Além de articular com partidos de centro na busca de alianças para a disputa presidencial de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tentado se aproximar de segmentos evangélicos para neutralizar o apoio do setor religioso ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Levantamento deste mês de maio do Datafolha mostrou um empate técnico dos dois políticos entre o eleitorado evangélico, o que acelerou as articulações dos petistas.
Segundo a pesquisa, 35% dos eleitores evangélicos indicaram que votariam em Lula. Já 34%, em Bolsonaro. Como a margem de erro é de dois pontos percentuais, os dois estão tecnicamente empatados. Num eventual segundo turno entre os dois, segundo o Datafolha, cada um recebe 45% das intenções de voto. Em janeiro do ano passado, o próprio Datafolha estimou em 31% o porcentual de eleitores evangélicos no Brasil.
Diante disso, Lula pretende se reunir com lideranças e pastores de setores evangélicos em uma viagem que fará ao Rio de Janeiro no mês que vem. O líder petista tem defendido que o estado será o fiel da balança na disputa presidencial do próximo ano por ser o domicílio eleitoral do clã Bolsonaro e de grandes lideranças evangélicas no Congresso.
A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), única integrante petista da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, e o vice-presidente do PT, Washington Quaquá, são os principais articuladores da agenda de Lula no estado. Os nomes das lideranças têm sido mantidos em sigilo, no intuito de evitar retaliações por parte de aliados do presidente Bolsonaro.
Em uma live com correligionários fluminenses no começo deste mês, Lula chegou a indicar o livro que está lendo: "Povo de Deus", de Juliano Spyer. A obra analisa o crescimento do número de evangélicos no Brasil desde os anos 1970.
A aliados, Lula afirmou que não pretende abordar durante a campanha e nos próximos encontros temas “caros” da pauta evangélica, como a descriminalização do aborto ou das drogas. O foco dos petistas será a agenda econômica e a retomada de programas sociais como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. O Rio de Janeiro será o primeiro estado a receber Lula depois das articulações feitas em Brasília no começo de maio.
Segundo líderes petistas, a estratégia de Lula será se dirigir diretamente aos fiéis e aos pastores de igrejas independentes, que não são ligadas a nenhuma grande congregação. Entre eles, os presbiterianos e parte dos neo-pentecostais.
Malafaia diz que será "sentinela" para evitar que Lula "engane os evangélicos"
Apesar da ofensiva de Lula, alguns pastores e líderes evangélicos descartam qualquer aproximação com o petista para a disputa presidencial. Apesar de alegarem arestas na relação com o governo Bolsonaro, a defesa da pauta conservadora pelo atual presidente seria o melhor caminho para o ano que vem, segundo esses líderes.
O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, repudiou nos últimos dias a confirmação de Lula na disputa presidencial do ano que vem. Apontado pelo senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) como conselheiro do presidente Bolsonaro, Malafaia afirmou que será um “sentinela” contra o ex-presidente Lula. “Não pense que ele vai enganar os evangélicos, não, porque eu estou aqui como sentinela, pode ter certeza”, afirmou o pastor à revista Veja.
Representantes da bancada evangélica na Câmara também têm reagido contra a aproximação de Lula com o meio evangélico. Para o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), a participação de Bolsonaro no ato de motociclistas no último final de semana no Rio de Janeiro demonstrou a força do atual presidente.
“A diferença é clara. O presidente Jair Bolsonaro tem o apoio popular; já o outro (Lula), ainda tem gente que acha que esse homem tem chance de ser presidente”, disse o deputado.
Na mesma linha, o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) desafiou Lula a ir para as ruas, assim como Bolsonaro costuma fazer em suas agendas. “Se ele está tão famoso e ganha de Bolsonaro no primeiro turno ou no segundo turno, então que ele teste sua popularidade na rua”, ironizou o parlamentar, que completou afirmando que “a popularidade de Lula é construída pelo sistema que quer derrubar Bolsonaro”.
Reservadamente, outros integrantes da bancada evangélica no Congresso afirmam que algumas pautas conservadoras não avançaram no governo Bolsonaro e que outras bandeiras acabaram sendo deixadas de lado nos últimos anos. Entretanto, não haveria justificativa para deixar o apoio a um governo conservador diante de uma possibilidade de aliança com Lula.
Universal entra em atrito com Bolsonaro por crise em Angola
Recentemente, a Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo bispo Edir Macedo, entrou em atrito com o governo Bolsonaro após o Ministério das Relações Exteriores não intervir em um conflito da igreja com o governo de Angola e religiosos locais. Integrantes da Universal foram indiciados no início do mês por lavagem de dinheiro após denúncias de pastores angolanos. Além disso, dezenas de missionários não estão tendo o seu visto renovado para atuar no país onde a igreja possui 230 templos.
Presidente do Republicanos, partido ligado à Universal, o deputado Marcos Pereira (SP), chegou a usar uma emissora do grupo evangélico para se manifestar contra o governo Bolsonaro. Na ocasião, classificou como um “descaso” a postura do Itamaraty diante do caso da Angola. No mesmo dia, o bispo Renato Cardoso, genro de Edir Macedo, falou em “decepção” com a “omissão” do governo em entrevista exibida na TV Record.
“Esse é o protesto, especialmente do povo cristão, que apoiou e faz parte da base do governo. É muito triste e decepcionante”, afirmou Cardoso após receber 34 lideranças da igreja que foram deportadas do país africano.
A movimentação causou uma reação no presidente Bolsonaro, que cobrou do ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, uma solução para a crise. Como resposta, o Itamaraty prepara para os próximos dias uma comitiva que será liderada por Marcos Pereira para ir ao país africano tratar do tema com diplomatas angolanos.
A aliança de Bolsonaro com o pastor Edir Macedo só ocorreu na reta final do primeiro turno das eleições de 2018, quando o líder da Universal retirou o apoio a Geraldo Alckmin (PSDB). Internamente, membros avaliam que o presidente não se empenhou devidamente no ano passado pelas campanhas de Celso Russomano, em São Paulo, e Marcelo Crivella, no Rio.
Em abril, o deputado Marcos Pereira publicou um texto no site Poder 360 onde criticou indiretamente a postura do governo. “Não podemos mais imaginar que um presidente da República, um governador ou um prefeito devam governar apenas para 30% de seguidores”, escreveu em referência ao percentual de aprovação de Bolsonaro nas pesquisas de opinião.
Metodologia da pesquisa citada
A pesquisa Datafolha citada na reportagem ouviu 2.071 eleitores de forma presencial entre os dias 11 e 12 de maio. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
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