As últimas semanas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram marcadas pela tentativa de reaproximação do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, que responde no Tribunal Penal Internacional por crimes políticos e contra os direitos humanos. A justificativa para reatar as relações com a Venezuela seria o comércio bilateral, mas dados levantados pela Gazeta do Povo mostram nem mesmo essa questão poderia valer o esforço diplomático para se reaproximar do país que está afundado em uma crise econômica.
O volume de transações comerciais entre Brasil e Venezuela nunca ultrapassou a casa dos US$ 6 bilhões, enquanto as negociações com a China, por exemplo, em seu melhor momento, chegaram a US$ 150 bilhões.
Longe de ser um dos principais parceiros comerciais do Brasil, o levantamento mostra que antes do primeiro mandato de Lula, o volume comercial entre Brasil e Venezuela girava em torno de US$ 1,6 bilhão por ano entre 1997 e 2002. Após Lula chegar ao Executivo brasileiro, esse comércio passou para uma média US$ 4,2 bilhões, anualmente, até 2010. No governo Dilma, as negociações bilaterais atingiram seu ápice, com uma média de quase US$ 6 bilhões por ano.
Apesar do comércio ser superavitário, outros países do mundo dão mais retorno positivo aos cofres brasileiros do que a Venezuela nesse sentido. Um dos principais parceiros comerciais do Brasil é a China. As negociações com o país asiático têm um volume médio de cerca de US$ 57,4 bilhões por ano, observando dados entre 1997 e 2023. Em 2022, ainda sob comando do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o comércio bilateral com a China chegou ao seu ápice, com volume de US$ 150 bilhões e saldo positivo de US$ 19,7 bilhões para o Brasil. No ano anterior, a receita brasileira foi ainda maior, somando aproximadamente US$ 40 bilhões.
Na América do Sul, a Argentina também apresenta um fluxo comercial com o Brasil maior do que a Venezuela, no qual se movimenta anualmente, em média, cerca de US$ 22,5 bilhões entre 1997 e 2023. Analisando os dados dos últimos cinco meses, a balança comercial entre os dois países possui um saldo positivo de US$ 2,4 bilhões para os cofres brasileiros – ou seja, o Brasil mais exportou do que importou do comércio argentino.
Os Estados Unidos são outro grande parceiro econômico brasileiro. Nos últimos 26 anos, o fluxo de movimentações ultrapassou a média de US$ 46 bilhões anualmente.
As movimentações com a União Europeia também valem destaque. No mesmo período, o fluxo chega a quase US$ 57 bilhões e, diferentemente das negociações com os EUA, há períodos em que o Brasil exportou mais do que importou dos países que fazem parte do bloco. Em seu último ano de mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fechou a balança dessas negociações com um saldo positivo de US$ 6,6 bilhões.
Alinhamento ideológico favoreceu comércio entre os países durante governos Lula e Dilma
Com posicionamento alinhados à esquerda, a pauta ideológica pesou para que os governos Lula e Dilma estreitassem as relações com a Venezuela. O levantamento realizado pela Gazeta do Povo mostra como as negociações entre os dois países tiveram um crescimento desde que Lula assumiu seu primeiro mandato como presidente.
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, Lula tem tido uma visão ultrapassada das relações mundiais e tem cometidos erros no que diz respeito à Venezuela.
"[O alinhamento ideológico entre os países] facilitou bastante o fato de existir um pico na nossa balança com a Venezuela. E esse comércio cresceu bastante durante os governos do presidente Lula, e ele caiu muito um pouco antes da suspensão da Venezuela do Mercosul, por volta de 2016. Mas ele chegou no seu ápice durante o governo Lula e esse alinhamento ideológico facilitou esse ponto", salienta consultor de comércio internacional da BMJ Consultores Associados Josemar Franco.
Durante seus primeiros mandatos, Lula teve diversos encontros com Hugo Chávez, ditador venezuelano que antecedeu o atual ocupante do posto, e agora busca restabelecer essa conexão com Maduro, o que é observado com apreensão entre opositores e apoiadores do petista.
Após ter sido impedido por Bolsonaro de vir ao Brasil, o ditador venezuelano foi recebido com honras de chefe de estado por Lula no final de maio. Durante sua passagem em solo brasileiro, o petista chegou a dizer que o vizinho é vítima de uma "narrativa de antidemocracia e autoritarismo", o que gerou críticas a Lula.
"Lula e o Brasil não são os mesmos do início da década dos anos 2000 e hoje em dia existe uma crítica muito mais maior ao governo da Venezuela. Ao longo dos últimos anos foram desrespeitados diversos direitos humanos, portanto, não dá para achar que vai dar para colocar essa venda nos olhos e [dizer] que está tudo bem. O Brasil e o Congresso também mudaram e o Lula sabe disso. Não dá para fazer essa aposta enorme na Venezuela sem antes ponderar essa contrapartida", pondera Franco.
"O relacionamento formal obviamente que tem que ser mantido por termos fronteira comum, o que não pode acontecer é bater palma para um regime que você sabe que é ditatorial", pontua o senador e ex-vice presidente Hamilton Mourão (Republicados-RS). O senador foi adido militar na Venezuela durante o governo de Hugo Chávez.
Autoritarismo de Maduro levou o país a uma crise econômica e migratória
Há 25 anos, a Venezuela vive sob o regime ditatorial sob uma "roupagem artificial" de supostamente democrático. Foi iniciado por Hugo Chávez, que deixou seu "legado" ao vice e atual presidente do país, Nicolás Maduro. Até a eleição de Chávez, o país era governado por "partidos tradicionais" e, desde que ele se tornou presidente, passou a implementar um regime conhecido como Revolução Bolivariana, que se denomina socialista, implementa interesses nacionais de esquerda, é contra a globalização, e também se posiciona contra as políticas adotadas pelos Estados Unidos.
Chávez foi eleito em 1998 para um governo que deveria ter durado um mandato de cinco anos, mas ficou 14 anos no poder depois que a Constituição venezuelana sofreu diversas alterações para que ele não perdesse seu posto. Em 2009, Hugo Chávez criou uma emenda constitucional que permitia reeleições ilimitadas e, enquanto estava à frente do país, falava em ser "presidente até 2030".
Chávez morreu em 2013 devido a um câncer. Com isso, Maduro assumiu o cargo e seu governo autoritário se mostrou ainda pior do que o de seu antecessor. O atual ditador tem sido acusado de uma série de crimes humanitários e é o responsável pela maior crise econômica e migratória do país, que atingiu seu ápice em 2018. Aproximadamente seis milhões de venezuelanos fugiram do país em busca de condições básicas de vida, segundo o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
“Se a gente comparar com o Brasil, seria o equivalente a quase 55 milhões de brasileiros que tivessem ido embora daqui”, analisa Mourão. “A queda vertiginosa do Produto Interno Bruto (PIB) do país, da produção e da questão de alimentar que o país vive [são reflexos] desse regime tirânico, onde não há alternância do poder e não existe democracia”, pontua o senador.
O autoritarismo do ditador também foi o motivo para que diversos países impusessem sanções à Venezuela, como foi o caso dos Estados Unidos, países da América do Sul e do Brasil, nos últimos anos, sob comando de Bolsonaro.
Após esforço de países sul-americanos e, principalmente de Lula, a Venezuela foi incluída no Mercosul e viu sua economia apresentar crescer. O governo de Maduro, no entanto, estremeceu as relações do país com outras nações da América do Sul. A Venezuela foi suspensa oficialmente do bloco em 2017.
"Paraguai, Uruguai e Argentina decidiram suspender a Venezuela do bloco por razões da falta de democracia no país e fez com que as relações [entre os países] fossem prejudicadas", pontua Franco, consultor da BMJ Consultores Associados.
Por que não fechar as portas completamente para a Venezuela?
Apesar do baixo volume comercial e dos graves problemas enfrentados no país, especialistas não descartam uma boa relação entre os vizinhos sul-americanos. "O bom relacionamento com nossos vizinhos deve ser mantido independentemente de quem eles são", defende Hamilton Mourão.
"Hoje se você for olhar em termos de relação comercial, a gente pode tentar aproveitar a parte energética, como já houve em tempo anterior que eles têm ali na região sul da Venezuela na fronteira com Roraima. Então em vez de a gente ter usinas termoelétricas em Roraima, usar a energia elétrica vinda da usina hidrelétrica de Guri, que eles têm no rio Caroni. Isso seria uma coisa interessante. E óbvio que algumas coisas ligada a petróleo, né? Porque sempre pode haver algum tipo de relação nisso", sugere o parlamentar.
A Venezuela é dona de uma das maiores reservas de petróleo do mundo e a commodity é um dos principais fatores que fazem o Brasil dar importância ao país. "Por conta das suas reservas de petróleo, sempre houve um interesse estratégico para que o Brasil se aproximasse da Venezuela. E uma demonstração desse interesse foi justamente quando a Venezuela aderiu ao Mercosul. Bloco fundado pelo Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai", explica Franco.
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, diversos países do mundo implementaram sanções ao país com o intuito de forçá-lo a retirar suas tropas da Ucrânia. Resistente ao conflito, a resposta russa para tais punições foi diminuir a produção do petróleo.
Com isso e diante da crise que a guerra trouxe ao cenário mundial, países passaram a buscar novas soluções para manter seu abastecimento de petróleo e a Venezuela voltou ao radar do mundo. Um dos exemplos foi a retomada de negociações com os Estados Unidos após anos de rigorosas sanções. Neste ano, o presidente Joe Biden revelou que iria "reavaliar as punições" que impôs ao país.
"Quando houve o início da guerra, o preço do petróleo foi lá para cima e o petróleo é a base de diversas cadeias industriais, então se você tem um aumento no seu preço, a ocorrência de uma inflação é quase que certa", pontua Franco. "Levando isso em consideração, faz sentido, do ponto de vista estratégico, você ter um fornecedor com grandes reservas como a Venezuela, porque ela é um país vizinho e então não vai ser preciso importar de um país do outro lado do mundo", explica o analista da BMJ Consultores.
Outro fator que aproxima Brasil e Venezuela é a dívida que o país deixou nos cofres brasileiros. Durante os governos de Dilma Rousseff (PT) e Lula, a Venezuela recorreu ao Brasil para financiar obras de infraestrutura em solo venezuelano, como a Linha 2 do Metrô de Caracas e a Usina Siderúrgica Nacional. Foram US$ 1,5 bilhão em empréstimos feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Essas obras foram feitas por empresas brasileiras e o dinheiro foi emprestado por meio delas.
O país que contrata a construção, no entanto, é o responsável por devolver o valor que foi emprestado. Em casos de inadimplência, como ocorreu com a Venezuela, o BNDES acionou o Fundo de Garantia à Exportação (FGE) para receber o valor devido pelo país estrangeiro e a dívida passa a ser da União. A dívida atual gira em torno de R$ 6 bilhões e inclui não apenas os empréstimos feitos via BNDES para obras no país, mas também aquisições feitas por estatais venezuelanas, como aeronaves e carnes. Durante a visita de Maduro a Brasília, o ditador venezuelano disse que convocaria uma comissão para "estabelecer o tamanho da dívida e retomar seu pagamento".
"A dívida é uma questão central na relação do Brasil com a Venezuela já faz um tempo. Como a Venezuela foi isolada do sistema financeiro internacional, ela tem muita dificuldade de financiar, de pagar e de conseguir crédito no mercado. Isso faz com que ela não consiga pagar a dívida e isso está no centro das discussões bilaterais atualmente", pontua Franco.
Venezuela só deve voltar ao mercado global após queda de Maduro
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, a figura ditatorial de Maduro e seu governo autoritário dificultam a retomada da Venezuela aos mercados internacionais. "As discussões que vemos é de justamente fazer com que a Venezuela volte para o cenário internacional e para as discussões na América do Sul, mas que isso seja condicionado a uma ação democrática do país", diz Josemar Franco.
Ou seja, apenas o fim do governo Maduro na Venezuela possibilitaria que o país voltasse a se reintegrar ao comércio internacional e pudesse começar a sair da grave crise econômica. Com eleições previstas para acontecer em 2024, a oposição a Maduro na Venezuela já tem se movimentado para tentar tirar o ditador do poder.
Tais eleições, no entanto, conforme pondera Franco, precisam ser "com amplas condições de debate e com a possibilidade de ter um candidato da oposição que consiga fazer frente a Maduro e com fiscalização internacional", para que a democracia seja garantida assim como o real desejo do povo venezuelano.
"O que está sendo discutido é justamente isso. Que se existir uma transição democrática na Venezuela, aí o Brasil apoiaria essa transição. Em contrapartida, a Venezuela seria reintegrada nesses fóruns de discussão internacional e, apesar de nada ter sido mencionado, sua reintegração ao Mercosul voltaria a ser uma possibilidade", afirma o consultor da BMJ.
Mas o fim do regime de Maduro por vias democráticas neste momento é improvável. O ditador conta com apoio de uma polícia política para reprimir a oposição e tem assistência da Rússia e de Cuba no setor de inteligência, fator que facilita sua permanência no poder.
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