O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu os discursos da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas fazendo críticas à rede social X, pedindo urgência para ações contra a fome e de combate às mudanças climáticas, e sugeriu a taxação dos super-ricos. Ele também defendeu uma reforma do Conselho de Segurança, o órgão da ONU responsável por tentar evitar conflitos armados.
Lula não se referiu nominalmente ao X ou ao empresário Elon Musk, mas disse que o Estado "não se intimida perante indivíduos, corporações ou plataformas que se julgam acima da lei". A fala é uma referência à resistência de Musk em cumprir determinações do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que ele considerou que afrontam a própria legislação brasileira.
"A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras", disse Lula ao defender o direito do Estado controlar as redes sociais. Ele disse que é uma questão de soberania "fazer cumprir as regras em seu território, incluindo o ambiente digital".
Lula usou a parte inicial de seu discurso para falar de mudanças climáticas e assumiu que o Brasil vive uma crise causada pela queimadas. "O meu governo não terceiriza responsabilidade nem abdica de sua soberania. Já fizemos muito, mas é preciso fazer mais", afirmou. O presidente brasileiro também disse que luta com quem lucra com a degradação ambiental, como garimpeiros e membros do crime organizado. Ele também prometeu erradicar o desmatamento no país até 2030.
O presidente também defendeu uma reforma do Conselho de Segurança da ONU. Ele disse que países da América Latina e da África também deveriam ter assentos permanentes no órgão, pauta que vem defendendo desde seu primeiro mandato. Lula também disse que o direito a veto dos membros permanentes tem que ser discutido.
Dado sobre queimadas divulgado por Lula representa metade da área registrada pelo Inpe
Ao mencionar as queimadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que 5 milhões de hectares foram “devorados” por incêndios florestais no mês de agosto no país. Lula, no entanto, não mencionou a fonte do dado. A área equivale aproximadamente à area do estado da Paraíba.
O dado apresentado por Lula equivale a praticamente a metade do número apresentado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para o mesmo período, que aponta que 11 milhões de hectares foram queimados no Brasil. O Inpe é um instituto de pesquisa governamental, vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
A Gazeta do Povo questionou a Secretaria de Comunicação da Presidência da República e o Ministério do Meio Ambiente sobre a fonte utilizada, mas não recebeu retorno até o momento.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que o Inpe é referência mundial e possui reconhecida confiabilidade. Mesmo assim, Lula preferiu utilizar em seu discurso um dado diferente, e menor, do que o informado pelo Inpe.
Ao que tudo indica, o dado apresentado por Lula é o divulgado no estudo chamado Monitor do Fogo, do MapBiomas, que reúne ONGs, universidades e empresas de tecnologia. Os dados do MapBiomas mostram que em agosto foram destruídos 5,65 milhões de hectares em queimadas.
Há uma diferença de precisão entre os satélites usados pelo Inpe e do MapBiomas. As imagens disponibilizadas à ONG são mais precisas que as utilizadas pelo Inpe.
Lula usou o tema da luta contra a mudança pra tentar colocar o Brasil em uma posição de protagonismo internacional. "O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos que não são cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono o negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que nunca chega", disse o brasileiro.
Mas Lula chegou ao evento com esse discurso enfraquecido e em um momento em que sua gestão tem sido ineficaz com crises ambientais internas. Ele usou o discurso na Assembleia da ONU para lembrar que o Brasil receberá a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) em 2025, que será realizada em Belém (PA) e para dizer que a preservação ambiental no Brasil é baseada no potencial da bioeconomia. "O multilateralismo é o único caminho para superar a urgência climática", disse Lula.
Reforma pela governança global
Com o tema "Não deixar ninguém para trás: agindo juntos para o avanço da paz, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana para as gerações presentes e futuras", Assembleia da ONU deve ser marcada pela discussão sobre uma reforma do Conselho de Segurança.
Enquanto a guerra entre Rússia e Ucrânia se mostram longe de um fim, e as tensões no Oriente Médio aumentam, a efetividade do Conselho tem sido colocada em xeque. As principais discussões são a abolição do poder de veto dos cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia) e a entrada de mais países nesse grupo.
Lula embarcou na pauta e defendeu a expansão do número de membros permanentes para incluir países da África e da América Latina. "A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial", declarou Lula.
O aumento do número de membros permanentes também foi apoiado pelo presidente americano Joe Biden. “A ONU precisa se adaptar e trazer novas vozes e novas perspectivas é por isso que nós apoiamos a reforma e a expansão da filiação no Conselho de Segurança da ONU”, afirmou Biden.
O petista também aproveitou a oportunidade para defender o plano da China para levar a paz para a Ucrânia. O documento, em seis pontos, prevê uma conferência para discutir um cessar fogo que inclua Rússia e Ucrânia, ou seja, invasor e invadido. “Já está mais que claro que os dois países não vão atingir seus objetivos pela via militar”, disse Lula.
Na prática, esse plano apoia a anexação de um quinto do território da Ucrânia pela Rússia por meio da força. A adesão do Brasil à proposta mostra também a adesão de Lula a uma política global de segurança promovida pela China que tem caráter antiamericano.
A proposta já foi rejeitada pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e aliados da Ucrânia. Para o líder ucraniano, o plano proposto por Brasil e China leva em consideração os anseios russos e não prevê, por exemplo, a retirada das tropas russas da Ucrânia e nem a devolução do território que o país de Vladimir Putin ocupou.
Críticas a Israel, Milei e Bolsonaro
Lula também aproveitou a fala de abertura das discussões na ONU para atacar indiretamente Israel e o presidente argentino, Javier Milei. O petista comemorou a presença da delegação palestina na Assembleia e se mostrou preocupado com um possível escalada da guerra para envolver o Líbano.
"Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da historia recente. E que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou com uma ação terrorista de fanáticos contra civis e israelenses inocentes, se tornou uma punição coletiva e todo o povo palestino. São mais de 40 mil vitimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa se transformou no direito de vingança e impede um acordo para liberação de reféns e adia o cessar-fogo", disse o mandatário brasileiro.
Lula tem sido um crítico frequente da contra-ofensiva israelense na Faixa de Gaza. O país está em guerra com o grupo terrorista Hamas há quase um ano, desde que o grupo fez um ataque terrorista a Israel em outubro de 2023. O petista tem condenado a força imposta por Israel no enclave e já chegou a acusar o governo israelense de cometer genocídio contra o povo palestino em Gaza.
Sem citar o nome de Javier Milei ou de Jair Bolsonaro, o mandatário brasileiro também fez críticas a apoiadores do ex-presidente brasileiro e ao presidente argentino. Lula condenou "falsos patriotas isolacionistas", em provável referência a apoiadores de Bolsonaro, e disse que "experiências ultraliberais agravam dificuldades em continente depauperado", se referindo à Argentina sem citar Milei.
"Em um mundo globalizado, não faz sentido recorrer a falso patriotas e isolacionistas, tão pouco a esperança no recurso a experiências ultraliberais que apenas agravam a dificuldade de um continente depauperado. O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrente todas as formas de discriminação" - foi a fala do petista.
Desde que Javier Milei assumiu a presidência da Argentina, ele e Lula ainda não se encontraram e nem conversaram. Os dois líderes são antagônicos no espectro político e trocam críticas durante a campanha eleitoral de Milei. O argentino ainda chegou a causar um ruído no Palácio do Planalto ao vir para o Brasil em um encontro com político da direita sem se encontrar com Lula. No evento, Milei chegou a se reunir com Bolsonaro.
Lula acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro de "isolar" o Brasil do mundo, em referência à política externa adotada por Bolsonaro durante sua gestão. Quando retornou à presidência para seu terceiro mandato, Lula abraçou o bordão "o Brasil voltou" e deu início à uma série de viagens internacionais sob a justificativa de retomar as relações do país no exterior.
Lula se apoia no discurso de combate à pobreza e taxação dos super-ricos
O combate à pobreza e à fome, pautas antigas do petista, também apareceram no discurso na ONU. Lula disse que "os países mais pobres, financiam os mais ricos" e chamou esse funcionamento de "Plano Marshall às avessas".
"Sem maior participação dos países em desenvolvimento, na direção do FMI e do Banco Mundial, não haverá mudança efetiva. Enquanto os objetivos do desenvolvimento sustentável ficam para trás, as 150 maiores empresas do mundo obtiveram, juntas, um lucro de US$ 1,8 trilhões nos últimos dois anos. A fortuna dos cinco principais bilionários mais que dobrou desde o início desta década. Quase 60% da humanidade ficou mais pobre", criticou o mandatário brasileiro, que também voltou a defender a taxação mundial de grandes fortunas.
Iniciativas de combate à fome e à pobreza também são pautas do Brasil no G20, bloco das 20 maiores economias do mundo que o país preside neste ano. Lula tem buscado apoio de outros países para a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa que o país espera fazer o lançamento oficial durante a Cúpula de Líderes do G20 em novembro, no Rio de Janeiro.
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