O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu nesta segunda-feira (12), no Palácio do Planalto, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Entre os temas do encontro, o petista discutiu o acordo comercial da União Europeia com o Mercosul.
"Expus à presidente von der Leyen as preocupações do Brasil com o instrumento adicional ao acordo, apresentado pela União Europeia em março deste ano, que amplia as obrigações do Brasil e as torna objeto de sanções em caso de descumprimento. A premissa que deve existir entre parceiros estratégicos é da confiança mútua, e não de desconfiança e sanções", disse Lula.
Ainda de acordo com Lula, a União Europeia aprovou nos últimos anos leis que acabam com o equilíbrio do tratado comercial. "A União Europeia aprovou leis próprias com efeitos extraterritoriais e que modificam o equilíbrio do acordo. Essas iniciativas representam restrições potenciais às exportações agrícolas e industriais do Brasil", completou o petista.
Ainda assim, Ursula von der Leyen disse que espera que o acordo seja concluído até o final do ano. "Nós concordamos que é o tempo de concluirmos o acordo do Mercosul com a União Europeia. Espero que ele esteja concluído até o final deste ano. O acordo é muito mais que um acordo de comércio. Estamos dispostos a ouvir o que o Brasil tem a dizer, pois somos parceiros e vamos trabalhar juntos", garantiu von der Leyen.
A viagem de von der Leyen ao país acontece três meses após a vice-presidente-executiva da Comissão Europeia, Margrethe Vestager, ter se reunido em Brasília com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB). Na ocasião, Vestager afirmou ser preciso adotar medidas para "acelerar" a conclusão do acordo comercial entre Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e União Europeia.
O tratado vem sendo costurado desde 1999 e chegou a ser aprovado em 2019, no início do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas não foi confirmado no Parlamento Europeu. Isso ocorreu devido a entraves ambientais que foram vistos por analistas como pretextos para protecionismo de mercado.
Como a Gazeta do Povo mostrou, assim como na gestão Bolsonaro, Lula também vem enfrentando resistências para avançar com o acordo devido as exigências ambientais. Os europeus querem, por exemplo, compromissos adicionais do Mercosul e meio ambiente e, segundo alertou o chanceler Mauro Vieira, em audiência pública na Câmara, o texto permite inclusive retaliações comerciais contra os países do bloco sul-americanos.
A UE também vetou exportações de produtos oriundos de áreas desmatadas, medida que deve atingir itens como carnes, café e soja do Brasil. O governo Lula, no entanto, argumenta que a medida deve se aplicar exclusivamente ao desmatamento ilegal.
UE-Mercosul prevê a criação da maior zona de livre comércio do mundo
Entre outros pontos, o plano UE-Mercosul prevê a criação da maior zona de livre comércio do mundo, com um mercado de 780 milhões de pessoas e que representaria cerca de 20% do PIB mundial e mais de 30% das exportações globais.
Segundo estudo da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do governo federal, o tratado poderá incrementar o PIB do Brasil em 87,5 bilhões de dólares nos próximos 15 anos, com esse número podendo chegar a 125 bilhões de dólares se consideradas a redução de barreiras não tarifárias.
No mesmo período, a entidade prevê um aumento de 113 bilhões de dólares em investimentos no Brasil, e 100 bilhões de dólares em ganhos das exportações brasileiras para a UE até 2035.
Lula quer vetar que União Europeia participe das compras públicas do Brasil
A viagem da responsável pela direção política do bloco europeu também ocorre dias após declaração do petista, de que só vai assinar a proposta caso os países signatários aceitem as condições do Brasil. O petista disse que “não haverá acordo” caso os europeus não cedam em querer que o Brasil abra as compras públicas para empresas estrangeiras.
“Os que os europeus querem no acordo? Que o Brasil abra as portas para compras governamentais. Ou seja, eles querem que o governo brasileiro compre as coisas estrangeiras ao invés das coisas brasileiras”, disse Lula durante uma agenda em São Bernardo do Campo (SP).
O petista resiste em abrir o mercado de compras governamentais para o mercado estrangeiro. "E se eles não aceitarem a posição do Brasil, não tem acordo. Nós não podemos abdicar das compras governamentais que são a oportunidade das pequenas e médias empresas sobreviverem nesse país", completou o petista.
A União Europeia, por sua vez, declarou em documento oficial que colocar o acordo comercial em vigor é considerado internamente uma “prioridade”.
Empresários brasileiros e europeus defendem acordo entre a UE e o Mercosul
Horas antes do encontro de Lula com von der Leyen, empresários brasileiros e europeus divulgaram uma nota de apoio ao acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. No comunicado, as entidades pedem que os negociadores sejam mais flexíveis, para chegarem a um acordo "equilibrado e tempestivo".
A nota destaca que a concretização do acordo será "crucial para alavancar nossas relações bilaterais a um novo patamar".
"Ao estabelecer uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, que cobriria quase um quarto da economia global e 31% das exportações mundiais de bens, o acordo proporcionará benefícios concretos para ambos os blocos, inclusive no sentido de se atingir a neutralidade climática", diz um trecho da nota conjunta assinada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação das Empresas Europeias (BusinessEurope).
A União Europeia, que já foi o principal parceiro comercial do Brasil, agora responde por apenas 16% das importações globais do país. O bloco ocupa a terceira posição entre os principais fornecedores. Por outro lado, o Brasil foi superado por países como Índia e Coreia do Sul no ranking dos principais parceiros comerciais extrabloco da UE.
"Estamos confiantes de que os compromissos equilibrados acordados em 2019 permitem que ambas as partes promovam os fluxos bilaterais de comércio e investimentos, diversifiquem suas cadeias de suprimentos, sustentem empregos bem remunerados em ambas as partes, ao mesmo tempo em que efetivamente protegem o meio ambiente e atendem aos mais altos padrões de desenvolvimento sustentável", defenderam os empresários em nota.
Com Lula, União Europeia anuncia 20 milhões de euros para o Fundo Amazônia
Ainda durante o encontro com Lula, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou a intenção de doar 20 milhões de euros para o Fundo Amazônia. Ou seja, aproximadamente R$ 100 milhões.
Além disso, von der Leyen afirmou que o bloco europeu pretende investir outros 10 bilhões de euros na América Latina e no Caribe.
"A Europa voltou ao Brasil. Nossas regiões são parceiros por opção. É chegada a hora de levar a nossa parceria estratégia a outro nível. A UE já é o principal investidor na região e vamos aumentar esse investimento através do global gateway em 10 bilhões de euros na América Latina e no Caribe", destacou.
Após a passagem pelo Brasil, Ursula von der Leyen vai visitar Argentina, Chile e México nessa viagem ao continente.
Lula defende diplomacia para acabar com a guerra na Ucrânia
Ainda durante o encontro com von der Leyen, Lula afirmou que a resolução da guerra na Ucrânia não é militar, mas sim diplomática. O petista defendeu, mais uma vez, a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) para garantir “que tenhamos capacidade de responder com eficiência e credibilidade as ameaças à paz e à segurança”.
“A volta da guerra ao coração da Europa reflete a complexidade dos desafios e dos tempos que vivemos. Lembrei a presidente Ursula von der Leyen que o Brasil votou a favor a resolução da ONU que condenava a invasão da Ucrânia pela Rússia. Reiterei o nosso empenho pela paz, evitando a escalada da guerra, do uso das forças e seus riscos incalculáveis. Não é a solução militar para esse conflito. Precisamos de mais diplomacia e menos intervenções armadas na Ucrânia, na Palestina, no Iêmen”, disse Lula.
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