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Presidente Lula participa do Ato das Centrais Sindicais do Dia do Trabalhador, em São Paulo.
Presidente Lula participa do Ato das Centrais Sindicais do Dia do Trabalhador, em São Paulo.| Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o pré-candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) podem ser processados por crimes eleitorais cometidos em um ato em comemoração ao Dia do Trabalho em São Paulo na quarta-feira (1). Segundo juristas ouvidos pela reportagem, eles podem ser acusados dos crimes de abuso de poder político e econômico, propaganda eleitoral antecipada e, apenas no caso de Lula, prática de conduta vedada a agente público.

Eles estão sujeitos a processos que podem, em teoria, pedir a cassação da chapa de Boulos para a prefeitura e a inelegibilidade por oito anos tanto de Lula como de Boulos. Mas o cenário mais provável é que Lula, Boulos ou ambos recebam apenas multas por desrespeito à Lei Eleitoral, que só permite pedidos explícitos de votos a partir de 16 de agosto.

Segundo o advogado e autor do livro “Instituições de direito eleitoral”, Adriano Soares da Costa, o ato do Dia do Trabalho no estacionamento do estádio do Itaquerão foi caracterizado como um evento cultural por trazer uma série de apresentações de música e cultura. No entanto, o presidente Lula deu conotação oficial ao evento ao sancionar a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 2.824 durante o ato de 1º de maio. Adriano Soares explica que, ao fazer o anúncio do benefício aos trabalhadores, Lula fez um ato de governo.

Além disso, há registros oficiais de que o ato foi financiado ao menos em parte por meio de renúncia fiscal pela Lei Rouanet e contou com o apoio da Petrobras. Ao beneficiar a pré-candidatura de Boulos à prefeitura de São Paulo, Lula e Boulos estão sujeitos a serem condenados por abuso de poder econômico e abuso de poder político e ainda uso indevido dos meios de comunicação social. Esses crimes podem levar à inelegibilidade de ambos ou à cassação da chapa de Boulos. Tais ilícitos estão previstos no artigo 22 da Lei Complementar 64/1990, a Lei da Inelegibilidade.

O ato foi transmitido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e pelos canais oficiais do governo federal nas redes sociais. As publicações com a transmissão do evento foram apagadas posteriormente.

Mas os processos só podem ser iniciados pelo Ministério Público, por partido político ou por candidato concorrente depois de 15 de agosto, data limite para o registro oficial das candidaturas.

Crimes de propaganda eleitoral antecipada e conduta vedada podem gerar multas

O episódio do pedido de votos para Boulos no ato do Dia do Trabalho pode caracterizar ainda outros dois tipos de ilícitos: propaganda eleitoral antecipada e prática de conduta vedada a agente público.

Caso seja entendido pela Justiça Eleitoral que Boulos teve participação no pedido de votos, tanto ele como Lula podem responder por propaganda eleitoral antecipada.

De acordo com Richard Campanari, advogado especialista em Direito Eleitoral, embora a legislação autorize referências à possível candidatura e a elogios às qualidades pessoais dos pré-candidatos, solicitações explícitas de voto são proibidas fora do período eleitoral estipulado, que só começa em agosto.

O ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, negou que a fala de Lula esteja em desacordo com a lei eleitoral. "O que ocorreu foi uma manifestação de apoio político, de menção ao cargo a ser disputado e da plataforma de governo a ser defendida", disse ao jornal Estado de S.Paulo.

Durante sua fala no evento do 1º de maio, Lula abertamente solicitou votos para o pré-candidato psolista: “E eu vou fazer um apelo. Cada pessoa que votou no Lula em 89, em 94, em 98, em 2006, em 2010, em 2022 tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo”.

Lula ainda pode ser processado por prática de conduta vedada a agente público, prevista no artigo 73 da Lei Eleitoral (9.504 de 1997). Na prática, essa lei considera um ilícito o uso da máquina pública por um agente do Estado para beneficiar um candidato específico no processo eleitoral.

Mas esses dois crimes têm punições mais baixas: podem resultar no pagamento de multas que variam de R$ 5.000 a R$ 25.000 - mas podem ser elevadas de acordo com os gastos públicos envolvidos no ato que configurou a propaganda.

Multas para Lula e Boulos são cenário mais provável

Richard Campanari avalia que uma ação de investigação judicial eleitoral que resulte na inelegibilidade de Lula e na cassação da candidatura de Boulos parece ser bastante improvável. Ele argumenta que, para gerar um impacto tão significativo, seria necessário provar um contexto mais amplo de abuso de poder econômico ou de uso indevido dos meios de comunicação, além de um envolvimento prévio e consentido de Boulos.

Outro ponto colocado por Campanari é que a imposição dessas penalidades depende da interpretação dos tribunais e da comprovação das infrações no contexto específico dos fatos investigados. “A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) varia conforme cada caso, levando em conta as peculiaridades envolvidas, mas nesse episódio, visto de forma isolada, devemos ficar apenas na multa”, afirma ele.

Já o especialista em Direito Eleitoral e Administrativo, Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, Alexandre Rollo, afirma que é preciso provar oficialmente que o evento foi, de alguma forma, patrocinado pelo poder público. “Ao transformar um evento oficial de Primeiro de Maio em um comício eleitoral, Lula pode ter praticado ato de improbidade administrativa, desde que tenha sido usado direito dinheiro público na organização desse evento”.

A aplicação de multas por desrespeito aos prazos para o início da campanha eleitoral é um resultado bastante provável tanto para Lula quanto para Boulos, segundo o especialista em Direito Constitucional Fábio Tavares. Mas seria necessário que eles voltassem a pedir votos antes do início oficial da campanha para que ambos efetivamente respondessem por abuso do poder político. Somente dessa forma a acusação poderia levar à cassação do registro de candidatura ou do diploma e à inelegibilidade, na opinião do analista.

"Espera-se que a Justiça Eleitoral seja coerente e aplique a lei, sob pena de clara afronta aos princípios constitucionais da impessoalidade, legalidade e moralidade", conclui.

Evento foi organizado com recursos públicos e incentivos fiscais

O evento de 1º de maio em que Lula pediu votos para Boulos foi custeado com R$ 250 mil captados via Lei Rouanet, além de contar com o apoio da Petrobras. Ao cadastrar o projeto na Lei, a produtora Veredas Gestão Cultural, com sede no Rio de Janeiro, foi autorizada a captar até R$ 6,3 milhões, mas somente conseguiu recursos da faculdade privada de medicina São Leopoldo Mandic, de Campinas (SP) - a lei garante que a entidade de ensino financie o evento e, no ano seguinte, abata o valor investido de seus impostos.

Chamado Festival Cultura e Direitos, o evento realizado em comemoração ao dia 1º de Maio foi apresentado pelo ator Sérgio Loroza e MC Pamelloza e contou com shows dos rappers Dexter, Afro X e Roger Deff, além dos pagodeiros Ivo Meirelles, Arlindinho e Almirzinho.

MDB entra com ações para investigar ato de 1º de maio

O diretório municipal do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) de São Paulo, partido do atual prefeito e pré-candidato à reeleição na capital, Ricardo Nunes, em nota, afirmou que já está tomando as providências cabíveis para que Lula e Boulos sejam multados por propaganda eleitoral antecipada, uma vez que houve pedido expresso de votos durante o ato de 1º de maio.

O advogado Diretório Municipal do MDB de São Paulo, Ricardo Vita Porto, também solicitará, paralelamente, que o Ministério Público (MP) abra inquérito para apurar a origem dos valores gastos para organização do evento, incluindo os públicos, além do uso da estrutura sindical com o objetivo de se promover candidatura.

Caso haja comprovação de abuso do poder econômico e de autoridade, o partido ainda poderá ajuizar uma investigação judicial eleitoral, podendo resultar na decretação de inelegibilidade de Lula e na cassação da candidatura de Boulos, pois se entende que foi um beneficiário consentido da conduta vedada ao presidente.

A pré-candidata à prefeitura paulista do partido Novo, Marina Helena, afirmou em suas redes sociais que está entrando com uma ação na Justiça Eleitoral contra a pré-campanha de Guilherme Boulos por evidente propaganda antecipada. Ela ainda afirma que irá denunciar Lula ao Ministério Público por abuso de poder político, pelo presidente ter utilizado a máquina pública para praticar ato ilegal - o pedido explícito de voto antes do início da campanha.

Marina Helena ainda lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro foi declarado inelegível pelo TSE por uma acusação parecida, de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na tentativa de ter ganhos eleitorais. “E aí, será que o TSE vai ser coerente e aplicar a mesma punição ao atual presidente?”, questionou.

O Partido Novo afirmou ainda que acionou o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo teve uma liminar concedida segundo a qual Lula deve ser intimado a retirar o vídeo do ato de seu canal oficial no YouTube.

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