Apesar do discurso internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou de lado a pauta ambiental na tentativa de ampliar o seu apoio dentro do Congresso Nacional. Com isso, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, viu sua pasta ser esvaziada pelo Legislativo com apoio da articulação do Palácio do Planalto.
No centro da crise do Ibama com a Petrobras sobre a discussão de exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, Marina sofreu uma série de derrotas nesta semana no Congresso Nacional - com aval da base de Lula. A primeira delas ocorreu por meio da votação da Medida Provisória que trata da reestruturação da Esplanada dos Ministérios pela comissão mista, onde o relator da matéria, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), esvaziou as funções da pasta.
A ministra do Meio Ambiente perdeu, por exemplo, as funções do Cadastro Ambiental Rural (CAR), responsável por controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação. O relator propôs que essa função fique sobre o guarda-chuva do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
O relatório da MP também prevê a transferência da gestão da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
A pasta de Marina Silva perdeu ainda o controle sobre o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir) e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). Essas funções foram transferidas para o Ministério das Cidades.
Diferente da pasta de Marina, os articuladores de Lula se mobilizaram contra a estratégia de parlamentares que tentavam esvaziar as funções do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Durante a tramitação, deputados defendiam, por exemplo, que Costa não ficasse com a coordenação do Programa de Parceria de Investimentos (PPI). Após pressão do Planalto, o relator acabou recuando em relação à medida.
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Lula pode ir ao STF para evitar esvaziamento da pauta ambiental
O relatório de Bulhões foi aprovado pela comissão mista por um placar de 15 votos a 3. Apesar do esvaziamento da pasta de Marina, o governo não orientou contra o texto apresentado pelo relator. A justificativa dos aliados de Lula é de que o Executivo tinha pressa na tramitação, já que a MP perderá sua validade no dia 1º de junho. A Medida Provisória ainda precisa ser votada nos plenários da Câmara e do Senado.
Além disso, petistas argumentam que o governo precisou ceder diante da correlação de forças dentro do Legislativo. De acordo com o líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (sem partido), a gestão Lula não teve sucesso nas negociações sobre a pauta ambiental.
"Nós, o governo, não conseguimos avançar, embora tenhamos advogado, mas nenhum dos aspectos da questão ambiental conseguimos ter avanços", minimizou Rodrigues.
Além do Meio Ambiente, o relatório da MP desidratou as funções do Ministério dos Povos Indígenas. A pasta comandada por Sônia Guajajara perdeu as atribuições sobre a demarcação de novas terras indígenas e transferiu essa responsabilidade para o Ministério da Justiça, comandando por Flávio Dino (PSB).
Para tentar contornar as críticas geradas pelo posicionamento do governo na votação da MP e evitar um embate com o Congresso, aliados de Lula indicam que o Executivo pode levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). O argumento encampado é de que a Constituição diz que "compete privativamente ao presidente da República" baixar decretos sobre a organização e o funcionamento da administração federal, "quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos".
Esse entendimento, no entanto, ainda não está fechado por parte do Palácio do Planalto. Aliados de Lula defendem que esse movimento poderia resultar em retaliações em votações futuras por parte dos parlamentares, tendo em vista que a judicialização tiraria a discussão da esfera política.
Marina sofreu outras derrotas na Câmara com o aval do governo Lula
Além de ter a pasta esvaziada, Marina Silva sofreu outras derrotas dentro da Câmara sem que houvesse um posicionamento contrário por parte da liderança do governo Lula. Os deputados votaram uma MP editada no final do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e retomaram trechos que afrouxam as regras de proteção da mata atlântica.
Esses itens tinham sido retirados pelo Senado, mas o governo orientou voto a favor da flexibilização durante a votação na Câmara. No PT, por exemplo, foram 35 votos nessa direção, e 14, contrários. O texto segue para sanção de Lula. De acordo com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, Lula vai vetar esse trecho da MP.
"Pelo compromisso que nós temos com a sustentabilidade, minha posição, que foi firmada desde o começo é de vetarmos, não permitirmos a agressão à Mata Atlântica nessa medida provisória", disse Padilha em entrevista à GloboNews.
Ainda de acordo com Padilha, existe um compromisso com os parlamentares para que o veto de Lula não seja derrubado pelo Congresso. "Já existe um compromisso do Senado de que, [o presidente] vetando, não seja derrubado o veto. Na própria Câmara, a liderança já sinalizou de que [o veto] também não seria derrubado", completou.
Além dessa proposta, a articulação do governo não conseguiu impedir a aprovação do pedido de urgência do PL que estabelece o marco temporal da promulgação da Constituição de 1988 para a demarcação de terras indígenas. Neste caso, o governo liberou a sua bancada para votar como quisesse.
Movimento de Lula contra Marina pode travar acordo do Mercosul
Além do desgaste político, o movimento de Lula nas pautas ambientais pode travar acordos internacionais, entre eles o do Mercosul com a União Europeia. Além do Brasil, o tratado deve beneficiar os demais membros do Mercosul: Argentina, Paraguai e Uruguai e o países associados: Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname. A Venezuela também era um dos países membros do bloco, mas está suspensa desde 2016.
Desde a campanha, Lula tem usado a pauta ambiental para tentar ganhar projeção internacional. Durante suas viagens ao exterior, o petista usa mão do discurso da defesa do meio ambiente para tentar atrair o apoio e o financiamento de outros países.
Para Marina Silva, no entanto, os movimentos recentes do governo podem atrasar ainda mais o acordo do Mercosul com a UE, uma vez que os europeus vêm tentando impor restrições ambientais firmes para a assinatura do termo.
"Não basta a credibilidade do presidente Lula, ou da ministra do Meio Ambiente. O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições, é a estrutura do governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas", disse, em audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
Ainda de acordo com Marina, as mudanças promovidas nos últimos dias são um "desserviço ao Brasil". "Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente brasileiro é um desserviço à sociedade brasileira, ao Estado brasileiro. Isso pode criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos, sociais e ambientais", completou.
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