Presidente da Câmara, Arthur Lira, segue mostrando ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, quem tem as cartas no jogo do Congresso.| Foto: Marina Ramos / Câmara dos Deputados
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O engenhoso xadrez político dos bastidores de Brasília deu lugar a uma partida de pôquer entre as duas figuras dominantes do jogo do poder. Os jogadores Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, tomaram lugar à mesa antes mesmo do início de seus atuais mandatos e vêm protagonizando rodadas tensas com apostas de altíssimo valor, que mexem com o futuro do país. Não se sabe quem vencerá a disputa, até agora dominada pelos blefes de Lula e pelas cartadas de Lira. Enquanto o chefe do Executivo tenta ganhar tempo, o mediador do Centrão segue dando as cartas – e escondendo outras na manga.

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Os próximos lances desse jogo são decisivos e dizem respeito ao desfecho da reforma ministerial vinculada à votação do arcabouço fiscal, do qual por sua vez depende a definição do orçamento federal e dos programas de governo. Após negociações em prazos apertados e que envolveram a liberação de bilhões em emendas parlamentares para aprovar a reforma fiscal na Câmara em julho, Lira deixou estrategicamente a análise da regra de gastos da União para ir a plenário apenas após o recesso parlamentar.

A troca do ministério reservado ao União Brasil, de um nome indicado pela bancada do partido no Senado por outro apoiado pela dos deputados, demorou. Mas acabou saindo em 3 de agosto, com a posse do deputado Celso Sabino (PA) no lugar da deputada Daniela Carneiro (RJ). Restava para garantir a base de sustentação do Planalto no Congresso a inclusão dos partidos Republicanos e PP na Esplanada dos Ministérios. Lula disse, no mês passado, concordar e até escolheu os nomes indicados dos deputados André Fufuca (PP-MA) e de Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), mas voltou a postergar, deixando indefinidos os cargos que ocupariam.

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Novamente quase chegando ao limite final, Lula acabou por fim cedendo e já teria oferecido nesta quinta-feira (17) o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) para Fufuca e o de Portos e Aeroportos (MPA) para Costa Filho. No pacote ofertado ao Centrão também estariam incluídas a presidência e vice-presidências da Caixa Econômica Federal, hoje sob o comando de Rita Serrano, apoiada pelo PT. O MDS, responsável pela gestão do Bolsa Família, é chefiado pelo petista Wellington Dias. O MPA, por sua vez, tem como titular Márcio França (PSB), que cuida da concessão de aeroportos e da administração de grandes complexos logísticos marítimos. O arranjo teria saído na noite anterior, da reunião secreta de Lula e Lira, na casa do deputado.

Depois de mais uma semana de suspense, acordo mostra avanço

Durante o lançamento do Novo PAC, na sexta-feira (11), Lula acenou ao presidente da Câmara, com declarações que sugeriam querer encerrar o impasse gerado pela demora do petista em promover a reforma ministerial. Ao falar de Lira, Lula disse que precisava mais do deputado, do que o deputado precisa dele.

Enquanto esperava o anúncio dos novos ministros, Lira segurava projetos prioritários do governo. Na segunda-feira (14), haveria reunião dele com líderes partidários para definir a votação do marco fiscal. Mas o encontro foi adiado novamente após o mal-estar gerado pelas críticas feitas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante entrevista, sobre uma excessiva concentração de poder da Câmara, reveladas naquele dia.

Haddad tratou de se retratar e a nova reunião acabou sendo marcada para a próxima segunda-feira (21), na residência oficial de Lira, com o relator do arcabouço fiscal, Cláudio Cajado (PP-BA), representantes partidários e técnicos da Câmara e do Ministério da Fazenda. Com o aparente acordo selado, o arcabouço fiscal dever ir a plenário na terça-feira (22). O ponto do texto mais problemático trata da emenda adicionada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que abre espaço fiscal para mais gastos do governo em 2024.

Perfis opostos de Executivo e Legislativo exigem negociação

As jogadas de Lira e Lula já vêm marcando a aprovação de pautas importantes na Câmara desde dezembro de 2022, com a chamada PEC fura-teto, que permitiu o governo eleito gastar mais com programas sociais. As cartadas de Lira se repetiram na aprovação da reforma tributária e do arcabouço fiscal.

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Isso se deve ao descompasso entre o perfil de esquerda do atual governo e de uma Câmara com cerca de dois terços da composição dominados pelo centro e pela centro-direita. Nas eleições presidenciais, Lula venceu o segundo turno por margem apertada contra Jair Bolsonaro (PL). Na Câmara, a esquerda ocupa 34% das cadeiras, a direita, 28%, e o centro pragmático detém 38%. Por isso, em diferentes situações, o governo preferiu não pagar para ver e acabou ficando refém em situações limite.

A situação desafiadora foi especialmente evidenciada pela aprovação da Medida Provisória (MP) que reorganizou os ministérios do governo Lula, tirando poderes principalmente do ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva. Outra prova da relação complicada foi o Congresso ter autorizado, ainda no primeiro semestre, a instalação de quatro comissões parlamentares de inquérito (CPIs), produzindo desgaste ao governo. “É o famoso problema dos governos de coalizão. O governo se elegeu, não elegeu maioria no Congresso e tem que fazer maioria de maneira organizada”, afirmou Lira em entrevista coletiva na última terça-feira (15). Ele sempre defende a troca do sistema de governança do país pelo semipresidencialismo.

Assim como no pôquer, os poderosos precisam agir com ousadia e mostrar confiança nas suas posições. Fazer apostas altas ou propor políticas arrojadas pode até surpreender o adversário e ganhar respeito, mas também envolve riscos significativos. Lira e o Centrão não aceitaram ofertas tidas como menores e exibiram irritação com a demora de Lula em contrariar os aliados históricos do PT, com dez pastas no governo, e do PSB, do vice-presidente Geraldo Alckmin.

O blefe, por outro lado, é parte fundamental desse jogo, onde jogadores tentam convencer seus oponentes de que têm uma mão mais forte do que realmente têm. Na negociação, podem surgir ameaças ou ofertas de concessões aparentemente grandes para definir o jogo, mesmo sem o jogador ter a intenção de efetivá-las.

A ousadia de Lira e a autoconfiança inabalável de Lula, sem que este último tenha abandonado por completo o seu pragmatismo, foram os elementos definidores da dinâmica do jogo. Tal qual no pôquer, eles constantemente avaliam os riscos e benefícios das suas ações. Tanto Lula quanto Lira adotaram estratégias de curto prazo, porém, sempre com a visão voltada para o futuro, realizando concessões táticas momentâneas em busca de vantagens a longo prazo. Nesse sentido, o líder do Executivo está focado no êxito de seus planos de investimento público e de programas sociais, visando a manutenção de sua popularidade.

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Além disso, a duração do mandato atual da presidência da Câmara, até 2024, também é um fator considerado, tornando a sucessão de Lira um ponto paralelo das negociações. O deputado almeja estabelecer seu sucessor no cargo, enquanto o presidente da República busca um indivíduo que esteja mais alinhado a ele no comando da Câmara. Independentemente das circunstâncias, os jogadores terão de mostrar adaptabilidade às mudanças e tomar decisões de maneira ágil.

Especialistas avaliam riscos de Lula continuar testando Lira

Para Arthur Wittenberg, professor de políticas públicas do Ibmec-DF, a forma escolhida por Lula para jogar com Lira consumiu tempo valioso, dificultando cada vez mais a aprovação de questões estruturantes não só para o governo, mas também para o país. “Quanto mais o presidente dificulta negociações em torno de cargos ministeriais, menor fica a margem dele para aprovar matérias importantes no Congresso e, assim, colher os resultados políticos delas”, observou.

O especialista acredita que Lula tem prazo para articular politicamente o apoio dos parlamentares, mas se continuar esticando demais a corda, trará prejuízos para o seu mandato. “O mais comum é que as políticas públicas estruturantes gerem resultados ao longo dos anos. Por isso, o primeiro ano de governo é um período crítico para a montagem do governo e formação da base de apoio parlamentar. No Executivo, o arranjo está mais adiantado do que no Congresso”, frisou.

De qualquer maneira, Wittenberg acredita que Lula continuará cedendo à necessidade iminente de reorganizar sua relação com a Câmara. “A decisão de ceder ministérios pode desembaraçar a pauta de votações ainda este ano, proporcionando maior previsibilidade nas deliberações para os próximos dois anos”. O professor ressalta que o acerto de contas entre Legislativo e Executivo é algo especialmente crucial, tendo em vista que os anos eleitorais, como 2024 e 2026, sempre dificultam o encaminhamento de proposições complexas. “A reconfiguração ministerial no radar é vital para permitir ambiente político propício à obtenção de resultados significativos”, resumiu.

Próximo ponto de divergência está na execução do orçamento

Na opinião de João Henrique Hummel Vieira, diretor da Action Relações Governamentais, o governo adentrou em uma fase delicada a poucos dias do fim do mês enquanto buscava ganhar mais tempo. A solução do impasse relacionado ao comando dos ministérios é crucial, pois isso afeta diretamente o montante de recursos disponíveis no orçamento federal e a trajetória das políticas públicas nos próximos anos. No entanto, apesar da importância, as discussões não mostravam avanços substanciais sem a conclusão da negociação referente aos cargos.

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A questão que surgiu nesse imbróglio mais recente, segundo Vieira, era se Arthur Lira teria mesmo coragem de não levar à votação o arcabouço fiscal, mesmo ciente das implicações, sendo a primeira delas colocar o governo em situação embaraçosa. Isso se tornou mais um teste para determinar quem tem de fato os votos necessários para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). O especialista frisou que Lira não age individualmente, mas em nome do bloco do Centrão ao qual responde.

A dinâmica que emergiu do impasse acaba por esclarecer quem detém o poder decisório, e uma nova abordagem pode ter surgido, a de que a eventual necessidade de apresentar uma nova PEC também está sujeita ao mesmo poder de aglutinação do presidente da Câmara.

“Embora o desfecho mais rápido seja do interesse geral, é evidente que os pontos de divergência em jogo estão longe de serem resolvidos. O próximo embate se refere à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e ao próprio orçamento”, disse Vieira. Nesse ponto, ele acredita que a amplitude das emendas impositivas pode ser reforçada, o que gerará novos movimentos no pôquer político.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]