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O desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de se lançar como um grande líder internacional não é recente, mas sua imagem não está mais em alta no exterior como nos primeiros mandatos, de 2003 a 2011. Ao longo dos anos em que permaneceu no comando da Presidência da República, Lula fez ao menos quatro tentativas — sem sucesso — para se tornar um intermediador de conflitos internacionais. Ao menos nas duas mais recentes, nas guerras de Israel e da Ucrânia, Lula atuou sem planejamento e abandonou o pragmatismo para relativizar os conflitos e atacar os países que foram vítimas de agressões.
Além dos atuais conflitos em que o petista tentou mediar em Israel e na Ucrânia, especialistas avaliam que Lula também errou ao opinar sobre choques entre palestinos e israelenses. Ainda no passado, o mandatário brasileiro tentou costurar um acordo nuclear com o Irã em 2009, mas teve sua tentativa frustrada por outros países do Ocidente.
Em sua mais recente tentativa, Lula se aproveitou do Brasil estar na presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) em outubro para tentar intervir na guerra iniciada pelo Hamas contra Israel no Oriente Médio. “O Brasil não poupará esforços para evitar a escalada do conflito, inclusive no exercício da Presidência do Conselho de Segurança da ONU", escreveu o mandatário brasileiro em uma rede social.
À frente do Conselho de Segurança, o Brasil apresentou uma proposta de intermediação da guerra. A tentativa da diplomacia brasileira, contudo, não foi bem-sucedida. A resolução, apresentada no dia 18 de outubro, foi vetada pelos Estados Unidos. De acordo com Washington, a proposta não era aceitável, pois não previa o direito de Israel de se defender dos ataques cometidos pelo Hamas.
Após a negativa através do veto norte-americano, Lula e seu ministro de relações exteriores, Mauro Vieira, se envolveram nas tratativas das negociações mas, mais uma vez, não obtiveram sucesso. No último dia 31 de outubro, o Brasil deixou a presidência do Conselho com uma fracassada tentativa de intervir na guerra que já dura mais de um mês.
Especialistas avaliam que o Brasil já não está mais em condições de ter um papel relevante no atual conflito. Para Manuel Furriela, professor de direito e relações internacionais do Centro Universitário FMU, Lula não tem mais o prestígio internacional que teve nos dois primeiros mandatos e sua imagem foi prejudicada pelas condenações por corrupção, que posteriormente foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal.
"A imagem está desgastada. O governo afirmou, por exemplo, que tinha um excelente trânsito com o Egito e com Israel. Mas com a demora da autorização para a saída dos brasileiros da Faixa de Gaza vimos que a interlocução não foi tão produtiva quanto disseram", afirmou.
O grupo de cerca de 32 brasileiros presos no enclave levou 37 dias para conseguir autorização para retornar ao Brasil. Eles chegaram ao país nesta segunda-feira (13). Apoiadores do Jair Bolsonaro (PL) chegaram a afirmar que a operação só teve sucesso porque o ex-presidente teria feito contato com autoridades israelenses. A reportagem não conseguiu verificar com fontes independentes qual foi a razão da demora e posteriormente da liberação da passagem para o grupo de brasileiros.
Já na concepção do doutor em filosofia pela PUC-RS e mestre em relações internacionais pela UFRGS Cezar Roedel, a aproximação de Lula com potências autocráticas, como a Rússia e a China, podem tê-lo tornado apenas um "peão no tabuleiro geopolítico das autocracias". "O que o Lula mais fez, foi viajar. Enquanto isso, a estratégia e o desempenho geopolítico ficaram de lado", pontuou Roedel à Gazeta do Povo.
Ainda segundo Furriela, o Brasil já teve um peso político internacional muito maior sob o governo Lula, especialmente na negociação de acordos ambientais. O especialista ainda ressalta que a atual iniciativa do presidente de tentar propor uma solução para o conflito também deve ser vista como positiva.
"Na agenda internacional o Lula fica tentando uma posição de destaque. Mas isso só se constrói com o tempo e atuação sólida. Não adianta ficar batendo perna como ele faz, mas ao menos tem o mérito de tentar", afirmou Furriela.
Segundo o analista de riscos Nelson Ricardo Fernandes, da consultoria ARP Risk, independente da liderança de Lula, o Brasil não tem envergadura econômica, política, religiosa ou militar para ser um ator relevante em negociações internacionais.
Ou seja, o Brasil não tem interesses mútuos nem exerce grande peso econômico sobre países como Israel, Irã, Ucrânia, Rússia ou Egito (os países que foram alvo das tentativas de Lula). Também não ocupa posição de relevância política em organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, nem tem laços religiosos que justifiquem qualquer tipo de intermediação de conflitos. Além de tudo, o país não tem capacidade militar para atuar fora de suas fronteiras, salvo em missões de paz.
"Um Estado não pode ser ingênuo como Lula está sendo. Se você não tem nenhum desses fatores não pode mediar um conflito internacional. O Itamaraty deveria ter feito sua lição de casa. Quando um Estado age com ingenuidade acaba sofrendo grande desgaste", afirmou.
O governo brasileiro disse ter enxergado a passagem pelo Conselho de Segurança com saldo positivo. “Infelizmente não foi possível aprovar essa resolução, ficou clara uma divisão de opiniões. Mas acho que, do nosso ponto de vista, fizemos todo o esforço possível para que cessassem as hostilidades e que se parassem com os sacrifícios”, disse Mauro Vieira em recente discurso na Comissão das Relações Exteriores do Senado Federal.
Lula relativizou conflitos de Israel e da Ucrânia
Ao receber o grupo de brasileiros resgatados da Faixa de Gaza na Base Aérea de Brasília, Lula relativizou a guerra dizendo que "a solução do Estado de Israel é tão grave quanto foi a do Hamas". Mas foi o grupo terrorista palestino que primeiro lançou atentados brutais em 7 de outbro que causaram a morte de mais de 1.200 pessoas em Israel.
"Os palestinos têm o direito deles [de defender a criação de um Estado e contestar assentamentos israelenses], mas o que tem a ver aceitar ataques terroristas do Hamas para reconhecer os direitos dos palestinos?", questionou Furriela.
Lula teve a mesma atitude em relação à guerra na Ucrânia. O presidente brasileiro disse que a Ucrânia, o país invadido, seria tão culpada pela guerra quando a Rússia, o país invasor.
Nos dois casos, segundo Furriela, Lula não foi neutro nem adotou o tradicional pragmatismo brasileiro de não ficar a favor de nenhum lado e pontuar os casos de abusos cometidos pelas partes em conflito sob a ótica do Direito Internacional Humanitário.
Quando Lula assumiu seu atual mandato, a guerra na Ucrânia estava prestes a fazer um ano. O petista, então, passou a afirmar que gostaria de formar uma espécie de “Clube da Paz” para colocar fim ao conflito. Essa estratégia acabou resultando em erros que assolaram a imagem do presidente frente a outros líderes mundiais.
Sem uma estratégia definida, Lula chegou a declarar algumas vezes que gostaria de reunir com alguns países para tentar chegar a uma solução para o conflito “através do diálogo”. Mas Lula passou a reproduzir o discurso russo (de que o Ocidente teria ameaçado a Rússia ao fornecer armas para a Ucrânia) e desagradou os ucranianos.
"Fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado", disse Lula à revista Times em maio.
Para o analista de riscos Ricardo Fernandes, Lula até poderia ter culpado a política estratégica dos Estados Unidos de autorizar a expansão da Otan (aliança militar ocidental) para países próximos da Rússia ou criticado a arquitetura de segurança da Europa, mas não faz sentido atribuir à Ucrânia a responsabilidade pela guerra.
Discursos como esses ainda foram endossados pelo seu atual assessor de assuntos especiais, o ex-ministro e diplomata Celso Amorim. Em agosto, Amorim disse a jornalistas estrangeiros que nem Zelensky nem Putin estavam fazendo declarações com interesse em “negociar o fim da guerra”. Ainda em acenos à Rússia, o diplomata afirmou que as questões relacionadas à segurança russa deveriam ser consideradas e discutidas entre os países que discutiam a paz para o conflito.
Tais acenos à autocracia russa não foram muito bem recebidos pelo Ocidente, principalmente por países como os Estados Unidos, a União Europeia e a própria Ucrânia. "Para ser honesto, pensei que ele [Lula] tinha uma compreensão maior do mundo. Só acho que ele tem uma opinião própria. Parece-me que não é necessário que seus pensamentos coincidam com os pensamentos do presidente Putin", chegou a dizer Zelensky sobre o brasileiro.
“O mundo ocidental já não leva o Lula mais a sério. Ele quer ser um “grande mediador” enquanto repete narrativas completamente comprometedoras, reforçando alianças com as autocracias e cortando laços com democracias, como Israel, que neste momento, tenta eliminar a barbárie”, avaliou Roedel.
Peter Stano, principal porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia, também criticou algumas declarações do petista. “A Rússia e somente a Rússia é responsável [pelo conflito]. Ela gerou provocações e agressões ilegítimas contra a Ucrânia. Não há questionamentos sobre quem é o agressor e quem é a vítima”, disse.
Sem apoio e envolto em declarações contraditórias, Lula viu seu desejo de criar o Clube da Paz ser frustrado. Para a Ucrânia e outras nações Ocidentais, o Brasil estava sendo influenciado pela narrativa russa. O impasse ficou ainda mais claro durante a cúpula do Novo Pacto Financeiro Global, em junho deste ano, na França, quando os países da América Latina não concordaram em assinar uma declaração conjunta que condenava a Rússia pelos ataques à Ucrânia. O Brasil não concordou com tal termo no acordo.
Desde o início da guerra, o país nunca condenou a Rússia pelos ataques ao vizinho ucraniano. Após a invasão russa à Ucrânia em fevereiro de 2022, quase 200 mil pessoas já morreram devido ao conflito.
Lula tentou negociar acordo nuclear do Irã nos anos 2009
Desde seu primeiro mandato, o presidente Lula sempre enfatizou a necessidade de manter o diálogo diplomático com o Irã. O país, extremista e acusado de uma série de crimes contra os direitos humanos e contra os direitos das mulheres, é assistido com preocupação pela comunidade internacional. Além de apoiar a financiar diversos grupos terroristas, como o Hezbollah no Líbano e os Houthis, no Iêmen, o país possui um preocupante programa nuclear.
Em meados de 2009, o Conselho de Segurança da ONU estava prestes a aprovar uma série de sanções contra o Irã com o intuito de fazê-lo parar com o enriquecimento de urânio. Teerã argumentava que o programa tinha fins medicinais, mas de acordo com os países do Ocidente, o governo iraniano estava enriquecendo o elemento com o intuito de produzir uma bomba atômica — o que o Irã sempre negou.
Lula, porém, tentou entrar no meio das tratativas com a intenção de chegar a um acordo “amigável” com os dois lados e evitar mais sanções ao país do Oriente Médio. O brasileiro chegou a fazer declarações de apoio ao autocrata iraniano Mahmoud Ahmadinejad ao defender que o país pudesse “desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos”.
As movimentações de Lula, contudo, não foram bem-vistas pelos Estados Unidos e nem pela Rússia, que à época pressionavam fortemente o Irã pelo fim do enriquecimento de urânio. Ainda em 2009, o líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad chegou a vir ao Brasil e, em novembro do mesmo ano, Lula retribuiu a visita. Antes da viagem, o brasileiro disse que estava “otimista” com a possibilidade de persuadir Ahmadinejad a chegar a um acordo com o Ocidente.
Após algumas visitas e reuniões entre os dois países, o Brasil formulou, junto com a Turquia, o Acordo do Teerã em 2010. No tratado, o país deveria enviar urânio de baixo enriquecimento para a Turquia em troca de combustível para um reator nuclear que deveria ser usado em pesquisas médicas em Teerã, capital do Irã. O tal acordo, contudo, não surtiu qualquer efeito.
A negociação intermediada por Lula foi rejeitada pelos Estados Unidos que alegaram que o tratado ainda “deixaria o Irã com urânio suficiente para produzir armas nuclear”. Cerca de um mês depois, em junho de 2010, os Estados Unidos propuseram uma nova rodada de sanções ao Irã no Conselho de Segurança e obteve sucesso com a votação: 12 votos a favor, dois contra e uma abstenção. Apenas Brasil e Turquia votaram contra a iniciativa de Washington. A votação representava mais uma derrota ao desejo de Lula de se tornar um líder internacional.
O acordo que ficou conhecido como JPCOA (sigla em inglês que designa um plano de ação abrangente) foi firmado em 2015, mas abandonado três anos depois pelo então presidente americano Donald Trump.
Israel e Palestina já foram foco do brasileiro no passado
Ainda em meados de 2009, enquanto tentava chegar a uma solução sobre o programa nuclear do Irã, Lula também tentou levar o “vírus da paz” para Israel e Palestina. Antes de fazer a primeira visita oficial de um presidente brasileiro à Israel, em 2010, Lula disse que o “vírus da paz está comigo desde quando estava no útero de minha mãe”.
A crença de que conseguiria colocar fim num conflito de décadas envolvendo israelense e palestinos fez o mandatário brasileiro dar declarações contraditórias sobre a situação no Oriente Médio. A aproximação do petista com o Irã, por exemplo, preocupava Israel — o Irã não reconhece o estado israelense e apoia grupos terroristas como o Hamas, que promove ataques constantes à Israel.
No momento em que visitou os países, Israel acabava de anunciar a construção de casas em assentamentos não reconhecidos pela comunidade internacional em território ocupado na Cisjordânia. A decisão tomada pelo governo israelense impedia a formação de uma atmosfera amigável entre os dois países. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, ainda chegou a dizer que as negociações de paz não seriam retomadas se o país insistisse na construção de novos assentamentos.
Para Lula, faltava diálogo entre as partes — inclusive com os terroristas. Com motivações extremistas e radicais, grupos como o Hamas, já promoviam ataques terroristas na região de Israel, mas em proporções menores que as atuais. Após a tomada de poder do grupo na Faixa de Gaza, membros da organização se infiltraram entre civis palestinos e promover ataques constantes ao território israelense.
Apesar do terror causada pelo grupo, Lula chegou a defender que Hamas e Hezbollah participassem das negociações da paz no Oriente Médio.
“Ali, é preciso saber o seguinte: a paz só vai acontecer quando os que estão em guerra quiserem. É preciso colocar todo mundo em uma mesa de negociação: quem está conversando com o Hamas, quem está conversando com o Hezbollah, quem está conversando com a Síria, quem está conversando com o Irã? Como é que você vai construir a paz, se tem pessoas envolvidas no conflito que estão de fora? Já são considerados como bandidos e não se conversam”, declarou Lula em março de 2010.