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Desde setembro do ano passado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta obrigar a OAS Empreendimentos a devolver a ele R$ 815.344,30, pagos pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, falecida em 2017, para aquisição de um apartamento em Guarujá (SP). O imóvel fica no mesmo condomínio do famoso triplex, que levou o petista a ser condenado por corrupção e lavagem de dinheiro – sentença anulada em 2021 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2005, quando Lula era presidente, a então primeira-dama reservou, na planta, a unidade 141 do futuro Edifício Navia, apartamento de três quartos e 82,5 metros quadrados. Deu uma entrada de R$ 20 mil e pagou parcelas mensais até setembro de 2009. O empreendimento, então batizado como Mar Cantábrico, era de responsabilidade da Bancoop, cooperativa habitacional dos bancários, e deveria ter sido concluído até fevereiro de 2007.
A obra atrasou e, em outubro de 2009, sem condições de mantê-la, a Bancoop passou o prédio, que passou a se chamar Solaris, para o grupo OAS. Caberia à construtora terminá-lo, o que ocorreu só em 2013, com a entrega das unidades.
Marisa Letícia decidiu devolver o apartamento em 2015. Na época, Lula era investigado pelo Ministério Público de São Paulo pela suspeita de ocultar a propriedade do triplex, unidade bem maior, de 297 metros quadrados, localizada entre o 16º e o 18º andar do mesmo prédio. Os promotores paulistas sustentavam que ele havia sido reservado e reformado pela OAS para Lula. Em 2016, o caso foi transferido para a Lava Jato em Curitiba e, em setembro do mesmo ano, o Ministério Público Federal denunciou Lula por corrupção e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente sempre disse que nunca foi dono do triplex, apenas que ele lhe foi oferecido, mas que nunca aceitou comprá-lo. De fato, não há escritura da propriedade em nome de Lula. O MPF sustentou, com base nas provas colhidas pelo MP-SP, que o imóvel era do ex-presidente, mas não foi registrado em seu nome para ocultar uma vantagem indevida de R$ 2,4 milhões, que corresponderia à diferença entre o apartamento antes adquirido por Marisa e o triplex reformado. Seria uma contrapartida por contratos bilionários firmados entre a OAS e a Petrobras – relação que a defesa de Lula também sempre contestou.
As acusações levaram o ex-juiz Sergio Moro a condenar Lula a 9 anos e 11 meses de prisão. A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reduziu a pena para 8 anos e 10 meses.
Ao anular a condenação, no ano passado, o STF não adentrou no mérito do caso, apenas invalidou a sentença por entender que o processo deveria ter tramitado em Brasília, não em Curitiba. Depois a Corte acabou anulando boa parte das provas por considerar que Moro foi parcial na condução do caso. Em Brasília, o processo foi arquivado em 2022 por prescrição.
Viúvo, Lula é inventariante do espólio de Marisa Letícia
Lula hoje figura no processo contra a OAS por ser o inventariante do espólio de Marisa Letícia. A OAS e a Bancoop foram condenadas em abril de 2019 a devolver os R$ 815 mil, dois anos após o ajuizamento da ação. O STJ já rejeitou um recurso da construtora para se livrar da dívida e, agora, a defesa de Lula batalha numa outra ação, de execução, para forçá-la a pagar. Em dezembro do ano passado, o juiz Adilson Aparecido Rodrigues Cruz, da 34ª Vara Cível de São Paulo, bloqueou contas bancárias da OAS para reter o valor e efetivar o pagamento a Lula.
A OAS, no entanto, está em recuperação judicial e nada foi encontrado em suas contas. Lula passou, então, a cobrar a dívida da Metha, uma nova empresa formada pela maioria dos antigos sócios da OAS e que assumiu parte dos negócios do grupo.
Em abril, a OAS pediu no processo que a dívida não fosse cobrada da Metha. Alegou que o caso ainda não transitou em julgado, pois teria recursos judiciais pendentes, e que todos os ativos da OAS “estão tomados por dívidas preferenciais ou estão atrelados ao cumprimento das obrigações previstas no plano de recuperação judicial”.
“A OASE [OAS Empreendimentos] continua em processo de recuperação econômica, passando por longos anos de dificuldades financeiras, que a levaram, inclusive, a um processo de recuperação judicial e, se não bastasse, na reta final de sua recuperação, se viu obrigada a encarar uma pandemia que assolou o mundo”, alegou, acrescentando que a recuperação judicial “ainda demandará anos para ser cumprida”.
“Não é nada simples – para não falar impossível que uma empresa, que ainda passa por severa dificuldade financeira, tenha bens ou ativos livres para fazer frente a um vultoso débito”, disseram os advogados.
Em junho, a defesa de Lula protestou contra a tentativa da OAS de livrar a Metha do caso, e também pediu o bloqueio de suas contas. Alegou que a construtora passou a operar contas em nome da sucessora para escapar das dívidas e ocultar seu patrimônio, o que deveria levar a Justiça a aplicar-lhe uma multa, que pode chegar a R$ 163 mil (20% do valor da causa), além do imediato pagamento da restituição a Lula.
“Não reconhecer a sucessão é autorizar conduta fraudulenta, ao não responsabilizar a Metha, que assumiu o controle do Grupo Econômico da OAS, inclusive passando a representá-lo judicialmente e notoriamente constituída para suceder a OAS, mas sem honrar suas obrigações”, disseram os advogados de Lula, acrescentando que, no último balanço divulgado, de 2018, a empresa declarava receita de R$ 28 milhões. “Não é factível que uma empresa deste porte, que propaga diversos empreendimentos, não tenha um real em suas contas”, completou.
Desde essa manifestação da defesa de Lula, em junho, não houve mais movimentações no processo de execução da dívida.
Quem ficou com o triplex?
O triplex foi confiscado em 2017, logo após a condenação de Lula. Desde então, passou por dois novos donos. Em 2018, o empresário Fernando Gontijo arrematou o imóvel num leilão da Justiça Federal no Paraná por R$ 2,2 milhões. Neste ano, ele foi sorteado numa rifa pela internet para um morador de São Paulo.