família Bolsonaro, onde também vive um dos suspeitos do crime. Recentemente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC) fez um vídeo nas redes sociais para mostrar que o depoimento do porteiro que ligava Bolsonaro às investigações da morte de Marielle – e que foi desmentido depois pelo Ministério Público – era falso.
Lula também lembrou do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, outro filho do presidente, suspeito de envolvimento com milícias e de organizar um esquema de “rachadinha” na Alerj. “Ele tem que explicar onde está o Queiroz”, disse o petista em cima do caminhão de som.
Críticas ao governo e tom de campanha
Lula também não poupou críticas à política econômica do governo. Ele chegou a chamar o ministro da Economia, Paulo Guedes, de “demolidor de sonhos, demolidor de empresas públicas brasileiras”.
Lula criticou a reforma da Previdência, aprovada recentemente pelo Congresso. “Enquanto ele [Bolsonaro] aumentou o tempo de aposentadoria para os trabalhadores, ele se aposentou muito jovem”, acusou o ex-presidente. “Ele tem que explicar por que estão apresentando um projeto econômico que vai empobrecer ainda mais a sociedade brasileira”, disse o petista.
Lula também falou da queda na taxa básica de juros da economia brasileira, uma das conquistas do governo Bolsonaro até agora. “Vocês estão percebendo que a taxa de juros está caindo, mas a taxa que cai é a Selic, que envolve governo e sua dívida pública. Eu quero saber se o juros do cartão de crédito de vocês caiu. Se o juros do cheque especial de vocês caiu. Se o juros das Casas Bahia caiu. Porque é esse juros que toca diretamente no bolso do trabalhador”, disse.
Enquanto fazia críticas ao governo federal, Lula aproveitou para dizer que vai sair em caravana pelo país, e aproveitou para listar nomes dos políticos que devem acompanhá-lo e, possivelmente, formar uma chapa presidencial: Fernando Haddad (PT), Marcelo Freixo e Guilherme Boulos (Psol).
Ele também citou a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), e outros apoiadores do PCdoB em seu discurso. “Estou disposto a voltar a andar por esse país. Junto com o Haddad, com o Freixo, com a Benedita [da Silva, deputada do PT], com a Gleisi, com o PCdoB”, disse.
“Se as pessoas tiverem onde trabalhar, se as pessoas tiverem um salário, se as pessoas tiverem onde estudar, se as pessoas tiverem acesso à cultura, a violência vai cair. Temos que dizer que contra a distribuição de armas do Bolsonaro, nós vamos distribuir livros, acesso à cultura. É esse país que queremos e sabemos como construir”, afirmou o ex-presidente.
Lula também não poupou a Lava Jato
O ex-presidente também não poupou a Lava Jato em seu discurso e disse que ainda pretende anular todos os processos contra ele conduzidos pelo ex-juiz Sergio Moro. “Nós ainda não ganhamos nada, porque o que queremos agora é o habeas corpus que demos entrada no Supremo Tribunal Federal anulando todos os processos feitos contra mim”, disse.
A defesa de Lula aguarda o julgamento de um HC na Segunda Turma do STF que pede que seja declarada a parcialidade de Moro no caso do tríplex, que levou Lula à prisão, e, por consequência, o caso seja anulado.
O ex-presidente fez críticas diretas a Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, mas garantiu não ter ódio dos investigadores. “Eu fiquei em uma solitária e durante 580 dias eu me preparei espiritualmente para não ter ódio, para não ter sede de vingança, para não odiar meus algozes”, disse o petista. “Aos 74 anos de idade eu não tenho direito de ter ódio mais no meu coração”, completou.
Críticas de Lula à mídia
Assim como Bolsonaro, Lula também não poupou ataques à imprensa, principalmente os noticiários de TV. Criticou as emissoras Globo, Record e SBT. “A TV do Silvio Santos está uma vergonha. A TV Record está uma vergonha. A Rede Globo continua a mesma vergonha”, disse.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) também tem subido o tom nas críticas à imprensa, especialmente à Rede Globo e ao jornal Folha de S. Paulo, recentemente.
Vizinhos da América Latina
Lula também falou sobre a política nos países vizinhos, na América Latina. O ex-presidente citou o Chile como “modelo de país que o Guedes quer construir”. Ele também citou as eleições da Argentina, que trouxeram de volta ao poder a ex-presidente Cristina Kirchner, agora como vice-presidente, e a Bolívia, que assim como o Chile, enfrenta uma onda de protestos.
“Temos que ser solidários à Bolívia, ao povo do Chile, ao povo da Argentina”, disse. “Temos que ser solidários ao povo da Venezuela”, completou o petista. “É normal que qualquer um de nós possa ter críticas a qualquer governo do mundo, mas quem resolve esses problemas é o povo desse país”, disse.
O PT tem se recusado a reconhecer a existência de uma ditadura na Venezuela, onde o governo do ditador Nicolás Maduro ataca e persegue opositores e a imprensa crítica ao regime.
Ao contrário do governo Bolsonaro, Lula também fez questão de se distanciar do governo norte-americano e criticou o presidente dos Estados Unidos. “(Donald) Trump não foi eleito para ser xerife do mundo”, disse.