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A mais de dois anos das eleições de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu arcar com todos os riscos políticos e lançar, de maneira implícita, a sua pré-candidatura à reeleição. Nas últimas semanas, ele intensificou a sua agenda de entrevistas à imprensa e retirou os últimos filtros de seu discurso, engrossando ataques a rivais – reais e imaginários – e posicionando-se como apto a defender a continuidade de seu governo contra o desafiante a ser escolhido pela oposição de direita.
A oitava campanha presidencial de Lula, a mais antecipada de todas desde a primeira, em 1989, mirando a conquista de um inédito quarto mandato, já definiu as suas três primeiras linhas-mestras de sustentação:
- Afiançar que, apesar dos 80 anos que terá à época do pleito, Lula goza de condições físicas e mentais para governar, tentando se vacinar do questionamento sofrido atualmente pelo americano Joe Biden, de 81.
- Impedir a volta de Jair Bolsonaro (PL) ao poder ou a vitória de um indicado pelo ex-presidente na próxima corrida ao Palácio do Planalto, reconhecendo a força dos grupos conservadores.
- Seguir na “reconstrução” do país (leia-se restauração do estatismo e outros espaços de poder perdidos) e combater as “elites retrógradas”, entre as quais inclui o mercado financeiro e os mais ricos.
No primeiro ano do seu terceiro mandato, Lula priorizou conversas com entrevistadores alinhados a seu governo e veículos regionais durante visitas aos estados, além de ambientes controlados. Ele até tentou estabelecer canal direto com a população por meio de “lives” na internet, que foram canceladas devido à baixa audiência. Agora, diante de cenário mais adverso, decidiu encarar temas espinhosos e repercussões exploradas pela oposição, tal qual ocorrera com seus discursos polêmicos no país e no exterior.
Nas entrevistas recentes, Lula renovou críticas ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, incluindo a que deu nesta segunda-feira (1º) à Rádio Princesa, de Feira de Santana (BA), quando reclamou por ter assumido seu terceiro mandato sem poder indicar o presidente do BC. No geral, o presidente mostrou resistência a cortar gastos para conter rombos fiscais; ampliou a polêmica do projeto para criminalizar o aborto tardio; explicitou diferenças com o ex-presidente americano Trump e o presidente argentino Javier Milei; postergou a decisão de afastar o ministro das comunicações Juscelino Filho, indiciado pela Polícia Federal (PF) por corrupção; e ainda listou possíveis rivais em 2026.
Lula esbanja confiança em derrotar Jair Bolsonaro, caso ele recupere sua elegibilidade
Provocado em entrevista à Rádio Itatiaia (MG), na última quinta-feira (27), sobre como agiria caso Bolsonaro recupere direitos políticos e se apresente para a revanche, Lula transbordou confiança: “Se derrotei ele quando eu era oposição e ele situação, imagine agora. Eu vou mostrar para ele que quem está na Presidência só perde eleição se for incompetente”, disse. E emendou que tem vigor e boa saúde para enfrentar o rival, caso pesquisas o apontem como “o único capaz de derrotar o fascismo e a extrema direita”.
Mas, ao contrário de suas gestões anteriores, Lula agora enfrenta um Congresso conservador que frequentemente lhe impõe derrotas; um ex-presidente capaz de mobilizar oposição de massas, algo antes exclusivo do PT; e um grupo de governadores adversários: Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Ratinho Júnior (PSD-PR), todos listados pelo próprio mandatário como potenciais candidatos à Presidência com apoio de Bolsonaro.
Em conversas de bastidores, líderes partidários apontaram outros desafios para a nova candidatura do petista, além de lidar com um Legislativo que reverteu a relação de dependência com o Executivo. Eles avaliam que o ministério de Lula carece de coesão política, com cada titular focado em sua própria agenda, que a narrativa do governo está desconectada das redes sociais, fator decisivo na opinião pública, e que o presidente parece não saber lidar com as incertezas da política mundial.
Mas a guinada de Lula para acelerar a persistente postura de candidato é motivada pela percepção de uma direita forte, mesmo após um ano da inelegibilidade de Bolsonaro, imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O antipetismo mostrou-se de certa forma independente do ex-presidente para continuar relevante, mas tendo ele como principal cabo eleitoral. O presidente entendeu que a queda de aprovação do governo deve-se não só aos maus resultados, mas também à eficácia da comunicação e do engajamento dos opositores.
Aliados avaliam candidatura de Lula como a única competitiva da esquerda
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), é novamente o nome alternativo do governo para 2026, caso Lula não concorra. No entanto, sua viabilidade depende do sucesso inquestionável da atual gestão. Sem essa expectativa, o ministro do Empreendedorismo, Márcio França (PSB), afirmou ao jornal O Globo em 23 de junho que a candidatura de Lula se torna inevitável, pois o presidente não exibe os altos índices de aprovação de quando deixou o Planalto pela primeira vez. Ou seja, tem menos capital político para transferir a outro candidato. “Se pudesse escolher, ele indicaria Haddad e se recolheria. Mas ainda precisamos de Lula”, disse.
A menos de 100 dias das eleições municipais, marcadas por fortes disputas locais, a polarização emergiu nas grandes cidades, com Bolsonaro usando sua influência para eleger o maior número possível de aliados. Lula, por sua vez, tenta evitar confrontar interesses locais de aliados poderosos, descartando candidaturas petistas em São Paulo, apoiando Guilherme Boulos (PSol), e no Rio de Janeiro, indo de Eduardo Paes (PSD). No plano nacional, a polarização o ajuda, mas no municipal, o atrapalha.
Lula começou a semana focado em viagens pelos estados para apoiar candidaturas de aliados nas eleições municipais. Nesta segunda-feira (1º), ele foi à Bahia para inaugurar obras em Feira de Santana, onde o PT aposta no deputado Zé Neto para prefeito, e para anunciar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Salvador, onde apoiará outra sigla. Na terça-feira (2), a agenda segue em Recife, apoiando a reeleição de João Campos (PSB), e na quinta-feira (4) visita Goiânia pela primeira vez no mandato. Lá o PT tem a única candidata competitiva em capitais, Adriana Accorsi.
Recentemente, o presidente esteve no Ceará, no Piauí, no Maranhão, em Minas Gerais, em São Paulo e no Rio de Janeiro, combinando agendas institucionais com apoio a aliados regionais. Após um ano de intensas viagens internacionais, Lula tenta evitar que o PT repita o desempenho de 2020, quando não elegeu prefeitos em nenhuma capital. Além de apoiar candidaturas, ele busca melhorar a avaliação do governo participando de eventos nacionais e dando entrevistas a emissoras regionais, principalmente de rádio.
Chamado de "Biden da Silva", Lula pode sofrer outros efeitos da eleição americana
No plano internacional, Lula assiste à ascensão da direita na Europa, aos avanços do governo Milei na Argentina e à provável vitória do republicano Donald Trump nos Estados Unidos. Segundo analistas, o resultado das eleições americanas de novembro pode impactar os rumos da disputa presidencial no Brasil. Não por acaso, o petista reitera a sua torcida pela reeleição do democrata Joe Biden. “Deus queira que ele possa concorrer. Se não, o Partido Democrata pode indicar outra pessoa”, disse ele nesta segunda-feira (1º). Se Trump vencer, o apoio do republicano ao candidato de Bolsonaro será claro e contundente.
“Se os Estados Unidos, que são o farol da região, mudarem, vai asfaltar o caminho para muita coisa”, disse o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em entrevista ao portal UOL, publicada no domingo (30). O senador e presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), chamou Lula no sábado (29) de “Biden da Silva”, numa referência direta ao presidente americano, justificando a alcunha por uma crescente “perda de contato com a realidade” demonstrada pelo petista.
Durante debate em São Paulo com a professora Jodi Dean no dia 24, José Dirceu, mais poderoso ex-ministro dos governos do PT, defendeu que o partido governe por 12 anos para implementar mudanças estruturais e não ceda a “soluções liberais”. Destacando que o projeto petista sempre foi governar o país, Dirceu avaliou que o desafio hoje é muito maior, não só pela força do conservadorismo global, mas também pela falta de maioria no Parlamento. “Teremos que sobreviver com este governo, vencer as eleições de 2026 e mudar o equilíbrio de poder no Congresso”, resumiu.
Campanha de Lula envolverá mudança no comando do PT e reforma ministerial
A campanha presidencial de Lula também envolve a mudança no comando do PT. A deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidente do partido, afirmou ao jornal Estado de S.Paulo que trabalha pela união da legenda e defendeu que seu sucessor seja do Nordeste, região com quatro governadores da legenda e onde Lula teve o melhor desempenho eleitoral em 2022. José Guimarães (CE), líder do governo na Câmara, é um dos candidatos a presidir o PT. No entanto, Lula expressou preferência por Edinho Silva, prefeito de Araraquara (SP), tendo em vista as estratégias para 2026.
De acordo com reportagem de O Estado de São Paulo, figuras influentes do PT em gestões anteriores, como José Dirceu e o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, têm se reunido para avaliar a mudança de rumos na legenda, indicando apoio a Edinho Silva para liderar o partido a partir de 2025. O prefeito e ex-ministro da Secretaria de Comunicação, Edinho Silva, tem evitado comentar sobre a sucessão partidária, concentrando-se na eleição de Eliana Honain como sua sucessora.
Devido à fragilidade da relação com o Congresso, cresce a demanda por uma reforma ministerial após as eleições municipais, visando ajustar pastas ligadas ao PT e à cota pessoal do presidente que não tiveram o desempenho esperado. Em termos de atração de votos, a mudança não deve, contudo, gerar grande efeito.