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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula.
Lula foi entrevistados pelos jornais Folha de São Paulo e El País. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula.| Foto:

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu, na manhã desta sexta-feira (26), a primeira entrevista desde que foi preso, em abril de 2018. Com autorização da Justiça, os jornalistas Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo e Florestan Fernandes Júnior, do portal El País, acompanhados por uma equipe de fotógrafos e cinegrafistas, conversaram com o petista por cerca de duas horas, em Curitiba.

“Foi uma entrevista muito boa, o presidente está super bem, ficou feliz em dar a entrevista, fiquei surpreso com o ânimo dele, a disposição”, disse Florestan ao sair do prédio da Superintendência Regional da Polícia Federal.

De acordo com o relato dos jornalistas, Lula conversou sobre diversos assuntos. “Em duas horas deu para falar de todos os temas, de como ele está na prisão, de política nacional, de governo Bolsonaro, de política internacional, ele passeou por todos os temas”, afirmou Mônica.

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Os dois veículos conversaram com Lula em uma sala preparada pela PF. Os agentes explicaram aos jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas presentes que ele seria colocado em uma mesa a uma distância de 4 metros de todos. Ninguém poderia se aproximar. Segundo a PF, eles estavam cumprindo um protocolo de segurança comum a todos os presos.

Do lado de fora, poucos pessoas acompanharam a expectativa gerada pelo dia da entrevista. Alguns militantes petistas do acampamento Lula e colegas de imprensa ficaram postados do lado de fora, aguardando por uma palavra dos jornalistas. Até mesmo um apoiador do presidente Jair Bolsonaro apareceu, mas nenhuma confusão foi registrada.

Mônica Bergamo, jornalista da Folha de S. Paulo e Florestan Fernandes, do El País entrevistaram o ex-presidente Lula nesta sexta (26). Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.
Mônica Bergamo, jornalista da Folha de S. Paulo e Florestan Fernandes, do El País entrevistaram o ex-presidente Lula nesta sexta (26). Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.

O que Lula disse

Em duas horas e dez minutos de entrevista, o ex-presidente falou da vida na prisão, da morte do neto, do governo Bolsonaro, das acusações de corrupção que sofre, dos seus algozes e da possibilidade de nunca mais sair da prisão. "Não tem problema", afirmou ele quando questionado sobre a possibilidade.

"Eu tenho certeza de que durmo todo dia com a minha consciência tranquila", completando que, na visão dele, o mesmo não deve ocorrer com o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro, a quem se referiu diversas vezes com ironia. Lula disse acreditar que o atual ministro da Justiça "não sobrevive na política".

Já sobre o presidente Jair Bolsonaro, o petista afirmou que "ou ele constrói um partido sólido, ou não perdura". Disse que a elite brasileira deveria fazer uma autocrítica depois da eleição de Bolsonaro. "Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é esse país estar governado por esse bando de maluco que governa o país. O país não merece isso e sobretudo o povo não merece isso", afirma.

E comparou o tratamento que a imprensa dá a ele com o que reserva ao atual presidente da República. "Imagine se os milicianos do Bolsonaro fossem amigos da minha família?", questionou, referindo-se ao fato de o filho do presidente, Flávio Bolsonaro, ter empregado familiares de um miliciano foragido da Justiça em seu gabinete quando era deputado estadual pelo Rio.

O ex-presidente chorou quando falou da morte do neto Artur, de 7 anos, vítima de uma bactéria, há um mês. "Eu às vezes penso que seria tão mais fácil que eu tivesse morrido. Eu já vivi 73 anos, poderia morrer e deixar o meu neto viver".

Lula disse ainda que, se sair da prisão, quer "conversar com os militares" para entender "por que esse ódio ao PT", já que, segundo ele, seu governo teria recuperado o orçamento das Forças Armadas. Disse que acompanha a briga do filho de Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão. Afirmou ser "grato" ao general "pelo que ele fez na morte do meu neto [defender que ele fosse ao velório], ao contrário do filho do Bolsonaro [Eduardo]", que afirmou no Twitter que Lula queria se vitimar com a morte do menino.

Afirmou que o país tem hoje "o mais baixo nível de política externa que já vi na vida". E disse, em tom de brincadeira, que o ex-chanceler de seu governo, Celso Amorim, tem uma dívida por ter deixado o atual chanceler, Ernesto Araújo, seguir carreira no Itamaraty.

Questionado sobre Fernando Henrique Cardoso, disse que o ex-presidente poderia "ter um papel de grandeza e mais respeitoso com ele mesmo, não comigo".

O ex-presidente falou ainda da necessidade de diálogo entre partidos de esquerda. E comentou o fato de o senador Cid Gomes (PSB-CE), irmão de Ciro Gomes, que afirmou em um encontro do PT: "Lula está preso, babaca!". O petista disse que não ficou chateado pois está mesmo preso. "Isso é uma verdade. Só não precisava chamar os outros de babaca", disse, rindo.

Entrevista virou novela que durou 7 meses

A realização da entrevista pela Folha e o El País encerrou uma novela que se arrastou por meses na Justiça. Eles tiveram que entrar com pedidos no Supremo Tribunal Federal (STF) para obter licença para entrevistar o petista na cadeia, em setembro de 2018, semanas antes do primeiro turno das eleições.

Na ocasião, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar favorável, alegando que Lula tinha o direito de se expressar. Mas o diretório nacional do partido Novo recorreu dessa decisão e o ministro Luiz Fux, vice-presidente do Supremo, acatou o pedido e proibiu a entrevista. A decisão causou polêmica entre os ministros e acabou arbitrada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, que manteve o veto.

A Folha de São Paulo denunciou o caso como "censura prévia", que só foi revertida uma semana atrás, na esteira da polêmica causada por outro episódio de censura, desta vez à revista Crusoé e ao portal O Antagonista.

Pressionado, o STF derrubou o veto judicial à revista e na sequência autorizou que o ex-presidente concedesse a entrevista à Folha e ao El País.

Exclusiva, mas nem tanto

As entrevistas foram agendas para esta sexta-feira (26), mas o superintendente regional da PF no Paraná, o delegado Luciano Flores de Lima, resolveu, de forma controversa, que as entrevistas não seriam exclusivas e que outros veículos de imprensa poderiam acompanhá-las, embora sem poder fazer perguntas. Os jornalistas que poderiam acompanhar seriam escolhidos pela própria PF.

A defesa de Lula protestou contra isso e recorreu ao STF, alegando que a PF estaria descumprindo a decisão da Corte. O ministro Lewandowski reiterou então, mais uma vez, que as entrevistas deveriam ser exclusivas.

Nesta sexta, Florestan Fernandes e Mônica Bergamo disseram que foram bem atendidos pela PF. Perguntado sobre o imbróglio, Florestan disse que em décadas de carreira nunca tinha visto algo assim.

Defesa diz que não pensa em semiaberto

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, disse que a entrevista ocorreu com normalidade, “apenas talvez com atraso significativo”, dadas as proibições anteriores.

Perguntado se entraria com um pedido de progressão ao regime semiaberto para Lula, após a decisão mais recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reduziu o tempo da pena do petista, Zanin desconversou.

"Nós não temos nenhuma estratégia definida, o foco da defesa é a busca pela inocência, a absolvição do ex-presidente, este é o foco e é desta forma e deste objetivo que nós atuamos e continuaremos atuar”, explicou.

Com um sexto da pena cumprida, o que deve se completar em setembro deste ano, Lula poderá deixar o regime fechado, desde que não seja condenado novamente em segunda instância, agora no processo do sítio de Atibaia.

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