Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Eixo autoritário

Lula e PT se aproximam de Putin em meio a ofensiva diplomática da Rússia contra o Ocidente

Presidente Lula enviou o assessor especial, ex-chanceler Celso Amorim, à Rússia (Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto)

Ouça este conteúdo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e integrantes do PT intensificaram sua aproximação com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, nos últimos dias. Além de uma visita "secreta" do assessor especial da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, integrantes do PT estiveram em um evento do partido de Putin destinado a fazer oposição política aos Estados Unidos e seus aliados.

A aproximação ocorre em paralelo a um esforço da Rússia nas áreas de diplomacia, propaganda e operações de guerra cibernética visando aumentar a influência do Kremlin sobre países da África e da América Latina. Os objetivos são achar novos parceiros comerciais para escapar das sanções econômicas ocidentais a Moscou e reforçar a narrativa falsa de que a Rússia teria invadido a Ucrânia para defender seu próprio território contra o Ocidente.

Na semana passada uma comitiva integrada por membros de alto escalão do PT atendeu a um convite do partido de Putin, o Rússia Unida, para visitar Moscou. A pauta do encontro foi o combate ao "neocolonialismo" praticado por nações europeias e pelos Estados Unidos contra nações em desenvolvimento, na visão russa.

Esse discurso baseia ações de propaganda russa, que ocorre nas redes sociais e em visitas diplomáticas, que se intensificaram na África em 2022. Isso foi uma resposta a rejeição sofrida por Moscou na Europa e em parte da Ásia por causa da invasão da Ucrânia. Países como Mali, Burkina Faso e Mauritânia têm sido alvos do Kremlin. Hackers e diplomatas russos exploram o rancor dessas nações em relação ao seu passado colonial, com o objetivo de aumentar a rejeição a países europeus modernos que há séculos foram colonizadores.

A ideia do Kremlin é expandir a campanha de informação também para a América Latina. "Se a União Soviética contribuiu para acabar com o sistema colonial, agora colocaremos o último prego no caixão das aspirações neocoloniais do Ocidente junto com outros países", escreveu o presidente do partido Rússia Unida, Dmitry Medvedev, no site do partido no mês passado.

Na comitiva petista que foi à Rússia estavam o ex-deputado Henrique Fontana, secretário-geral do partido, e um dos fundadores do PT, Romênio Pereira. Atual secretário de Relações Internacionais do partido, Pereira é autor de artigos que elogiaram as ditaduras da Venezuela e da Nicarágua. Ele também tem articulado a integração do PT com partidos de esquerda da América Latina. No mês passado visitou o Departamento Internacional do Partido Comunista da China em companhia de representante da organização esquerdista Foro de São Paulo, segundo o site do PT.

Fontana afirmou ao jornal Folha de S. Paulo que a visita foi uma agenda de "diplomacia partidária". "Estávamos representando o partido, não o governo. Naquilo que nos cabe, colocamos a disposição do presidente Lula de contribuir com a criação de um clube de países que facilitem um ambiente de diálogo para um acordo de paz [com a Ucrânia]. Todos se mostraram bastante abertos a isso", afirmou o petista.

A Gazeta do Povo tentou entrar em contato com Fontana e Pereira, mas eles não retornaram os telefonemas até o fechamento desta edição.

Também estiveram em reunião com o partido Rússia Unida, na semana passada, membros do partido CNA, da África do Sul. Junto com o Brasil, o país faz parte do bloco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os sul-africanos vêm sendo um dos maiores alvos da diplomacia de Moscou e devem sediar um encontro dos BRICS em agosto.

O Kremlin estaria tentando negociar com a África do Sul que Putin participe do encontro sem ser preso. Isso porque o líder russo é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra cometidos na Ucrânia.

Ex-chanceler petista tem feito visitas secretas a países autoritários 

Assim como ocorreu com em uma viagem à Venezuela no mês passado, o ex-chanceler e hoje assessor especial de Lula, Celso Amorim, foi à Rússia em uma agenda mantida sob sigilo por parte do Palácio do Planalto.

Amorim esteve em Moscou entre os dias 29 e 30 de março, onde se reuniu com o próprio Putin e assessores do governo russo.

Integrantes do governo dizem, sob anonimato, que a visita foi um aceno ao presidente russo e faz parte da estratégia de Lula para ampliar a influência do Brasil no cenário internacional. Durante a visita de Amorim, Putin formalizou um convite para que Lula visite a Rússia.

A agenda ocorreu dias antes do embarque de Lula para a China, nação que é atualmente uma das maiores parceiras da Rússia. As informações coletadas por Amorim devem servir de base para um discurso do presidente petista na estratégia de criar um clube para negociar um acordo de paz para a guerra na Ucrânia.

A avaliação dos aliados de Lula é de que essa aproximação é estratégica, pois contempla o posicionamento do petista de não fechar as portas para o governo russo, mesmo diante da pressão contrária por parte dos Estados Unidos e da União Europeia.

Os aliados de Lula dizem acreditar que o petista pode atuar como um "facilitador" em uma eventual negociação internacional ao manter o diálogo com Putin. O presidente russo está praticamente isolado da comunidade internacional desde que determinou a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022.

Após a visita ao governo Putin, o assessor especial de Lula embarcou para a França, onde se reuniu com integrantes do governo Emmanuel Macron, aliado da Ucrânia na guerra contra a Rússia. O encontro, segundo assessores do Planalto, serviu para que Amorim fizesse um balanço sobre o que foi discutido em Moscou na estratégia de um acordo de paz. Macron é um dos poucos chefes de Estado que apoiaram Lula espontaneamente em sua tentativa de criar um Clube da Paz.

Governo Lula avalia positivamente plano de paz pró-Rússia da China 

A invasão russa à Ucrânia em 2022 teve como consequência geopolítica a formação de um eixo de países integrado até agora por Rússia, China, Irã e Coreia do Norte. A parceria dessas nações é embasada em pelo menos uma ideia em comum: o sentimento antiamericano. A guerra na Ucrânia é vista por esses países e por muitos analistas ocidentais como uma "guerra por procuração", onde os verdadeiros beligerantes seriam Washington e Moscou.

Como parte dessa parceria antiamericana, a China anunciou no mês passado um plano de paz para tentar acabar com a guerra na Ucrânia. Mas, o projeto é totalmente favorável à Rússia, pois não prevê um cessar-fogo sem que Moscou devolva os territórios ucranianos conquistados a partir de fevereiro de 2022.

O governo petista vê com bons olhos a proposta apresentada pela China para construção de um acordo de paz, segundo fontes do governo ouvidas pela reportagem. Mas, esse acordo já foi descartado pela Ucrânia e pelas nações da Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos.

Em fevereiro, Lula visitou os Estados Unidos e apresentou ao presidente americano Joe Biden o projeto de seu Clube da Paz, mas sem dar detalhes de como ele poderia ser concretizado. Assim como fez em Washington, o petista pretende apresentar a proposta ao líder da China, Xi Jipping, na semana que vem.

Brasil não deveria se alinhar a países autoritários, diz analista

A avaliação dentro do Itamaraty é de que o Brasil pode atuar como um "facilitador" do diálogo para o conflito. Nos cálculos do governo, essa atuação precisa ocorrer junto a países que não estejam envolvidos militarmente e emotivamente com a Guerra.

Tradicionalmente, a diplomacia brasileira não se alinha automaticamente com potências, mas sim oferece apoio para a nação que oferecer mais benefícios.

"Não existe nessa guerra países que estão equidistantes de Rússia e Ucrânia. A maioria das democracias do mundo está apoiando a Ucrânia. O Brasil precisa entender que lado ele quer estar, se ao lado dos países democráticos e livres, ou ao lado de países autocráticos e autoritários, como a China e como a Rússia", afirmou o professor de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie, Marcio Coimbra.

Ele lembra que os EUA designou oficialmente o Brasil como aliado militar preferencial do país fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.

"O Brasil, por exemplo, é um aliado extra-Otan. Esse status foi conquistado durante a gestão do ex-ministro Ernesto Araújo no Itamaraty, então o Brasil deveria fazer uso desses instrumentos para se nortear. O governo Lula deveria estar muito mais ligado à questão de ficar ao lado das democracias e ao lado de seus interesses comerciais", argumenta.

Ainda de acordo com o professor, o alinhamento do Brasil ao governo Putin está indo na contramão dos países do Ocidente, que condenam a invasão ao território da Ucrânia. Além disso, argumenta que o Brasil deveria se posicionar através dos seus preceitos internacionais, que defendem a autodeterminação dos povos.  Ou seja, a Ucrânia deve ter o direito de se alinhar com quem quiser, seja com o Ocidente ou com a Rússia.

"Temos todo o Ocidente contra a Rússia diante da invasão da Ucrânia. O Brasil, que pelos seus preceitos constitucionais nas relações internacionais se rege pela autodeterminação dos povos e pela soberania das Nações, deveria usar os princípios constitucionais que norteiam as nossas relações internacionais para decidir que rumo tomar nessa guerra", disse.

A Rússia já deu diversos argumentos para tentar justificar a invasão da Ucrânia. O principal deles é o de reação a uma expansão da Otan sobre países que Moscou considera sua área de influência legítima. O Kremlin considera anda que o território da Ucrânia é estratégico, pois ele poderia ser usado para lançar uma invasão terrestre do Ocidente contra a Rússia.

Brasil tem poucas chances de ser intermediário, diz professor

Carlos Honorato, professor da FIA Business School, defende que o Brasil tente ter um protagonismo internacional. Mas, ele acredita que atualmente o governo Lula não teria espaço para ser um negociador para o fim da guerra.

"Eu acho que essa conversa [do Brasil com a Rússia] é bem-vinda. Aproximação não significa apoio. A influência internacional do Brasil é pequena, então toda possibilidade de acordo e conversação é válida. Mas ter a pretensão que o Brasil vai intermediar alguma coisa, eu acho muito pouco provável", avalia.

Na mesma linha, Márcio Coimbra defende que Putin não tem dado sinalizações de que pretende negociar um acordo de paz. "Ele tem demonstrado que quer prolongar a guerra e continuar com a devastação que está fazendo na Ucrânia. Então vejo que ele só está procurando ganhar tempo com esses acenos. O Brasil não vai conseguir mediar esse conflito", diz.

Brasil não assinou declaração contra Rússia em cúpula promovida pelos EUA 

Na mesma semana da visita de Amorim ao presidente Putin, o governo Lula se negou a assinar a declaração final da Cúpula da Democracia, evento promovido pelo governo dos Estados Unidos, em conjunto com Costa Rica, Coreia do Sul, Holanda e Zâmbia. Entre outros pontos, o texto apresentou uma série de críticas à invasão da Rússia à Ucrânia.

Para a diplomacia brasileira, no entanto, o tema deveria ser tratado na Assembleia Geral das Nações Unidas, ou no próprio Conselho de Segurança da ONU. Antes disso, senadores norte-americanos já haviam manobrado para que o governo dos EUA aumentasse a pressão sobre o Brasil para condenar a Rússia na guerra da Ucrânia.

"A verdade é que o Brasil não tem apoiado muito as sanções contra a Rússia", disse o senador o democrata Ben Cardin. O republicano Ricketts lembrou do pleito do Brasil de se tornar um membro permanente no Conselho de Segurança da ONU e questionou a "falta de apoio à integridade territorial da Ucrânia", bem como a recusa em enviar ao país munições de defesa antiaérea.

Apesar disso, o professor Carlos Honorato acredita que, neste momento, não há espaço para uma retaliação ao Brasil por parte dos EUA. "Estamos vivendo um momento geopolítico bastante complexo e que temos visto uma tendência de mudança, especialmente econômica com a liderança da China. Eu não acredito que possa acontecer [uma retaliação], pois o Brasil não está dando apoio à Rússia, mas mostrando que está disposto a participar das conversações", completa.

Por outro lado, Estados Unidos e União Europeia têm oferecido poucas oportunidades de negócios e parcerias com o Brasil. O acordo de comércio do Mercosul com a União Europeia, por exemplo, continua travado por supostas questões ambientais. Os EUA, por sua vez, têm colocado barreiras para a compra de tecnologia militar americana pelo Brasil e não tem apoiado efetivamente o governo em seu atual pleito por mais relevância internacional.

Chanceler da Rússia, Sergey Lavrov, vem ao Brasil para encontro com Lula

Ainda neste mês de abril está prevista a visita chanceler russo, Sergey Lavrov, ao Brasil. A agenda já vinha sendo costurada pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e foi confirmada durante a passagem de Amorim pela Rússia da última semana.

Além dos desdobramentos sobre a estratégia de Lula para tentar atuar como conciliador de um acordo com a Ucrânia, Lavrov vem ao Brasil para tratar do fornecimento de fertilizantes russos. O Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes que utiliza, um percentual que, no caso do potássio, supera 96%, segundo dados do Ministério da Agricultura. Mais de 20% dos fertilizantes que o Brasil importa vêm da Rússia.

Um acordo costurado no ano passado, ainda pelo então presidente Jair Bolsonaro, garantiu o fornecimento dos fertilizantes por parte da Rússia mesmo durante a guerra. Agora, integrantes do governo Lula admitem que o acordo previa uma revisão para este ano e por isso será renegociado durante a passagem de Lavrov ao Brasil.

O Brasil é apenas um dos destinos de Lavrov, que desde o ano passado vem tentando cooptar novos aliados para a Rússia entre os países em desenvolvimento. Só neste ano já esteve na África do Sul, Angola, Eritrea, Mali, Mauritânia e Sudão.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.