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Lideranças do PT passaram a endossar a estratégia de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passe a se envolver pessoalmente na articulação política no intuito de evitar novas derrotas no Congresso Nacional. A avaliação dos governistas ganhou força nos últimos dias depois que a gestão petista viu sua base desidratar na Câmara com a retirada de pauta do PL das Fake News e com a derrota no projeto que derrubou os decretos sobre o marco do saneamento.
Como a Gazeta do Povo mostrou, as derrotas na Câmara ampliaram a pressão contra o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação do governo com a Câmara e com o Senado. Após o revés, Lula cobrou publicamente seu ministro sobre a consolidação da base governista.
"Espero que ele [Padilha] tenha a capacidade de organizar, de articular, que ele teve no conselho, dentro do Congresso Nacional. Aí vai facilitar muito a vida", afirmou em discurso em Brasília, no lançamento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, que será chefiado pelo ministro.
A expectativa dos integrantes do Planalto é de que o próprio Lula passe a conversar e a negociar - junto dos ministros Alexandre Padilha e Rui Costa (Casa Civil) - os projetos de interesse de governo. Líderes petistas admitem que a falta de articulação pode impor novas derrotas para o Planalto nas próximas semanas.
Desde que assumiu o governo, Lula realizou apenas uma reunião com os partidos da base no Palácio do Planalto. A avaliação de lideranças do Congresso é de que esse distanciamento tem incomodado os deputados e senadores de partidos de centro, como MDB, PSD e União Brasil.
Agenda de Haddad pode ser prejudicada pela falta de base no Congresso Nacional
O temor dentro do Planalto é de que a falta de uma base consolidada prejudique, principalmente, a agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Nesta sexta-feira (5), por exemplo, o governo enviou um projeto de lei para que seja recriado o chamado "voto de qualidade" do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).
A medida permite a representantes do Ministério da Fazenda desempatarem votações em julgamentos de processos tributários na Receita Federal, o que pode ampliar a arrecadação do Executivo. A proposta precisou ser apresentada diante da falta de acordo para instalar uma comissão mista que iria analisar uma medida provisória editada pelo governo que permitiria a retomada do voto de qualidade.
A MP foi assinada em janeiro, e, como o instrumento tem força de lei, a regra está em vigor desde então. No entanto, a medida provisória teria validade até 1º de junho, e para evitar uma nova derrota, o Executivo transformou o texto da matéria em um projeto de lei. O Palácio do Planalto quer que a proposta tramite em regime de urgência e seja analisada em, no máximo, 45 dias.
Nos cálculos do Ministério da Fazenda, a volta do voto de qualidade e de outras medidas para o Carf vão provocar uma injeção, neste ano, de R$ 50 bilhões nos cofres públicos. Além disso, garantiriam ainda uma entrada anual permanente de R$ 15 bilhões, estima a pasta. A medida foi incluída no pacote lançado pelo governo para diminuir o rombo das contas públicas.
Além disso, as lideranças do PT avaliam que o empenho de Lula junto aos deputados e senadores será determinante para aprovar outras propostas como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. Além do próprio Lula e do ministro da Fazenda, o governo quer usar a ministra do Planejamento, Simone Tebet, para ampliar o apoio a agenda econômica.
Liberação de emendas e nomeação de cargos colocam Padilha e Rui Costa sob pressão
O descontentamento dos deputados com o governo passou a ser endossado publicamente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Para o deputado, Lula precisa entender que o Congresso não é o mesmo de 2003, quando o petista assumiu a presidência da República pela primeira vez.
"O governo tem que se ambientar que o mundo de hoje e o Congresso de hoje não é o mesmo de 20 anos atrás. Não tem essa história de derrota imposta por mim [no marco do saneamento]. Avisamos, pautamos, o governo pediu para não ser votado na semana anterior, pedindo uma semana para as coisas serem ajustadas e infelizmente não foram", disse Lira, nesta quinta-feira (4), durante uma agenda em Nova York, nos Estados Unidos.
Lira se reuniu com Lula nos últimos dias para transmitir o recado de que os deputados estavam descontentes com a demora por parte do governo na liberação de emendas e com a nomeação dos indicados políticos para cargos em estatais. As cobranças recaem sobre os ministros Alexandre Padilha e Rui Costa, responsáveis pela liberação de verbas e das nomeações, respectivamente.
Com a entrada de Lula nas articulações, a expectativa dos governistas é de que o próprio petista passe a determinar as liberações das emendas parlamentares. Sem as verbas do orçamento secreto, derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o governo Lula criou um novo mecanismo baseado em recursos de ministérios que beneficiam parlamentares da Câmara e do Senado. Atualmente, essas negociações e liberações estão centralizadas em Alexandre Padilha.
Os recursos que podem ser distribuídos pelo governo Lula, com o objetivo de obter apoio político, chegam neste ano ao patamar de R$ 46 bilhões. Eles estão divididos entre concessão de emendas individuais a parlamentares e emendas de ministérios, que já existiam e são chamadas pelo jargão técnico de RP2. A antiga versão do orçamento secreto era operacionalizada por meio de emendas de relator que ficaram conhecidas pelo jargão técnico de RP9.
"Esses momentos no parlamento são muito importantes, isso nos leva a refletir sobre as relações aqui dentro. Eu acho que fica isso como lição para todos nós aqui dentro. É um recado? Evidente que é, por várias razões. Temos que fazer um freio de arrumação", defendeu o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).
Lula vai cobrar fidelidade dos partidos que integram a Esplanada dos Ministérios
Paralelamente, Lula pretende se reunir nos próximos dias com lideranças de partidos como MDB, PSD e União Brasil para cobrar fidelidade ao governo. Juntos, esses partidos controlam nove das 37 pastas da Esplanada dos Ministérios.
Apesar disso, a maioria dos deputados dessas legendas votou contra o governo na no projeto que derrubou o decreto do marco do saneamento. O principal alvo dessa investida deve ser o MDB, tendo em vista que o ministro das Cidades, Jader Filho, estava envolvido nas negociações. No entanto, 31 dos 32 integrantes da bancada emedebista votaram contra o governo na Câmara.
Já o PSD, que controla as pastas de Minas e Energia, Agricultura e Pesca e, deu 20 dos 27 votos dos parlamentares que estavam presentes na sessão contra o governo. Por último, o União Brasil votou integralmente contra o Planalto, com 48 votos dos deputados. A expectativa é de que o encontro de Lula com os líderes desses partidos ocorra na próxima semana, após o retorno do petista da viagem ao Reino Unido.
"Essa decisão que a maioria dos líderes que participam do governo estão encaminhando contra o governo fica registrado aqui. Isso não é ameaça, é apenas uma declaração de que nada mais importante do que você ser transparente, do diálogo. Esses líderes foram intransigentes a não dialogarem com o líder do governo", criticou o deputado José Guimarães.